Deficiência Auditiva e Surdez na Infância
Qual a diferença de Deficiência Auditiva e Surdez?
Ainda que muitas vezes usadas como sinônimo, a deficiência auditiva e a surdez não são exatamente a mesma coisa.
Aquelas que apresentam uma perda auditiva leve ou moderada são consideradas deficientes auditivas.
Este é um problema bastante comum. Nos Estados Unidos, cerca de 15% de pessoas com mais de 18 anos relatam algum nível de perda auditiva (1)
As pessoas que têm perda profunda, e não escutam nada, são surdas.
Classificação da Deficiência Auditiva
A Deficiência Auditiva e a surdez são divididas em quatro níveis:
Deficiência Auditiva leve
A pessoa só consegue detectar sons a partir de 25 a 29 decibéis (dB).
Elas têm dificuldade para entender as palavras que outras pessoas estão dizendo, especialmente se houver muito ruído de fundo.
Deficiência Auditiva moderada
A pessoa só consegue detectar sons entre 40 e 69 dB.
Acompanhar uma conversa usando apenas a audição se torna difícil sem o uso de um aparelho auditivo.
Surdez grave
A pessoa só ouve sons acima de 70 a 89 dB.
Ela precisa ler os lábios ou usar a linguagem de sinais para se comunicar, sendo incapaz de compreender uma fala apenas com base no que escuta.
Surdez profunda
Qualquer pessoa que não consiga ouvir um som abaixo de 90dB tem surdez profunda.
Algumas pessoas com surdez profunda não conseguem ouvir absolutamente nada, em qualquer nível.
A comunicação é realizada por meio de linguagem de sinais, leitura labial ou leitura e escrita.
Como acontece a audição normal?
Compreender como funciona a audição é fundamental para que se entenda as causas da deficiência auditiva, os métodos diagnósticos e os possíveis tratamentos.
O ouvido é dividido anatomicamente em três partes:
- Ouvido externo, formado pela orelha e canal auditivo;
- Ouvido médio, formado pela membrana timpânica, tuba auditiva e três ossículos, a bigona, o martelo e o estribo;
- Ouvido interno, formado pela cóclea, vestíbulo e nervo troclear.
Quando uma onda sonora chega ao ouvido, ela é transportada pelo ouvido externo até a membrana timpânica, onde provoca uma vibração.
Esta vibração será amplificada em até 20 vezes pelos ossículos do ouvido médio até chegar a cóclea, no ouvido interno.
Na cóclea, os estímulos acústicos são transformados em impulso elétrico, o qual é transportado ao cérebro pelo nervo auditivo.
A interpretação destes impulsos pelo cérebro é que forma o que conhecemos e entendemos como som.
Deficiência Auditiva Condutiva X Neurosensorial
A Deficiência Auditiva pode estar associada a problemas que acontecer com a entrada do som no ouvido, com sua amplificação na membrana timpânica ou ouvido médio, na transformação desses estímulos em sinais elétricos, na cóclea ou mais raramente no caso de problemas que acometem o nervo auditivo, que leva os sinais auditivos a tróclea para o cérebro.
Assim, a deficiência pode ser dividida em dois grandes grupos:
- Deficiência Auditiva Condutiva: problemas relacionados à captação , condução e amplificação do som que acontece no ouvido externo ou ouvido médio;
- Deficiência Auditiva Neurosensorial: probleamas que acontecem na cóclea ou, mais raramente, no nervo coclear.
Quais as causas da perda auditiva ou surdez?
A surdez pode ser dividida quanto a causa em dois grandes grupos:
Deficiência auditiva congênita (pré natal)
A deficiência Auditiva Congênita está associada a problemas que se desenvolvem antes do nascimento da criança.
Estima-se que 50% destes casos seja decorrente de causas genéticas e 50% de fatores ambientais (3).
A surdez congênita pode ainda ser divididas em dois subgrupos (4):
- Sindrômicas: responde por 30% dos casos de origem genética, no qual a surdez faz parte de um conjunto de outros problemas;
- Não sindrômicas: Responde pelos outros 70% dos casos, onde a surdez é o único problema da criança.
Entre os fatores ambientais que podem levar `a perda auditiva incluem-se diferentes problemas que acometem a mãe durante a gestação, entre elas:
- Infecções: citomegalovírus, rubéola, herpes simples e zika (5);
- Medicamentos prescritos ;
- Drogas ilícitas;
- Traumas.
Deficiência Auditiva pós-natal
Decorrem de problemas que acometem a criança após o nascimento, incluindo:
Infecções: catapora, citomegalovírus, caxumba, meningite, Sífilis
Doenças como diabetes ou hipotireoidismo;
Certos tipos de medicamentos;
Certos tipos de cânceres;
Deficiência auditiva do idoso (presbiacusia)
Problemas primários do ouvido, como a Otite Média recorrente ou a Otite Média Serosa (não infecciosa), cera no ouvido, tímpano perfurado ou otoesclerose.
Deficiência Auditiva unilateral X bilateral
A perda auditiva pode ser categorizada como unilateral ou bilateral – ou seja, em um ouvido ou em ambos. Além disso, os níveis de audição podem ser diferentes ou semelhantes entre as orelhas – conhecido como audição assimétrica ou simétrica.
Surdez unilateral
Comparado com a audição normal, a perda auditiva unilateral tem duas grandes consequências:
- O estímulo sonoro é reduzido, o que ela escutará mais baixo. Isso é ainda mais significativo quando o som está vido do mesmo lado do ouvido afetado. Por esse motivo, pessoas com deficiência auditiva unilateral preferem se sentar com a pessoa com quem está conversando no lado do seu ouvido bom.
- A dificuldade para identificar a fonte de um som pode ser mais difícil. Ela escuta, mas não sabe de onde o som está vindo.
Essas dificuldades levam a uma maior fadiga mental. Como a pessoa precisa fazer mais esforço para entender uma conversa, ela se cansa mais rapidamente.
Isso pode levar a agitação, irritabilidade, perda no rendimento escolar ou no trabalho e perda no interesse nas conversas.
Deficiência Auditiva bilateral
A perda auditiva bilateral significa que a pessoa tem uma capacidade reduzida de ouvir em ambos os ouvidos. Esta deficiência pode variar em gravidade e pode ser simétrica ou assimétrica.
A maioria das pessoas tem uma perda auditiva que é assimétrica, o que significa que um ouvido escuta melhor do que o outro.
Diagnóstico da Deficiência Auditiva ou Surdez
Aproximadamente cinco em cada 1000 bebês nasce com algum grau de perda auditiva e uma a cada mil apresenta perda auditiva profunda ao nascimento (2).
O problema pode ser diagnosticado após o nascimento em bebês que tiveram resultado negativo no teste das otoemissões acústicas (teste da orelhinha).
Crianças com perda auditiva pós-natal “passam” no teste da orelinha. Nesses casos, a investigação geralmente se inicia com a percepção de um atraso no desenvolvimento, o que pode levar algum tempo.
Crianças com perda progressiva podem demorar ainda mais tempo, uma vez que conseguem ir se adaptando a essa perda. Com isso, seus pais demoram a perceber que há algo de errado.
Alguns sinais que indicam mais precocemente a perda auditiva incluem:
- Irritação frequente;
- sinais de desatenção e falta de concentração no ambiente escolar;
- Atraso no desenvolvimento escolar.
Nenhum desses sinais obviamente são exclusivos da perda auditiva. Na suspeita diagnóstica, outros exames devem ser considerados, como a audiometria ou o BERA.
Teste da Orelhinha
O teste da orelhinha, também conhecido como triagem auditiva neonatal (TAN), é um exame que detecta problemas de audição em recém-nascidos.
Para fazer o teste, um pequeno fone é colocado na orelhinha do bebê. O fone emite um som suave que estimula a parte mais interna do ouvido, chamada de cóclea. Em resposta, espera-se que a cóclea emita um som, não audível, mas que é captado pelo fone. Se não houver a captação desse som pelo fone, considera-se que a criança não passou no teste.
Crianças que tiveram resultados satisfatórios são liberados. Já um resultado negativo no exame não comprova uma deficiência auditiva, mas indica a necessidade de um melhor acompanhamento e avaliação. O teste pode dar um resultado errado por vários motivos, como a presença de cerume ou líquido na orelha média.
Audiometria
Durante o teste de audiometria, o paciente usa fones de ouvido, com os sons sendo direcionados para um ouvido de cada vez. Uma gama de sons é apresentada ao paciente em vários tons. O paciente tem que sinalizar cada vez que um som é ouvido.
Cada som ou palavra é apresentado em vários volumes, para que que seja determinado qual o menor volume que o paciente é capaz de escutar.
Como é um exame que depende da colaboração do paciente, crianças muito novas não estão prontas para realizá-lo. Em média, considera-se a idade de 7 anos para realizar uma audiometria convencional, sendo que algumas crianças pode ter o desenvolvimento necessário para realizá-lo antes disso e outras só conseguem colaborar com o exame em uma idade mais velha.
Uma opção nas crianças mais novas é a realização de uma audiometria comportamental, no qual se avaliar reações comportamentais da criança aos sons. No entanto, esse é um exame mais complexo e que depende de profissionais especializados, estando disponível apenas em alguns centros de referência.
BERA
Quando possível, o exame de escolha para a avaliação da Deficiência Auditiva é a Audiometria. No entanto, o exame não é viável de ser feito em crianças muito pequenas, já que ele depende da colaboração do paciente. Pessoas mais velhas e não colaborativas podem também não serem capazes de realizar a Audiometria.
O BERA é indicado justamente nesses casos, já que ele não depende da colaboração da criança. O nome vem das iniciais em inglês para “Brainstem Evoked Response Audiometry”.
O exame dura entre 30 e 40 minutos. Eletrodos são colocados atrás da orelha e na testa. A seguir, um fone de ouvido é colocado na criança. Esse fone emite sons que ativam o tronco encefálico e os nervos auditivos, gerando picos de eletricidade que são captados pelos eletrodos.
O BERA é muito sensível ao movimento. Quando o paciente não é capaz de permanecer sem se mover durante o exame, é possível que ele seja feito com o uso de sedação.
Avaliação do paciente com Deficiência Auditiva ou Surdez
Exames como o Teste da Orelhinha, audiometria ou BERA são usados para identificar a deficiência. Uma vez que a perda auditiva tenha sido caracterizada, outras avaliações são necessárias na busca pela causa do problema. Algumas dessas causas podem ser tratáveis, outras não.
Otoscopia
A avaliação do paciente com deficiência auditiva ou surdez se inicia com a inspeção do ouvido por meio de um instrumento chamado otoscópio.
Neste momento, poderão ser detectadas as seguintes condições, entre outras:
- Obstrução do conduto auditivo por um objeto estranho (insetos, por exemplo);
- Acúmulo de cera
- Infecção no canal auditivo (otite externa);
- Infecção no ouvido médio de repetição (otite média);
- Otite Serosa (não infecciosa)
- Colesteatoma (crescimento de pele atrás do tímpano, no ouvido médio);
- Perfuração do tímpano.
Teste do diapasão (Teste de Rinner)
O diapasão é um instrumento metálico com duas pontas, que produz um som quando tocado.
O teste é usado para diferenciar uma deficiência auditiva de condução de uma deficiência auditiva neurosensorial.
Incialmente, o diapasão é vibrado e colocado atrás da orelha, contra o osso mastóide. O paciente é solicitado a indicar quando não ouve mais nenhum som.
Imediatamente depois, o diapasão é então colocado de 1 a 2 centímetros do canal auditivo. O paciente é questionado novamente se consegue ouvir o garfo.
Normalmente, a condução aérea é duas vezes maior do que a condução óssea. Assim, podemos classificar a resposta ao teste de duas maneiras:
- Positivo (normal): quando a condução aérea é maior do que a condução óssea. É indicativo de que a condução do som é normal e que a perda auditiva tem origem neurosensorial.
- Negativo (anormal): quando a condução aérea é menor do que a condução óssea. É indicativo de que a perda auditiva tem origem condutiva.
Tratamento
O tratamento da deficiência auditiva depende da causa, da gravidade da perda auditiva e do tempo que a pessoa passou sem escutar direito.
Tratamento da causa
O primeiro passo é identificar e tratar a causa da perda auditiva.
Condições como cera no ouvido, perfuração da membrana timpânica ou a otite média serosa podem ser tratadas, de forma que a criança volta a escutar normalmente.
Recuperando a audição
Quando a causa não pode ser tratada, a audição pode na maior parte das vezes ser recuperada por meio de aparelhos auditivos amplificadores ou implantes cocleares.
Aparelhos amplificadores funcionam como microfones, fazendo com que os sons sejam percebidos em um volume mais alto. Eles são indicados na maior parte dos casos de deficiência condutiva leve a moderada.
Os implantes cocleares São indicadas nas deficiências profundas e especialmente naquelas causadas por problemas na cóclea.
Eles transformam o som em impulsos elétricos e transmitem esses impulsos diretamente para o nervo coclear.
Seja por meio dos aparelhos amplificadores ou por meio de implantes cocleares, fato é que a maior parte dos deficientes auditivos são capazes de recuperar a capacidade de escutar.
Reabilitação Auditiva
Aparelhos auditivos ou implantes cocleares são capazes de recuperar a capacidade de um estímulo sonoro que chega ao ouvido ser percebido pelo cérebro. A capacidade de compreender o significado daquele som, no entanto, envolve um caminho muito mais longo, por meio da reabilitação auditiva.
A capacidade de uma pessoa recuperar a audição de maneira funcional e como meio de comunicação depende especialmente do tempo e do momento que ela passou sem escutar.
Bebês que tiveram diagnóstico e tratamento precoce geralmente conseguem recuperar o tempo perdido e se desenvolvem normalmente, desde que adequadamente estimulados.
Crianças com perda auditiva pós-lingual geralmente têm um repertório prévio adequando que será fundamental para o adequado desenvolvimento da linguagem.
O problema maior está justamente no caso de crianças que ficaram muito tempo sem escutar em uma idade precoce. Por mais que consigam recuperar a capacidade de ouvir, elas terão uma dificuldade muito maior de compreender os sons e usá-los como forma de linguagem e de comunicação.
Em muitos desses casos, a linguagem de sinais poderá ser uma alternativa mais realista.
Linguagem de sinais
Crianças que não conseguem ter uma escuta funcional dependerão da linguagem de sinais para se comunicar. Quando uma criança fica muito tempo sem escutar, os pais devem ser alertados de que, caso consigam ter uma escuta e uma fala funcional, isso levará bastante tempo. Assim, devem ser orientados a buscarem ajuda para aprender a linguagem de sinais. Essa habilidade deve se estender não apenas à criança, mas também a seus pais.
Muitas crianças, por mais que tenham recebido tratamento inicial precoce, podem não desenvolver uma boa capacidade auditiva caso não tenham boa aderência aos programas de reabilitação auditiva. Nesses casos, a linguagem de sinais também será uma alternativa.