Pesquisar

Aspectos psicológicos no aborto espontâneo

Aspectos psicológicos no aborto espontâneo

Pensar nos aspectos psicológicos no aborto espontâneo é muito importante. Afinal, a perda do feto pode ocasionar uma série de efeitos e danos psicológicos na mulher, especialmente quando ela está inserida em um ambiente repleto de tabus.

Por exemplo, se a família e o contexto social da mulher não percebe a perda como um luto, dizendo coisas como “você vai engravidar novamente um dia”, a mulher poderá se sentir ainda mais fragilizada, afinal, vive a dor da perda, e não recebe amparo algum quanto a isso.

Portanto, neste conteúdo nós reunimos uma série de informações que visam melhorar a abordagem que essas mulheres podem oferecer para si mesmas, e que podem receber de outras pessoas.
Acompanhe e compreenda melhor essa temática tão importante para a saúde feminina.

Aspectos psicológicos no aborto espontâneo

Sem dúvidas, uma perda fetal pode impactar profundamente a saúde mental de uma mulher. São tantas histórias que a mulher imagina viver com o seu bebê, e são tantos planos que começam a ser feitos que, quando o aborto acontece, um projeto de vida é interrompido de uma hora para outra.

Certamente, essa interrupção pode ser bastante dolorosa, e difícil de ser assimilada. Ainda mais quando pensamos na forma como muitas pessoas enxergam o aborto espontâneo: como algo que pode ser superado facilmente com outra gravidez.

Mas a verdade é que cada gravidez é única, o que resulta em sentimentos únicos em cada vivência. Portanto, é muito importante entender os aspectos psicológicos no aborto espontâneo para criarmos ambientes mais acolhedores para essas mulheres que sofreram com uma interrupção.

Veja a seguir:

1. Sentimento de impotência
A mulher pode vivenciar uma dolorosa sensação de impotência. Às vezes, até acredita que poderia ter feito mais, como por exemplo, “repousado mais”, “alimentado-se melhor”, e assim por diante.
No entanto, ao menos inicialmente, a impotência de não poder mudar a situação e de não ter a menor chance de mudar o rumo da história, uma vez que foi algo espontâneo, pode causar angústia e sofrimento.

2. Sentimento de culpa
Como vimos acima, em alguns casos a mulher pode acreditar que ela poderia ter feito alguma coisa diferente. A culpa de não ter tido “saúde” para gerar o seu filho é algo que a atormenta.
Além disso, ela pode acreditar que poderia ter buscado mais ajuda, ter ido mais vezes ao médico, ou algo assim.
Sendo assim, a culpa pode partir de duas perspectivas, em grande parte dos casos:

  • A partir da premissa de que não manteve o corpo saudável, portanto, teve hábitos ruins que levaram ao aborto.
  • A partir da premissa de que poderia e deveria ter buscado mais ajuda, como se essa ausência de apoio externo fosse a causa do aborto.

Em ambos os casos a culpa pode ser bastante perturbadora, pois a mulher se sente responsável pela morte daquele que ela já amava de uma maneira intensa.
Nessas situações, é muito importante que os profissionais da saúde e as pessoas em volta da mulher a orientem quanto à fatalidade ter ocorrido sem que ela tenha culpa disso.

3. Lembranças difíceis de assimilar
Quando um ente querido falece, nós começamos a vivenciar o processo de luto. Nesse processo, temos as lembranças dos momentos vividos com quem amamos, recordamos falas, tom de voz, traços faciais e outras características daquele familiar ou amigo.
Porém, quando pensamos nos aspectos psicológicos no aborto espontâneo, essas lembranças não existem. E a ausência delas pode tornar o processo de luto mais difícil, demorado e doloroso.
As únicas lembranças que a mãe tem estão relacionadas às sensações do seu próprio corpo e à imaginação da mulher. Ela recorda os planos que fez, e isso é doloroso demais, pois, ao recordá-los, ela se dá conta de que eles nunca sairão do campo do imaginário.
Diferente do que acontece na perda de um ente querido que nasceu e viveu algum tempo, afinal, nesse caso, nós recordamos coisas que realmente aconteceram, vivenciando uma saudade que passa a ser sustentada por essas lembranças.
Mas, como lidar com algo que sequer aconteceu? E como viver essas lembranças imaginárias sozinha, sendo que mais ninguém as têm para comentar, vivenciar e elaborar? Pois é.
Por isso, a ausência de lembranças pode ser bem desafiadora. E é papel da família escutar os planos que a mulher tinha com o seu bebê, bem como a descrição das pequenas lembranças, como por exemplo, as primeiras sensações vividas no corpo da mulher.

4. Saudade do bebê
A mulher também sentirá saudade do seu bebê, mesmo que, de fato, ele nunca tenha nascido. A mulher sente que o seu filho foi embora, morreu, deixou de existir. Enquanto que, na sociedade como um todo, as pessoas podem acreditar que apenas um feto deixou de se desenvolver.
Ou seja, a mãe entende que uma vida foi interrompida. Um plano. Um sentimento que ficou com um buraco aberto. Já as outras pessoas, especialmente relacionadas ao senso comum, apenas acreditam que algo prático aconteceu. Um feto que não cresceu, e apenas isso.
Mas, obviamente, a mãe sofre de saudade. Sofre com a falta do bebê crescendo em seu útero. Sofre com a impossibilidade de planejar a vida daquele bebê. Ela sofre.

5. Tristeza intensa
E por sofrer tanto, a mulher vive uma fase de extrema tristeza. Tristeza essa, que não necessariamente é patológica, mas diz respeito às fases naturais do luto.
O choro pode ser bastante presente, pois as recordações, misturando as sensações do corpo e o que foi imaginado para aquele bebê, invadem a mente da mulher, indo em detrimento à realidade que diz que ele não irá nascer.
Essa tristeza provoca, às vezes, sensação de desesperança, angústia, medo, aflição, culpa, e outros aspectos que já viemos discutindo ao longo deste texto.

6. Reações físicas frente às emoções
As emoções podem ser vistas no corpo da mulher, em determinados casos. É o que chamamos de “psicossomatização”, quando uma questão psíquica soma-se ao corpo.
Por exemplo, a mulher pode passar a ter crises de enxaqueca, dores musculares, problemas digestivos, entre outros sinais que não têm relação com causas fisiológicas e doenças detectáveis.
Vale ressaltar que cada indivíduo é único, e não necessariamente todas as mulheres que sofrem com o aborto espontâneo irão vivenciar essas sensações.
Porém, é possível que a psicossomatização apareça, especialmente se a mulher não receber nenhum tipo de suporte social e emocional no ambiente no qual ela se insere na sociedade.

7. Depressão e ansiedade em futuras gestações
Algumas mulheres podem apresentar um maior risco de desenvolver ansiedade e depressão nas futuras gestações.
A angústia de ter que passar novamente pelo aborto pode desencadear medo, insegurança, tristeza, desconfiança e até desesperança.
Com o passar do tempo, esses sentimentos e emoções podem evoluir para quadros mais importantes, que irão exigir o acompanhamento médico.
Por isso, quando pensamos nos aspectos psicológicos no aborto espontâneo, podemos pensar no fato de que a mulher merece um apoio emocional durante a fase do luto e da recuperação do ocorrido.
Assim, ela poderá fortalecer as suas emoções e habilidades psíquicas, visando um maior equilíbrio e uma menor propensão ao desenvolvimento de quadros de depressão.

8. Transtorno do estresse pós-traumático
Algumas mulheres também podem experimentar o Transtorno do Estresse Pós-traumático. Esse quadro clínico pode gerar sofrimento e angústia para ela, pois é possível vivenciar pesadelos, ter pensamentos intrusivos e repetitivos sobre o ocorrido, entre outros sintomas.
A mulher pode ter dificuldade para se recuperar do ocorrido, pensando no aborto, sofrendo por conta dele e tendo impactos na sua vida pessoal e profissional por conta disso, durante meses e até mesmo mais de um ano.
Nesses casos, o acompanhamento do Médico Psiquiatra e do psicológo é muito importante.

O que fazer ao sofrer aborto espontâneo?

Até aqui pudemos discutir sobre muitos aspectos psicológicos no aborto espontâneo. Agora, vamos refletir sobre alternativas que a mulher pode considerar na hora de lidar com a dor dessa perda. Confira:

1. Entender que existe um processo de luto
É muito importante que a mulher possa compreender que existe um processo de luto “normal”, podemos assim dizer. Isto é, embora o bebê não tenha se desenvolvido e não tenha nascido, ainda assim há um luto que merece e deve ser vivido.
Isso significa que a mulher não precisa ter medo ou vergonha de falar da sua dor. É um direito seu chorar, sofrer e lamentar o ocorrido.

2. Conversar com quem você confia e fazer psicoterapia
Conversar sobre o que aconteceu é algo que pode ser interessante. Quando falamos sobre as nossas dores, sobre saudade, medos e angústias, conseguimos “colocar para fora” tudo aquilo que está nos sufocando do lado de dentro.
Isso pode funcionar como um verdadeiro escape, que auxilia na construção de um espaço mais acolhedor e reconfortante.
Além disso, quando falamos sobre o que sentimos, nós temos maiores chances de ouvir a nós mesmos, reconhecendo fatores em nossa fala que podem nos ajudar a superar os desafios vividos.
Sendo assim, essa conversa com quem você confia pode ser muito relevante. E, além disso, a conversa que acontece na psicoterapia também pode fazer a diferença. Considere isso.

3. Vivenciar a cerimônia de despedida, se pertinente
Se for possível, é interessante fazer uma cerimônia de despedida para o bebê que partiu. A mulher pode elaborar uma espécie de velório, sem se deixar levar pelos julgamentos alheios.
Esse ritual pode auxiliar na elaboração da ideia de que o filho não existe mais no campo do real, pois agora ele é falecido, e merece uma despedida digna para a sua existência nesta vida.
Embora possa parecer sem sentido para algumas pessoas, esse tipo de ritual é muito importante nos processos de luto, inclusive em casos como estes, de aborto espontâneo.

4. Jamais querer substituir o bebê
Um cuidado muito importante que deve ser considerado é o fato de que o bebê é único. Aquela gestação foi única. Aquele ser humano que crescia no ventre da mãe, também foi único.
Ter esse discernimento é muito importante para não cometer o equívoco de tentar substituir o bebê. Isto é, engravidar o quanto antes e colocar o mesmo nome no segundo filho pode ser bastante perigoso.
Afinal, todas as idealizações e projeções feitas em outro ser humano que se formava podem ser colocadas sobre o novo ser. E isso pode criar um peso psíquico para os pais que usam o filho para “tapar um vazio”, e para a própria criança, que se vê como uma “opção substituta” ao primeiro feto. Cuidado com esse tipo de situação.
Cada bebê, cada gestação e cada feto representam uma vida diferente, que não deve ser anulada e tampouco substituída.

5. Praticar o autocuidado, respeitando as emoções vividas
No começo, pode ser muito difícil praticar o autocuidado. O processo de luto, muitas vezes, tira esse desejo de fazer coisas simples, como um exercício físico ou uma refeição.
No entanto, tanto a mulher, quanto a sua rede de apoio, devem focar nos cuidados com a saúde, mesmo nessas condições negativas.
Isto é, manter uma vida mais ativa, cuidar da alimentação, praticar bons hábitos de higiene e outras ações podem auxiliar no fortalecimento da saúde mental e na restauração da vida daquela mãe que perdeu o seu filho.
Tudo isso, obviamente, respeitando e ouvindo as emoções vividas. Ou seja, o propósito deste tópico não é fazer com que as mães “engulam as dores” e sigam como se nada tivesse acontecido. Mas sim, é fazer com que as mães percebam que merecem receber cuidado, amor, carinho e atenção, para que isso sirva de alicerce na hora de atravessar esse momento tão doloroso.

Como auxiliar uma mãe que sofreu aborto espontâneo?

Se você conhece uma mãe que sofreu o aborto espontâneo, saiba que existem algumas ações que você também pode colocar em prática para ajudá-la. Descrevemos-nas abaixo:

1. Jamais fale sobre substituição
Um feto é um feto. Outro feto, é outro feto. Sendo assim, uma segunda gestação jamais irá substituir o primeiro feto perdido. E é papel de quem está em volta da mulher compreender isso.
Jamais fale que ela irá “engravidar de novo”, ou que “é jovem e terá mais oportunidades de ser mãe”, pois esse não é o ponto.
Para a mulher, ela é mãe. Mãe de um falecido. Portanto, a ideia é apoiá-la na vivência do seu luto, e não fazê-la acreditar que a perda não significa nada e que é hora de pensar em substitutos.

2. Entenda que há um falecido na história e permita o luto
Para a mulher, existe um falecido nesta história. Para os outros, pode ser apenas uma gravidez interrompida.
Isso quer dizer que ela sofrerá um luto como se tivesse perdido uma pessoa que já havia nascido. Afinal, um ser vivo, que crescia no ventre da mãe, faleceu.

3. Dê espaço para que a mulher fale de suas dores
Permita que a mulher possa falar sobre o que sente e o que vivencia. Deixe-a desabafar, sem julgá-la ou “cortá-la”. Nunca diminua o sofrimento dela dizendo que o aborto espontâneo é comum e que ela é forte, ou algo do tipo.
Mas sim, tente sempre demonstrar que você está ali, por perto, pronto para apoiá-la da forma que for possível. Esse tipo de acolhimento pode fazer toda a diferença na vida da mulher que atravessa esse luto importante.

4. Jamais tente apagar a história do bebê que não nasceu
Nunca diga que o bebê sequer nasceu e não há motivos para o sofrimento. Para aquela mulher, esse bebê já havia sido projetado em sua mente anos antes de ocorrer a concepção de fato.
Isso quer dizer que, na vivência da mulher, existe uma história relacionada a esse bebê. Existe uma vida, um projeto de vida, vivências imaginárias e planos que estão na mente da mulher, concretizando a história desse filho que, infelizmente, não nasceu.
Lembre-se disso e nunca encare essa perda como algo que simplesmente não existiu. Para a mãe, existiu e foi intensamente presente na vida dela.

5. Incentive a psicoterapia
Por fim, considere incentivar a psicoterapia, pois isso pode ser muito valioso para a saúde mental da mulher.
Afinal, ela poderá falar de suas dores, medos e angústias, além de receber intervenções e apoios que possam auxiliar na prevenção de casos de Transtorno de Estresse Pós-traumático e depressão, por exemplo.
Seja uma ponte entre a mulher e a busca pela saúde mental. Esteja com ela e mostre caminhos saudáveis, incluindo profissionais da saúde na história.
Nesse momento, a mulher precisa de apoio, carinho e orientação. Escute-a.

Referências

BERSTAIN, C. A. [et al.] Impacto psicológico no pós-aborto espontâneo:
uma revisão narrativa. Promoção e Proteção da Saúde da Mulher – ATM 2024/2.

TAKIMOTO, Megumi e GUALDA, Dulce Maria Rosa. A experiência das mulheres que sofreram aborto espontâneo: uma revisão da literatura. 2012, Anais.. São Paulo: Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo, 2012. Disponível em: https://repositorio.usp.br/directbitstream/feeff560-c60f-46cb-965b-87c6eae5f81e/GUALDA%2C%20D%20M%20R%20doc%2069.pdf. Acesso em: 06 out. 2022.