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Desafios da adoção de filhos

Os desafios da adoção de filhos podem desencadear o aparecimento de dúvidas e questionamentos por parte dos pais adotivos e até mesmo da própria criança. Afinal, são tantas mudanças significativas na vida de ambos que, ao menos de início, muita “confusão” pode surgir, resultando em momentos de ansiedade, medo, insegurança, etc.

No entanto, compreender um pouco mais sobre o que podemos esperar desse tipo de situação é algo que pode nos ajudar na hora de nos prepararmos para essa atuação da parentalidade.

Por conta disso, desenvolvemos este guia com informações que poderão servir de alicerce nas suas reflexões e no seu crescimento parental. Acompanhe-nos.

Desafios da adoção de filhos e aspectos psicológicos

Para iniciarmos a nossa discussão sobre os desafios da adoção de filhos, separamos algumas considerações sobre os aspectos psicológicos e as situações nas quais ficamos diante de impasses, dúvidas e questionamentos sobre o processo adotivo. Veja a seguir:

1. O filho imaginado e a realidade
Inicialmente, devemos ter em mente que, nos nossos pensamentos, teremos a idealização de um filho. Isso porque, ao longo de nossas vidas, pensamos e imaginamos o papel de pai e mãe, o que resulta em imaginarmos um bebê ou uma criança que ainda nem existe.
Imaginamos como será nosso relacionamento, a personalidade da criança, e assim por diante.
Contudo, quando a realidade aparece, a angústia pode surgir. Podemos viver um verdadeiro “luto”, perdendo aquele filho imaginado e dando passagem para a realidade.
No começo, isso pode ser bastante difícil. Porém, à medida que criamos consciência de que a imaginação é diferente da realidade, podemos criar novas perspectivas para o relacionamento com nossos filhos.
Portanto, este é um ponto muito importante e que deve ser considerado quando pensamos nos desafios da adoção de filhos: devemos estar cientes de que o filho que imaginamos pode estar bem longe de ser o filho real que iremos adotar. Ter esse preparo é fundamental para evitar frustrações intensas e até mesmo arrependimentos.

2. A espera para adotar – ansiedade e frustração
Certamente você já deve ter ouvido falar que a burocracia por trás do sistema de adoção pode ocasionar uma espera expressiva e desgastante para os futuros pais.
Essa espera pode resultar em crises de ansiedade e frustração. A ansiedade aparece por não ter o controle do que vai acontecer, e os pais podem se sentir sobrecarregados com as sensações de insegurança frente à possibilidade de conseguir, ou não, adotar uma criança.
A frustração surge à medida que o tempo passa e os pais se dão conta de que, ainda, não conseguiram adotar o filho que tanto desejam.
Ambas as situações merecem apoio e atenção. Por meio da psicoterapia, por exemplo, os futuros pais poderão trabalhar essas limitações e esses sentimentos que podem ser negativos e até mesmo disfuncionais.

3. Impactos da idade do filho
A idade da criança também pode ser caracterizada como um dos grandes desafios da adoção de filhos. Dependendo da idade, os pais podem se ver diante de maiores ou menores impasses na hora de criar um vínculo com a criança.
Obviamente, não podemos generalizar e dizer que toda criança mais velha trará problemas para a família. Porém, sabemos que a história prolongada em casas de acolhimento e até mesmo em uma família desestruturada pode impactar, profundamente, a vida de uma criança.
Contudo, nada é impossível. Os pais adotivos podem criar mecanismos de acolhimento, amor, proteção e educação que auxiliem na adaptação de toda a família.
No começo, dúvidas e angústias podem surgir, o que é natural. Mas à medida que o tempo passa, a família vai criando sua própria atmosfera organizacional.
Inclusive, é válido destacar que a psicoterapia e o apoio de profissionais focados em processos de adoção podem ajudar na hora de lidar com essas questões.
Isso significa que a adoção tardia é possível, viável e pode, ainda, resultar em grandes realizações emocionais, afetivas e de vida para todos.

4. A infertilidade em muitos casos
Sem dúvidas, a adoção, muitas vezes, carrega consigo a infertilidade dos pais como um pano de fundo.
Essa questão pode ocasionar uma série de desafios na adoção de filhos. Primeiro porque os pais podem se sentir abalados ao não conseguirem conceber um filho biológico. Segundo porque esses mesmos pais podem enxergar a adoção como um “substituto”, e não como uma via para a parentalidade.
Isto é, embora, conscientemente, a pessoa acredite que está adotando porque quer ter filho, pode ser que, no fundo, fantasias relacionadas à substituição da gravidez biológica podem estar entrando em ação.
Por isso, fazer uma reflexão profunda sobre os motivos pelos quais a adoção tem sido desejada é algo muito importante.
A adoção não visa substituir aquela “perda” vivida ao receber a notícia de ser infértil. A adoção visa, simplesmente, construir uma dinâmica familiar com base no desejo de adultos que almejam ser pai ou mãe.
A premissa deve ser querer ser pai ou mãe, e não apenas ter um filho que não foi possível “fazer” pela via biológica.
Há uma grande diferença entre apenas querer ter um filho, e querer exercer a parentalidade. Essa reflexão é muito importante.

5. A “rejeição” vivida pela criança
Para a criança, o sentimento de rejeição pode estar enraizado em sua mente e em sua vida. Afinal, ela pode sentir que não foi querida o bastante para permanecer ao lado da sua família adotiva.
Consequentemente, esse sentimento pode aparecer como uma dificuldade para se vincular à nova família.
A criança pode temer viver mais uma rejeição, mais uma perda. E isso pode causar impactos na construção do relacionamento com os pais adotivos.
É como se ela entrasse em um modo defensivo. Neste caso, é papel dos pais criar um ambiente acolhedor, que respeite os limites emocionais da criança e que permita uma aproximação gradual, à medida que o pequeno começa a ter mais confiança nesses “novos adultos”.
É muito importante não tentar “forçar a barra”. Tente praticar a empatia e imaginar se fosse o contrário: você, se sentindo rejeitado, tendo que aceitar um novo lar, com pessoas desconhecidas, sem saber, ao certo, se será aceito ou não.
Parece difícil de assimilar, não é mesmo? E se é difícil para nós, adultos, imagine para uma criança.
Por isso, a paciência durante o processo de vinculação é muito importante.

6. Formação da identidade da criança
Assim como acontece no desenvolvimento de uma criança que é filha por via biológica, na adoção também há uma construção de identidade em andamento.
Essa construção começa muito antes de a criança ir para o novo lar, e isso, normalmente, gera angústia e dúvidas nos pais adotivos. Afinal, quais serão as “manias” da criança? Que tipo de “personalidade” ela irá apresentar ao chegar no novo lar?
Além disso, para a própria criança a construção pode ser difícil – não impossível. Isto é, perguntas internas como “quem sou eu?” podem carregar dificuldades para assimilar tudo o que está acontecendo.
Quem sou eu? De onde eu vim? Como vim parar aqui? Por que me deixaram aqui? São muitas as dúvidas do pequeno que passa pelo processo de “luto” por ter sido rejeitado e agora, obrigatoriamente, reencaixado em outro lugar.
Outro ponto relevante é que a criança possui dois grupos parentais para se espelhar, criar um ideal e seguir rumo à própria identidade, o que pode gerar uma confusão e conflitos.
Sendo assim, é muito importante que os pais adotivos consigam criar um ambiente no qual essa criança possa se expressar, possa demonstrar as suas dúvidas e vivenciar as suas angústias. Tudo isso é importantíssimo quando pensamos na elaboração do que foi vivido e no desenvolvimento de uma identidade mais clara e adequada aos ideais da própria criança.
Se simplesmente nos fecharmos para esses questionamentos e dúvidas da criança, poderemos estar fadando-a a um caminho no qual as suas questões de identidade não sejam sanadas, provocando impactos na sua autoestima, autopercepção, etc.

7. “Teste de aceitação” com as ações das criança
Os comportamentos tidos como “inadequados” podem ser um sinal marcante de que a criança está fazendo verdadeiros “testes de aceitação na adoção”.
Isto é, contradizer os pais adotivos, demonstrar uma postura defensiva e mais irritável são aspectos comuns e esperados quando pensamos nos desafios da adoção de filhos.
A criança precisa testar o ambiente que está inserida, analisando, cuidadosamente, se realmente será aceita, ou se seus “defeitos” serão motivos para descartá-la.
Por isso, desenvolver a paciência é algo imprescindível no processo adotivo. Os pais precisam reconhecer que a criança, que foi rejeitada e perdeu a sua família biológica, pode estar se sentindo desconectada da nova realidade.
E para se adaptar a ela, a criança precisa sentir confiança nos novos pais, crendo que eles irão aceitá-la independente do que acontecer. Por isso, a rebeldia e as provocações podem aparecer como um método, inconsciente, de testar se a adoção realmente foi bem-sucedida.

Fatores que podem contribuir para uma adoção bem-sucedida

Até aqui, pudemos ver muitas considerações que nos fazem pensar sobre os desafios da adoção de filhos. Agora, iremos discutir um pouco mais sobre algumas ações que contribuem para uma adoção bem-sucedida.

Obviamente, não estamos descrevendo um passo a passo. Mas sim, estamos apresentando alguns pontos que podem contribuir e auxiliar neste momento tão importante da vida de uma família.

Lembre-se de que as singularidades podem impactar profundamente no desenvolvimento do laço familiar, e que não há receita para ser uma “família perfeita e feliz”. Ter esse conhecimento é importante para não idealizar e se frustrar mais tarde.

Esclarecido isso, vamos às considerações importantes que trouxemos:

1. Entender que a criança é um indivíduo, não um instrumento
A criança adotada não é um instrumento para os pais. Ela não “serve” para suprir a falta de uma gestação biológica ou a perda de um outro filho. Ela não serve para completar os pais ou simplesmente proporcionar algum status.
A adoção traz para dentro de casa um indivíduo, com seus traços pessoais, sonhos, medos, angústias, emoções, desejos, etc.
Isso quer dizer que os pais precisam se preparar para receber um indivíduo, não uma posse. Os pais não serão donos da criança adotiva, e ela não deverá nada aos pais.
Isto é, a criança é um indivíduo com vida própria, que crescerá, atingirá a sua autonomia e viverá com suas próprias pernas. Ela não será alguém que “deve” algo aos pais, como se eles estivessem fazendo um favor.
Reconhecer isso é importante para não correr o risco de anular o sujeito.
Por isso, discursos como “eu te dei a mão” ou “nós te salvamos” nunca devem acontecer.

2. A adoção não é uma caridade
Seguindo ainda o que elencamos acima, os pais precisam ter a consciência de que a adoção nunca foi e nem nunca será uma caridade.
Você não está fazendo um favor a criança ao salvá-la. Afinal, muitos pais podem cair no equívoco de querer ser um “salvador”, ao invés de salvar, podemos assim dizer.
Sendo assim, esteja ciente de que a adoção é uma construção familiar como qualquer outra, e não um gesto de caridade.
Embora a criança possa ter sofrido em sua família biológica e/ou no lar de acolhimento, ainda assim a adoção não deve ser vista como uma mera “ajuda”. A criança deve ser vista como um filho desejado pelos seus pais. Os pais devem ter esse desejo de praticar a parentalidade e de oferecer, a essa criança, uma família saudável e estruturada.
Essas perspectivas são bem diferentes. Querer oferecer o melhor à criança não é querer fazer caridade. Agora, enxergar essa situação como caridade, pode fragilizar a relação e criar, especialmente na criança, uma carga emocional de que ela está devendo algo e que tudo que ela faz de bom é apenas “obrigação” por ter “sido salva”.

3. Viver o luto do filho biológico que não nasceu, sem substituí-lo
Antes de iniciar o processo de adoção, os pais também devem ter o cuidado de viver o luto do seu filho biológico que não nasceu.
Caso esse luto não seja vivido, o casal pode querer substituir essa perda emocional com a adoção.
Isso pode sobrecarregar a criança, que, mesmo que de modo inconsciente, será colocada no lugar daquele que “compensa uma falta”, “compensa algo que não deu certo”.
Por isso, os pais precisam cuidar da saúde mental e atravessar o luto do filho biológico que não existiu antes de trazer, para dentro de casa, a criança adotada.
Esse tipo de cuidado pode fazer toda a diferença na construção de um relacionamento mais saudável.

4. Preparar-se antes da adoção é importante
A preparação para a adoção também é importante.
Assim como acontece numa gestação, os pais precisam se preparar para a chegada do seu novo filho.
Desse modo, é possível fazer um “pré-natal” psicológico, bem como participar de grupos de apoio, assistir a palestras e outras ações que contribuam para uma maior absorção de informações referentes aos desafios da adoção de filhos.
Inclusive, a leitura deste texto já pode ser vista como um passo em prol dessa preparação. Mas não pare por aqui! Vá além.
Invista na psicoterapia, converse com educadores, saiba mais sobre os impactos da adoção e construa uma preparação que traga mais segurança para o momento no qual você estará atuando como pai ou mãe.

5. Entenda que o filho trará os registros de sua história, mesmo quando bebê
Tenha em mente que um ser humano, a partir do momento em que ele nasce e começa a viver neste mundo, começa a carregar, dentro de si, marcas da sua história, mesmo que de modo inconsciente.
Isso quer dizer que mesmo quando se adota um bebê, ainda assim ele terá registros de sua história na sua forma de construir laços e estabelecer relações afetivas.
Desse modo, torna-se mais fácil compreender as diferenças e trabalhar para que tudo seja equilibrado e adequado às realidades vigentes. Não no sentido de moldar a criança, mas no sentido de entender as suas diferenças e auxiliá-la na construção de uma personalidade positiva e que traga felicidades a ela.

6. Invista no acompanhamento psicológico
O acompanhamento psicológico de toda a família também pode ajudar nos desafios da adoção de filhos. A psicoterapia pode auxiliar na compreensão das emoções, na desmistificação de uma série de questões, bem como na construção de relacionamentos mais saudáveis e sadios.
O acompanhamento psicológico infantil também pode auxiliar o pequeno na busca da sua própria identidade, bem como na superação de dores e angústias vividas pela rejeição.
O processo visa aumentar a qualidade de vida e melhorar a dinâmica familiar, sendo uma excelente alternativa.

7. Reconstrução do ambiente familiar
Por fim, considere que a criança carrega consigo um passado, que deve fazer parte da história dela e que não deve ser esquecido ou anulado. Assim sendo, considere trabalhar a reconstrução do ambiente familiar, respeitando os limites e o desenvolvimento da criança.
Ajude-a a entender o novo conceito de família; inclua-a nas atividades familiares; faça-a compreender que o ambiente familiar, agora, possui determinada dinâmica, mas que o ambiente familiar antigo faz parte dos registros de vida dela.
Esse processo pode ser difícil no começo, mas à medida que a criança vai se desenvolvendo e ganhando maturidade, ela entenderá a nova dinâmica familiar e saberá que existem várias, e que esta, de agora, é a que ela está inserida.
Ajude-a a entender o conceito real de amor, proteção, carinho, cuidado e consideração. Faça-a com que ela perceba que tem valor. Tudo isso, com paciência e dedicação, pode fazer a diferença. Pense nisso e jamais exclua o auxílio de um psicólogo frente aos desafios da adoção de filhos.

Referências
LEVINZON, G. K. Adoção – Clínica psicanalítica. 2a ed. São Paulo : Casa do Psicólogo, 2005.

SAMPAIO, D. S.; MAGALHÃES, A. S.; MACHADO, R. N. Motivações para a adoção tardia: Entre o filho imaginado e a realidade. ARTIGO • Psicol. Estud. 25 • 2020.