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Menstruação a Anticoncepção para a Atleta

Efeitos da menstruação sobre a prática esportiva

O ciclo menstrual tem influência direta no corpo, na disposição e no desempenho da mulher atleta. Nada é mais irritante e estressante do que lidar com um período pesado ou doloroso quando se busca competir em alto nível.

Em um estudo recente, mais da metade das atletas de diferentes modalidades e diferentes níveis de competição relataram que as flutuações hormonais durante o ciclo menstrual afetaram negativamente o treinamento físico e a o desempenho esportivo (1).

Algumas ficam quase completamente incapacitadas com a menstruação, devido a cólicas menstruais intensas, sangramento intenso ou ambos. Algumas podem se sentir mais lentas, inchadas, constipadas e sentem que se cansam mais facilmente.

Por outro lado, estudos demonstram que medalhas de ouro olímpicas foram conquistadas por mulheres durante todas as fases do ciclo menstrual, o que mostra que nem todas as atletas são “abaladas” da mesma forma e que a abordagem precisa ser individualizada.

Ciclo Menstrual

Ciclo menstrual é o termo usado para descrever a sequência de eventos que ocorrem dentro do corpo de uma mulher à medida que ele se prepara para a possibilidade de gravidez. 

Ele se inicia no primeiro dia em que a mulher apresenta sangramento e tem duração média de 28 dias, mas é considerado normal quando tiver duração entre 21 dias a até cerca de 35 dias.

O ciclo menstrual é dividido em quatro fases:

  • Menstruação: período em que ocorre a perda de sangue pela vagina. A maioria das mulheres sangra por três a cinco dias, mas um período entre dois e sete dias ainda é considerado normal.
  • Fase folicular: estende-se aproximadamente entre os dias 6 e 14 do ciclo.  Os folículos nos ovários crescem e, durante os dias 10 a 14, um deles se sobressai para formar um óvulo totalmente maduro. Ao mesmo tempo, o revestimento do útero (chamado endométrio) cresce, preparando-se para a eventualidade de receber um óvulo fecundado; 
  • Ovulação: ocorre aproximadamente no dia 14, no caso de um ciclo menstrual de 28 dias. É quando a mulher está fértil e tem maiores chances de engravidar;
  • Fase lútea: é o período que antecede a nova menstruação, geralmente entre o dia 15 e o dia 28 do ciclo. O nível do hormônio progesterona aumenta, de forma a preparar o revestimento uterino para a gravidez. Se o óvulo for fertilizado por um espermatozóide e se fixar à parede uterina, a mulher engravida. Se a gravidez não ocorrer em até 12 a 24 horas após a ovulação, os níveis de estrogênio e progesterona caem e o revestimento espesso do útero é eliminado, momento este em que o ciclo se encerra e um novo ciclo se inicia.

Atividade física nas diferentes fases do ciclo menstrual

Fase folicular

Durante a fase folicular do ciclo, a mulher tem a tendência de se sentir com mais energia. É quando a atleta está melhor preparada para realizar exercícios de alta intensidade e o treinamento de força.

No final desta fase, o aumento nos níveis de estrogênio pode dificultar o armazenamento de carboidratos após o exercício. Assim, poderá ser recomendado que se tenha mais atenção em prover a quantidade necessária do carboidrato no dia anterior e durante o exercício.

Ovulação

Para muitas atletas, este é o melhor momento para alcançar o melhor resultado em termos de força. Por outro lado, alguns estudos indicam maior risco para lesões ligamentares e especialmente para a Lesão do Ligamento Cruzado Anterior do joelho (1).

Fase lútea

A maior parte das atletas referem que o corpo não está na melhor condição para o treinamento de alta intensidade nesta fase.

A Tensão Pré-Menstrual (TPM) pode interferir no treinamento e no desempenho, mais comumente nos 7 a 10 dias que antecedem a menstruação. O peso corporal pode ser maior devido à retenção de líquidos.

O aumento da frequência respiratória e da temperatura corporal pode dificultar algumas atividades, especialmente a corrida praticada no calor.

Problemas menstruais no atleta

A atleta, assim como qualquer outra mulher, pode apresentar problemas relacionados ao aparelho reprodutor ou à produção hormonal, que podem afetar o seu ciclo menstrual normal. Estes problemas podem ou não estar relacionados à prática esportiva. 

Ao longo da sua vida reprodutiva, é esperado que a mulher mantenha um mesmo padrão em relação à menstruação. Qualquer mudança de padrão deve chamar a atenção, uma vez que elas podem indicar um problema maior que precisa ser investigado.

As mudanças podem estar relacionadas à frequência ou ao volume de perda sanguínea e também aos sintomas experimentados pela mulher ao longo do ciclo. Elas podem ou não estarem relacionadas à prática de exercícios. Discutimos mais a respeito disso no artigo sobre Menstruação e Problemas Menstruais.

Especificamente no caso da atleta, é preciso ficar alerta em relação à Ausência de menstruação relacionada ao exercício. A falta de menstruação pode estar relacionada a um problema bem maior denominado de Tríade da mulher atleta, que inclui também a deficiência energética e a redução da Densidade Mineral Óssea. 

Mais recentemente, a Tríade da Mulher Atleta tem sido substituída pelo termo Deficiência Energética Relativa no Esporte (RED-S), para incluir outros problemas que também estão associados à deficiência energética além da osteoporose e da amenorreia, bem como um quadro semelhante que pode acometer os atletas homens.

Opções de tratamento

Diferentes formas de tratamento para os problemas relacionados ao ciclo menstrual da atleta estão disponíveis, a depender das queixas e das preferencias individuais de cada atleta. Vale considerar mais uma vez que a relação de cada mulher com seus períodos é muito individual e, enquanto algumas se sentem completamente incapacitadas, outras são capazes de conquistar medalhas olímpicas nas mais diferentes fases do ciclo.

Medidas como calor local, uso de medicações analgésicas e anti-inflamatórias e ajustes na alimentação podem trazer bons resultados. Se isso for suficiente para permitir que a mulher compita na sua mais alta performance independentemente da fase do ciclo menstrual, nenhuma outra intervenção se fará necessária.

O tratamento hormonal, especialmente com o uso de pílulas anticoncepcionais, é uma tática adotada por muitas atletas. Além da prevenção da gravidez, isso permite a elas “controlar” o ciclo, escolhendo o momento para menstruar ou mesmo optando-se por não menstruar.
Em um estudo feito no Reino Unido com 430 atletas de elite (1), foram observados alguns dados importantes:

  • 49,5% referiram usar algum método de contraceptivo hormonal, dos quais 68,1% usavam uma combinação de estrógeno e progesterona e 30% usavam anticoncepcionais só de progestógeno (implante = 13,1%, injeção = 3,7% e DIU 2,8%). 
  • Os efeitos colaterais negativos foram mais comuns com o uso isolado de Progestógeno.
  • Entre as não usuárias de contraceptivos hormonais, 77,4% relataram efeitos colaterais negativos durante seu ciclo menstrual, principalmente durante os dois primeiros dias de menstruação.
  • 74% das atletas que fazem uso de pílulas anticoncepcionais relataram ter manipulado deliberadamente a menstruação pelo menos uma vez durante o ano anterior, com 29% relatando ter feito isso pelo menos 4 vezes no ano.

Vale aqui a consideração de que o ciclo clássico das pílulas anticoncepcionais com 21 dias de uso seguidos de 7 dias sem uso foi concebido com a intenção de mimetizar o ciclo normal das mulheres, mas poderia ser feito de qualquer outra forma. Para manipular o uso de anticoncepcionais para não menstruarem ou ao menos para atrasar a menstruação basta emendar uma cartela na outra, o que pode ser feito de forma segura e sem riscos adicionais.

Métodos anti-concepcionais para a mulher atleta

Todos os Métodos anticoncepcionais indicados para a população em geral também podem eventualmente ser utilizados pela mulher atleta, cada um com suas vantagens e desvantagens.

Infelizmente, existem no meio esportivo um tabu muito grande em relação à discussão sobre Menstruação e problemas menstruais e também sobre a anticoncepção. Mais do que isso, muitas vezes a abordagem é feita por profissionais não especialistas que vêm a menstruação sempre como um problema. Assim, enxergam no bloqueio dos ciclos menstruais como a única alternativa para uma mulher que queira competir no mais alto nível, independentemente do seu estágio menstrual. 

Ainda que o bloqueio ou o controle do ciclo por meio de métodos anticoncepcionais hormonais seja uma alternativa plausível, especialmente entre aquelas que sofrem mais com os seus períodos, ele está longe de ser a única alternativa ou mesmo a melhor alternativa. Discutimos mais sobre isso nos artigos sobre Métodos anticoncepcionais e Menstruação e problemas menstruais.

A escolha do método anticoncepcional pela atleta deve envolver a relação de uma delas com seus períodos menstruais, a idade, a eventual intensão futura de engravidar, seus hábitos sexuais, a necessidade de prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, eventuais contraindicações para determinados métodos, facilidade de uso, capacidade de aderência ao tratamento, fatores religiosos e as características de sua prática esportiva. O Ginecologista esportivo deve ajudá-la a se guiar nesta escolha.

Anticoncepcionais hormonais e doping

Nenhum anti-concepcional disponível no mercado nacional é proibido pelo código mundial anti-doping. Ainda assim, não é recomendado o uso de pílulas a base de noretindrona, como Mesigyna, Micronor e Primolut-nor.

A noretindrona não é uma substância proibida, mas se converte em 19-norandrosterona, um metabólito produzido também pela nandrolona, esta sim uma substância proibida. A metabolização da noretindrona pode produzir níveis urinários de 19-NA acima do limite permitido de 2ng / mL.

Além disso, os implantes de gestrinona, popularmente conhecidos como “chip da beleza”, também estão na lista de substâmncias proibidas pela agência Mundial Antidoping (WADA).