Dor Crônica
O que é dor crônica?
Dor crônica se refere a qualquer tipo de dor com duração maior do que três meses. Dependendo do caso, ela pode estar presente de forma contínua, pode ir e vir com alguma regularidade ou pode ser desencadeada por ações específicas, como subir escadas ou fazer atividade física. Enquanto alguns pacientes apresentam piora da dor com o esforço, outros podem ter dor que predomina durante os períodos de repouso.
Ela pode ter diversas consequências para a saúde física e mental, incluindo sedentarismo, perda de musculatura e de mobilidade, ansiedade, estresse, insônia ou depressão, entre outras.
Em muitos casos, a dor crônica pode persistir mesmo depois que a condição que tenha causado a dor inicialmente já se encontre resolvida.
Quais os tipos de dor crônica?
Existem dois tipos principais de dor crônica no corpo humano: dor neuropática e dor nociceptiva.
Em muitos pacientes, a dor tem um componente tanto neuropático como nociceptivo, quando então ela é classificada como uma dor mista.
O reconhecimento destes diferentes tipos de dor é fundamental, uma vez que o prognóstico e o tratamento são bastante diferentes.
Dor Neuropática
A dor neuropática é um tipo de dor que se desenvolve em decorrência do mau funcionamento do sistema nervoso. Ela pode estar relacionada aos nervos periféricos, medula espinhal ou cérebro.
Aproximadamente 30% das dores neuropáticas são causadas pelo diabetes. No entanto, nem sempre é fácil determinar a origem da dor.
Qualquer paciente com dor crônica, independentemente da causa, pode sofrer um processo de sensibilização central ou periférica, passando a apresentar um componente neuropático para a dor. Nesse momento, estímulos que não deveriam causar dor passar a gerar dor e estímulos que normalmente seriam dolorosos são sentidos de uma forma muito mais intensa do que deveria ser.
A dor é muitas vezes referida como sendo em pontada, queimação, facada ou com a sensação de um choque elétrico. Pode ser referido também formigamento ou dormência.
Algumas sensações anormais que podem ser descritas pelo paciente com dor neuropática incluem:
- Alodínea: dor que é provocada por estímulos normalmente não dolorosos, como frio, vento ou toque suave na pele;
- Hiperalgesia: dor provocada por estímulos normalmente dolorosos, mas em intensidade muito além do que seria de se esperar.
Dor Nociceptiva
A dor nociceptiva é causada por uma lesão ou inflamação tecidual. Esta lesão estimula os nervos sensitivos que então transmitem um sinal ao cérebro que é interpretado como dor.
Uma vez que a lesão ou inflamação seja tratada e curada, o paciente deixa de apresentar dor.
Existem dois tipos de dor nociceptiva:
1. Dor somática
A dor somática é aquela que tem origem nos braços, pernas, face, músculos, tendões e áreas extrínsecas do corpo.
Ela pode ser desencadeada por uma lesão aguda, como um corte ou contusão bem como por doenças crônicas, como artrose ou tendinopatias.
2. Dor Visceral
A dor visceral é aquela proveniente de um problema em um órgão interno (abdominal ou torácico).
Ela pode ser causada por condições como infecções, constipação, câncer ou hemorragia interna.
Ao contrário da dor somática, a dor visceral é comumente associada a outros sintomas como náuseas, vômitos e nervosismo.
Avaliação do paciente
Ao se avaliar um paciente com dor crônica, é preciso caracterizar clinicamente a origem da dor, como nociceptiva, neuropática ou mista.
Além disso, é preciso que se identifique a causa da dor, que pode ou não ter diagnóstico previamente conhecido. Algumas destas causas podem ser tratadas e outras não.
É preciso também que se identifique outras condições de saúde física e mental comumente vistas no paciente com dor crônica.
Como exemplo, muitas pessoas se tornam menos ativas em decorrência da dor. O sedentarismo pode contribuir para a obesidade e perda de massa muscular, o que pode contribuir para a piora da dor.
O paciente pode também não conseguir mais cumprir com seus compromissos familiares ou profissionais, o que pode gerar estresse, ansiedade e depressão.
A dor pode comprometer o sono e a falta de um sono reparador pode levar a deficiências hormonais.
Estas podem ser apenas algumas das consequências que podem ou não estar presentes no paciente com dor crônica. Quando ignorados, dificilmente o paciente irá apresentar melhoras de sua dor.
Tratamento não medicamentoso da dor crônica
Todo paciente com dor crônica precisa de uma abordagem holística e multidisciplinar.
A dor é um simtoma complexo e muitas vezes potencializada por condições de estilo de vida. Sedentarismo, obesidade, falta de sono reparador, estresse, ansiedade e transtornos do humor são tanto causa como consequência da dor. A melhora de todas essas condições é uma parte primordial do tratamento da dor.
Dependendo da avaliação inicial, a abordagem pode incluir além do tratamento médico também a psicologia, fisioterapia, educador físico ou nutricionista.
Tratamento medicamentoso da dor
O tratamento medicamentoso da dor deve envolver fármacos que atuam diretamente sobre a dor, incluindo os analgésicos simples, opioides e anti-inflamatórios, de acordo com a escada analgésica descrita na imagem abaixo.
Além disso, medicamentos adjuvantes que ajudam na modulação da da dor poderão ser considerados em todos os degraus da dor.
Entre esses medicamentos adjuvantes, incluem-se os anticonvulsivantes, antidepressivos, lidocaína tópica, capsaicina ou os canabinoides.
Procedimentos intervencionistas para dor, incluindo bloqueios anestésicos ou outros procedimentos neuromoduladores, podem ser considerados em casos específicos.
Vale aqui considerar que um dos principais problemas relacionados ao tratamento da dor crônica é a passividade no tratamento. Isso significa que, mesmo diante da falta de resposta aos tratamentos, é muito comum que se demore muito a dar os passos seguintes.
Devido a mecanismos adaptativos, quanto maior o tempo em que uma pessoa sofre com dor crônica, mais sensível ele fica e maior o tempo necessário para a desensibilização dolorosa.
Anti-inflamatórios
Os anti-inflamatórios são medicamentos que agem inibindo a ação de uma enzima chamada ciclooxigenase (COX).
Esta enzima atua aumentando a produção de prostaglandina, responsável pelo surgimento do quadro inflamatório.
Podemos dizer, desta forma, que o combate à COX diminui a produção da prostaglandina, combatendo a inflamação, a dor e a febre.
Eles fazem parte de todos os degraus na escada da dor. No entanto, apresentam efeitos colaterais importantes relacionados ao coração, rins e trato gastrointestinal, especialmente quando utilizados de maneira abusiva e por longo prazo.
Opioides
Os opioides estão entre os medicamentos mais utilizados para o tratamento da dor. Eles fazem isso promovendo uma menor percepção dolorosa pelo cérebro.
Certos tipos de opioides podem também ser usados como antitussígenos ou como sedativos.
Além disso, alguns opiodes também são usados como drogas recreativas, devido ao seu efeito depressor sobre o sistema nervoso central.
Os opioides são drogas obtidas a partir do ópio, substância extraída da planta Papaver somniferum, conhecida também como Papoula do Oriente. Podem ser classificadas em três grupos:
- Opioides naturais (morfina, codeína): drogas que não sofrem nenhuma modificação em laboratório;
- Opioides semi-sintéticos (heroína, oxicodona): drogas resultantes de modificações parciais destas substâncias em laboratório;
- Opioides sintéticos (Tramadol, meperidona, metadona, fentanil): drogas totalmente desenvolvidas em laboratório.
Medicamentos opioides leves como o Tramal ou a Codeina estão no segundo degrau da escada da dor. Já os opióides fortes, como oxicodona, metadona ou morfina estão no terceiro degrau.
Esses medicamentos possuem excelente resposta quando usados em curto prazo, especialmente na dor aguda. Quando usados por tempo prolongado, porém, podem causar tolerância e dependência por opioides. Assim, outras medidas devem ser avaliadas em conjunto para o controle da dor.
Os opióides devem ser usados na dor crônica até a titulação da dose da droga adjuvante iniciada (neuromodulador ou antidepressivo) e também em casos de exacerbação de dor aguda, incluindo pós operatório.
Podem também ser usados como primeira linha para pacientes com dor neuropática de origem oncológica ou no caso de dor refratária a combinações de medicações adjuvantes, considerando-se o custo – benefício nesses casos.
Medicamentos adjuvantes
Medicamentos adjuvante para dor são aqueles que não têm uma atuação primária como analgésico, mas que pode ajudar a controlar a dor. Alguns tem seus efeitos percebidos apenas semanas após início do uso.
Eles podem entrar no tratamento em qualquer degrau da escada da dor, a depender das características da dor do paciente.
Entre os principais medicamentos adjuvantes, incluem-se:
- Antidepressivos Tricíclicos: Amitriptilina, nortriptilina;
- Antidepressivos inibidores da recaptação da serotonina e Noradrenalina: Duloxetina, venlafaxinal
- Anticonvulsivantes: Gabapentina, pregabalina;
- Medicamentos tópicos: anestésicos, capsaicina.
A escolha do medicamento depende do quadro clínico geral. Os anticonvulsivantes têm efeitos inibitórios, sendo indicado nos pacientes em que predominam os sintomas positivos. Já os antidepressivos apresentam efeito excitatório, sendo indicado quando os sintomas negativos são predominantes.
Quando um medicamento adjuvante não responde com pelo menos 50% na redução da dor, pode-se considerar a associação de dois adjuvantes. A ineficácia de cada um dos medicamentos só deve ser caracterizada depois de 2 a 4 semanas desde o inicio do tratamento.
Antidepressivos
Os antidepressivos tricíclicos (especialmente amitriptilina e nortriptilina) são os que têm melhor eficácia no tratamento das síndromes dolorosas neuropáticas e não-neuropáticas.
Já os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (Duloxetina, venlafaxinal) tendem a ter resultado um pouco abaixo dos tricíclicos quanto a analgesia. No entanto, tendem a ter menos efeitos colaterais, sendo por isso muitas vezes utilizados como primeira escolha.
A eficácia dos tricíclicos independe do seu efeito antidepressivo, sendo benéfico também em pacientes com dor mas sem depressão. A melhora inclusive ocorre em doses menores do que aquelas empregadas no tratamento da depressão.
Anticonvulsivantes
Medicamentos anticonvulsivantes são tão efetivos quanto os antidepressivos no tratamento da dor crônica de origem neuropática.
Os anticonvulsivantes de segunda geração, como a gabapentina e a Prégabalina, são os que têm mais evidências no tratamento da dor. Eles atuam potencializando a ação inibitória dos neurotransmissores denominados gama-aminobutíricos (GABA).
Anestésicos tópicos - Lidocaina
A lidocaína é um anestésico local, que estabiliza a membrana neuronal e inibe de forma reversível a condução dos impulsos nervosos. Eles estão disponíveis em diferentes apresentações, sendo que os emplastros de Lidocaína apresentam como uma de suas principais indicações a dor neuropática localizada, que está restrita a um ou dois sítios anatômicos. Ela tem pouca absorção e efeitos a distância.
Capsaicina
A capsaicina é um produto extraído das pimentas Capsicum, tendo sido utilizada para o tratamento da dor há longa data. Ela é normalmente utilizada na forma de cremes a 0,025%, 0,075% e 0,1%. Fora do Brasil, estão disponíveis adesivos tópicos em concentração de 8%, para uso exclusivo intrahospitalar.
A capsaicina é um agonista altamente seletivo para os receptores de potencial transitório vaniloide do tipo 1 (TRPV1) nos neurônios.
A ativação prolongada do TRPV1 pela capsaicina resulta na perda da funcionalidade do receptor, o que resulta em uma menor sensibilidade neuronal.
Em concentrações elevadas, a capsaicina tópica pode inclusive promover neurólise temporária, com reinervação ocorrendo semanas após a interrupção da terapia medicamentosa (1).
Geralmente, ela é indicada no tratamento da dor neuropática localizada. Devido aos efeitos colaterais frequentes, ela é considerada como segunda linha de tratamento, quando outras alternativas já tenham sido tentadas sem sucesso.
Procedimentos intervencionistas
Diferentes formas de procedimentos intervencionistas podem ser considerados para o tratamento da dor crônica.
Estes procedimentos envolvem injeções realizadas nas articulações ou próximo a nervos que possam estar envolvidos na dor neuropática.
Entre os procedimentos a ser considerados incluem-se:
- Infiltração articular com corticoesteroides;
- Infiltração articular com ácido hialurônico;
- Boqueio de raiz nervosa ou de nervos periféricos;
- Neuromodulação ou neuroablação com radiofrequência.