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Saúde mental em caso de natimorto

Saúde mental em caso de natimorto

Manter a saúde mental em caso de natimorto é um grande desafio para muitas mulheres e pais que atravessam esse momento difícil.

Porém, precisamos pensar sobre o assunto e analisar alguns pontos relevantes para, aos poucos, recuperar a estabilidade emocional frente ao ocorrido.

Na prática, a mulher e o(a) parceiro(a) viverão um processo de luto importante. Além disso, outros cuidados podem ser considerados, como a psicoterapia, por exemplo.

No decorrer deste texto, você verá uma série de informações sobre essa temática. Confira.

Breve diferenciação entre aborto espontâneo e natimorto

Antes de iniciarmos as nossas reflexões, é importante fazermos uma breve diferenciação entre aborto espontâneo e natimorto.

O aborto espontâneo pode ocorrer até a 20ª semana de gestação, já o natimorto consiste no falecimento do feto dentro do útero da mãe, na reta final da gravidez.

Ambos os casos são significativos para a saúde mental da mulher, e merecem atenção para que seja possível atravessar a situação de uma forma mais equilibrada.

Vamos adiante.

Aspectos psicológicos em caso de natimorto

Quando pensamos na saúde mental em caso de natimorto, podemos considerar alguns aspectos psicológicos importantes.

Esses aspectos podem ter diferenciações entre uma mulher e outra, uma vez que a história de vida, o contexto social e demais características pessoais podem impactar na maneira como essa ex-gestante encara a situação.

Por isso, considere os fatores abaixo como pontos de reflexão, e não como algo que acontece à risca com todas as mulheres que vivem a situação de natimorto.

1. O luto é vivido
Apesar de a morte fetal estar relacionada com um feto que, de fato, não nasceu vivo, ainda assim há um luto atravessado.
Isto é, a mulher e o(a) parceiro(a) passarão por um processo de luto como ocorre quando vivemos a perda de qualquer ente querido vivo.
Porém, nem sempre esse luto é levado tão a sério pelas outras pessoas. Isso pode tornar o processo um pouco mais doloroso.
Por isso, ter consciência de que a morte fetal resulta em um luto vivido pelos pais é muito importante para respeitar a si mesmo e às próprias emoções vividas neste momento.

2. Sentimento de culpa
O sentimento de culpa também pode aparecer em muitos casos. Há mulheres que se culpam pela morte fetal acreditando que deveriam ter sido mais cuidadosas, ou que a doença que causou a morte do bebê fosse culpa da mulher.
Além disso, há mulheres que podem viver o sentimento de culpa por acreditarem que não têm um corpo pronto para ser mãe. Isto é, elas podem acreditar que têm culpa porque não estão preparadas para gerar um bebê, mas que ainda assim expuseram os seus fetos a essa situação de morte.
Obviamente, é importante destacarmos que apesar de o sentimento de culpa existir, a verdade é que a mulher não tem culpa alguma. Trata-se de uma fatalidade.

3. Raiva e revolta
Dentro do processo de luto, o indivíduo pode atravessar o momento de raiva e revolta diante da morte de um ente querido.
Isso não é diferente em se tratando da saúde mental em caso de natimorto. A mulher, bem como o(a) seu(sua) parceiro(a), pode viver um sentimento de revolta intenso. A raiva por ter vivido uma impotência diante da saúde do feto e a dificuldade para assimilar a realidade podem ocasionar efeitos intensos no humor e nas emoções.
Sendo assim, é muito comum que essa raiva apareça, e saber vivê-la e “gastá-la” com palavras e lágrimas pode ser um caminho para lidar com as questões do luto.

4. Tristeza e saudade da história planejada com o bebê
Durante a gestação, os pais planejam a vida que terão com os seus bebês. Eles podem imaginar quais serão as atividades desenvolvidas com o filho, como será a personalidade do pequeno, e assim por diante.
Fantasiam muitos acontecimentos, sonhando com os momentos que serão compartilhados. Além disso, constroem um verdadeiro projeto de vida para si mesmos na posição de pai e mãe.
Porém, quando ocorre a morte fetal, tudo isso é interrompido.
Os sonhos morrem junto com o feto que partiu, o que provoca uma tristeza e confusão profundas.
Além disso, os pais podem experimentar um sentimento de saudade: saudade de imaginar como seria ter o filho; saudade de sentir que ele está crescendo na barriga da mãe; saudade de se preparar para a sua chegada; entre outros pontos.
A saudade e a tristeza podem ser bem intensas, e elaborá-las leva tempo. Os pais precisam de apoio emocional para desabafarem sobre o que sentem, bem como devem receber suporte na hora de falar sobre os planos que haviam feito para o bebê.
Tudo isso permite que as dores sejam “gastas” e elaboradas, permitindo que essa fase difícil comece, aos poucos, a ser superada.

5. Ausência de lembranças que ajudam a assimilar
Quando um ente querido morre, nós, muitas vezes, apegamo-nos aos acontecimentos vividos em conjunto. Temos lembranças relacionadas com a voz, com o cheiro, com as feições, com a risada, e assim por diante.
Porém, quando um feto morre, não há imagens e lembranças mentais que nos ajudem a assimilar o que aconteceu. Afinal, o feto não nasceu, não mostrou suas feições de fato, não produziu sons, não esteve no campo do real – apenas no imaginário dos pais.
Em se tratando da mãe, até há as lembranças das sensações físicas do feto crescendo em seu útero. No entanto, isso pode não ser o suficiente na hora de se pensar sobre o que se viveu com o filho.
Essa ausência de lembranças pode tornar o processo doloroso, embora não o torne impossível de ser atravessado.
Por isso, respeitar o tempo de recuperação emocional é muito importante. Além disso, as lembranças “inexistentes” podem servir de espaço para as lembranças imaginadas – daquilo que os pais planejavam e esperavam para o bebê.

6. Ansiedade e medo de futuras gestações
A saúde mental em caso de natimorto também pode ficar abalada ao se pensar no futuro. A mulher pode temer futuras gestações, sentindo medo e ansiedade frente a essa possibilidade.
O medo pode estar relacionado com a ideia de reviver esse tipo de situação, bem como com relação às dores físicas que pode ter sentido por conta da curetagem feita em caso de morte fetal.
Em alguns casos, a mulher pode começar a ter medo da gestação, o que resulta em casos de tocofobia.

7. Negligência vivida no contexto social
Infelizmente, não são todas as pessoas que consideram a dor de uma mãe e de um casal que passou pela situação de morte fetal.
Por isso, é muito comum ouvirmos algo como “você ainda é jovem”, ou pior: “você vai engravidar de novo”. Esse tipo de discurso anula os sentimentos e emoções vividos pelos pais, resultando em uma sobrecarga na saúde mental em caso de morte fetal.
Afinal, independente do fato de ser possível engravidar de novo, ser jovem ou haver novas possibilidades de planos para a vida, ainda assim um filho imaginado foi perdido. Ainda assim, um ser vivo faleceu.
Isso quer dizer que, para os pais, a morte do feto apresenta uma dor tão intensa quanto a morte de um filho que nasceu.
Portanto, a negligência do contexto social pode tornar o momento ainda mais difícil. Sendo assim, ter claro que, na visão dos pais, a morte do feto é a morte de um filho, é algo muito importante para que este momento de luto seja verdadeiramente respeitado.

8. Transtorno de Estresse Pós-traumático (TEP)
Em alguns casos, a mulher pode vir a desenvolver um quadro de Transtorno do Estresse Pós-traumático. Esse transtorno pode ser bastante doloroso, e exige acompanhamento psicológico e psiquiátrico.
A mulher pode ter pesadelos que repetem o ocorrido, ter pensamentos intrusivos sobre o evento traumático, temer profundamente uma nova gestação, ter dificuldade para se recuperar do ocorrido, etc.
Além disso, a mulher pode sofrer com prejuízos funcionais na sua vida pessoal ou profissional, devido ao TEP.
Nesses casos, é muito importante buscar ajuda profissional para lidar com a situação.

9. Depressão
Infelizmente, a depressão também pode acarretar em prejuízos para a saúde mental em caso de natimorto.
A mulher, diante do ocorrido, pode vivenciar uma situação de desesperança, tristeza profunda, medo, angústia, culpa e baixa autoestima, que não melhoram com o tempo.
À medida que essas emoções não recebem o amparo adequado, o emocional da mulher pode ficar sobrecarregado, levando-a ao desenvolvimento de um quadro depressivo.

10. Psicossomatização
A psicossomatização aparece quando os impactos na saúde mental em caso de morte fetal são tão intensos a ponto de “escorregarem” para o corpo.
É o caso de a mulher experimentar constantes tensões musculares, enxaquecas, problemas digestivos, distúrbios do sono, entre outras questões.
O emocional abalado pode impactar o nosso corpo, nossa imunidade e nosso organismo interno. Por isso, a busca por ajuda profissional é tão importante.
Afinal, a psicossomatização pode resultar em prejuízos funcionais para a mulher, abalando-a e diminuindo a qualidade de vida ainda mais.

Como cuidar da saúde mental em caso de morte fetal?

Atravessar um caso de morte fetal não é a coisa mais simples do mundo, e disso nós estamos cientes.

Contudo, existem medidas que podem auxiliar nesse processo. São medidas simples, que priorizam os cuidados com as emoções dos pais e que respeitam o período de recuperação diante do ocorrido.
Abaixo descrevemos um pouco mais sobre elas:

1. Aceitar a necessidade de viver um luto
Como vimos no início deste conteúdo, muitas vezes as pessoas se esquecem que a perda fetal é, para os pais, o falecimento de um filho idealizado, sonhado e planejado. Por ser uma perda tão significativa, o processo de luto atravessará todas as fases que atravessaria caso perdêssemos algum ente querido que convive com nós.
Sendo assim, é muito importante que o casal compreenda que tem a necessidade e o direito de viver o seu luto. Isto é, chorar, desabafar, viver as emoções e senti-las com atenção são peças-chave para vivenciar este momento difícil.
Não estamos dizendo que viver um luto é fácil. Mas sim, estamos dizendo que é necessário.
Aceitar que há o falecimento de alguém nessa história é um passo para elaborar esse luto. Ou seja, não devemos diminuir a morte por ser de um “feto”. Devemos respeitar que, para os pais, há uma morte muito significativa, que merece atenção e lágrimas.

2. Falar sobre as emoções, catalisando-as
Falar sobre as emoções também é importante. Quando comunicamos as nossas emoções, passamos a nomear aquilo que sentimos dentro de nós.
Dar nome ao que se sente é uma forma de catalisar as sensações, permitindo que, aos poucos, as nossas emoções retomem o equilíbrio inicial.
Afinal, quem nunca se sentiu mal com algo, mas não sabia dizer o que era e, depois de algumas tentativas, colocou em palavras e se sentiu mais leve? Pois é. É mais ou menos assim que funciona no luto.
Além disso, como diria Nasio, ao chorar e falar sobre o que sentimos, nós temos a chance de “gastar” a dor. Ou seja, falar sobre o que se sente e chorar quando se tem vontade são formas de gastar a dor, catalisando-a e, aos poucos, tirando-a de dentro de nós – até que ela se transforme em saudade, lembranças, etc.

3. Entender que o feto é insubstituível
Outro ponto muito importante que deve ser considerado, quando pensamos em saúde mental em caso de natimorto, é com relação à ideia de substituir o filho.
Como vimos, é muito comum que as pessoas digam coisas como “você poderá engravidar novamente”. Porém, esse discurso pode dar a entender que aquele feto que partiu pode ser substituído por outro, como um produto.
No entanto, psiquicamente, essa substituição não é saudável e não deve acontecer. Os pais devem compreender que o feto perdido foi perdido, e que gestar outro feto, colocando o mesmo nome, pode ser perigoso, uma vez que a criança pode nascer com muitas expectativas dos pais postas sobre ela.
Portanto, viver o luto e entender que aquele feto partiu e que, agora, haverá novas possibilidades de construir novos planos para a vida (e não substituições), é um caminho mais seguro emocionalmente.

4. Respeitar o tempo de recuperação
Não há necessidade alguma de se mostrar forte e inabalável para a sociedade. Sendo assim, respeitar o seu tempo de recuperação é muito importante.
A perda de um feto pode ser muito dolorosa, e ter que reorganizar a rotina e os pensamentos com relação a isso exige tempo.
Ninguém precisa ser um super-herói que atravessa o luto da noite para o dia. Dê tempo ao tempo, chore quando precisar, retome seus planos de vida assim que possível e viva um dia de cada vez, sem forçar a barra.

5. Fazer psicoterapia
A psicoterapia pode ser uma grande aliada no processo de luto. Por meio dela é possível falar sobre o que sente, sobre as angústias, medos, raivas, revoltas, etc.
Além disso, o profissional pode ajudar você na hora de colocar esses sentimentos e emoções em palavras, o que nem sempre é fácil.
Também é possível desenvolver mecanismos que auxiliem na recuperação emocional frente à perda fetal.
Os pais terão um espaço para falar livremente sobre o que sentem e estão vivendo, além de buscarem novas vias para seguir em suas vidas e, assim, atribuir novos sentidos para a trajetória vivida.
Os novos objetivos também poderão ser traçados, sempre com foco na qualidade de vida e na saúde mental de ambos.

6. Despedir-se do “bebê” da forma que fizer sentido
A saúde mental em caso de morte fetal pode ficar bastante abalada, e isso nós já percebemos. Porém, existem ações que podem auxiliar no momento em que os pais precisam atravessar essa fase dolorosa.
Uma dessas ações é vivenciar o velório ou a cerimônia de despedida do feto. Os pais têm o direito de criar esse momento, para conseguir se despedir daquele sonho: do seu filho que não nasceu com vida.
Esse processo nos auxilia no momento em que precisamos elaborar a perda, para que possamos ter um luto mais saudável.

7. Cuidar da sua saúde física
Por fim, além de pensarmos na saúde mental em caso de natimorto, também devemos pensar na saúde física.
Tanto a mãe, quanto o pai, devem priorizar os cuidados com a saúde. Para isso, a prática de exercícios, a boa alimentação e os cuidados com o sono devem ser mantidos na medida do possível.
Desse modo, haverá mais disposição física para lidar com todas as adversidades dessa fase, desenvolvendo uma recuperação mais efetiva e ágil.

E lembre-se: jamais negligencie a necessidade de procurar um profissional da saúde mental. Cuide-se!

Referências
LEAL, R. M. F.; MOREIRA, I. C. Morte Fetal na Família: Como podemos ajudar? Uma revisão sistemática da literatura. S. d.