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Menstruação a Anticoncepção para a Atleta

Efeitos da menstruação sobre a prática esportiva

O ciclo menstrual exerce influência direta sobre o corpo, o bem-estar e o desempenho esportivo da mulher atleta. Para muitas delas, lidar com um período intenso ou doloroso durante uma competição ou fase de treinos pode ser altamente estressante e debilitante.

Um estudo recente revelou que mais da metade das atletas, de diferentes modalidades e níveis de competição, relataram efeitos negativos das flutuações hormonais sobre o desempenho físico e os treinos (1).

Entre os principais sintomas que afetam o rendimento estão:

Em casos mais severos, algumas atletas podem ficar praticamente incapacitadas durante o período menstrual.

Apesar dessas dificuldades, medalhas olímpicas foram conquistadas por mulheres em todas as fases do ciclo menstrual, o que mostra que nem todas são afetadas da mesma maneira. Isso reforça a importância de uma abordagem individualizada.

Problemas menstruais no atleta

Assim como qualquer outra mulher, a atleta pode apresentar problemas hormonais ou ginecológicos que interferem no funcionamento do ciclo menstrual. Essas alterações podem estar ou não relacionadas à prática esportiva.

Durante a vida reprodutiva, espera-se que a mulher mantenha um padrão menstrual relativamente estável. Mudanças nesse padrão devem ser sempre observadas com atenção, pois podem indicar condições clínicas subjacentes que requerem investigação.

As alterações podem afetar:

  • A frequência da menstruação (intervalos maiores ou menores entre os ciclos);
  • O volume do sangramento (fluxo mais intenso ou mais escasso);
  • A duração do ciclo;
  • Sintomas como dor, fadiga, irritabilidade, entre outros.

Sangramento Uterino Anormal (Sangramento excessivo)

O sangramento uterino anormal (SUA) é caracterizado por sangramento menstrual excessivo e/ou prolongado. Ele afeta cerca de 40% das mulheres em idade fértil, sendo mais comum nos extremos da vida reprodutiva, ou seja, no início e no fim do período fértil (1).

Embora a atividade física intensa não seja causa direta de SUA, mulheres atletas não estão imunes ao problema. Assim como em qualquer outra mulher, o sangramento anormal pode ocorrer por diferentes causas e com variados graus de impacto.

Por outro lado, há uma preocupação extra, por conta do impacto que ele pode ter na prática e no desempenho esportivo.

Nas atletas, o sangramento uterino anormal pode:

  • Causar cólicas menstruais mais intensas e duradouras;
  • Gerar desconforto durante treinos e competições;
  • Reduzir a performance física, principalmente quando associado à deficiência de ferro ou anemia;
  • Aumentar o risco de fadiga precoce.

As causas do sangramento uterino anormal são variadas e não diferem entre atletas e não atletas. Elas incluem distúrbios hormonais, miomas, adenomiose, alterações na coagulação, entre outros.

Cada causa exige uma abordagem específica, e o tratamento individualizado é fundamental para o bem-estar da mulher e a manutenção da sua performance esportiva.

Amenorreia na Atleta (ausência de Menstruação)

Especificamente no caso da atleta, é preciso ficar alerta em relação à Ausência de menstruação relacionada ao exercício, já que ela pode ser a “ponta do Iceberg” de um problema bem maior, que é a Deficiência Energética Relativa no Esporte (REDS).

Por outro lado, também é preciso cuidado para não associar qualquer quadro de amenorreia na atleta ao REDS. Outra causa bastante comum  é a Sindrome dos Ovários Policísticos. Além disso, qualquer uma das possíveis causas de amenorreia na população em geral pode também acometer as mulhere atletas.

Síndrome dos Ovários Policísticos

Síndrome dos Ovários Policísticos é um distúrbio comum na população em geral e também entre esportistas de elite, sendo a causa mais frequente de problemas menstruais na atleta (1). O aumento nos níveis de testosterona, que acontece naturalmente e nada tem haver com o uso de esteroides anabolizantes, é considerado uma vantagem esportiva para estas atletas, o que justifica uma “seleção natural” para o esporte competitivo.

O diagnóstico da Síndrome dos Ovários Policísticos é feito na presença de dois dos três critérios abaixo:

  1. Menstruação infrequente ou amenorreia
  2. Hiperandrogenismo: Presença de sinais como Crescimento de pelos em locais mais comuns nos homens (face, seios e costa),  Alopecia (queda de cabelo);, Excesso de acne;, tendência para o ganho de peso.
  3. Achados ultrassonográfico – é um critério, mas não é imprescindível!!

Deficiência Energética Relativa no Esporte (REDS)

A Deficiência Energética Relativa no Esporte, conhecida pela sigla REDS (Relative Energy Deficiency in Sport), é uma síndrome causada por um desequilíbrio crônico entre o gasto energético diário — incluindo treinos — e a ingestão calórica insuficiente.

O termo REDS passou a ser usado em substituição à “Tríade da Mulher Atleta, uma condição anteriormente descrita e que incluía:

  • Deficiência energética
  • Amenorreia (ausência de menstruação)
  • Osteoporose

O termo RED-S passou a ser usado para abarcar um espectro mais amplo de efeitos sobre a saúde e o desempenho — incluindo homens, que também podem ser acometidos, embora com menor frequência.

Quem Está Mais em Risco?

A RED-S é mais comum entre atletas de esportes que:

  • Valorizam estética e baixo peso corporal, como ginástica, ballet, nado sincronizado e salto ornamental;
  • Usam categorias de peso, como esportes de luta e remo;
  • Exigem ultra resistência, como maratona, triathlon (especialmente Ironman) e ciclismo de longa distância;

Além disso, atletas que se submetem a dietas mais restritivas mal orientadas, especialmente vegetarianos ou veganos, também estão em risco aumentado para a REDS.

Sintomas da RED-S

Além da amenorreia em mulheres, a deficiência energética pode causar:

  • ✅ Fadiga constante
  • ✅ Perda de peso involuntária
  • ✅ Diminuição da libido
  • ✅ Irritabilidade e alterações de humor
  • ✅ Dificuldade de concentração
  • ✅ Problemas com o sono
  • ✅ Perda de densidade óssea (osteopenia/osteoporose)
  • ✅ Maior risco de infecções

Esses sintomas comprometem não apenas a saúde geral, mas também a performance esportiva e o tempo de recuperação após treinos e lesões.

Manipulação do Ciclo Menstrual

Diferentes formas de tratamento para os problemas relacionados ao ciclo menstrual da atleta estão disponíveis, a depender das queixas e das preferencias individuais de cada atleta. Vale considerar mais uma vez que a relação de cada mulher com seus períodos é muito individual e, enquanto algumas se sentem completamente incapacitadas, outras são capazes de conquistar medalhas olímpicas nas mais diferentes fases do ciclo.

Medidas como calor local, uso de medicações analgésicas e anti-inflamatórias e ajustes na alimentação podem trazer bons resultados. Se isso for suficiente para permitir que a mulher compita na sua mais alta performance independentemente da fase do ciclo menstrual, nenhuma outra intervenção se fará necessária.

O tratamento hormonal, especialmente com o uso de pílulas anticoncepcionais, é uma tática adotada por muitas atletas. Além da prevenção da gravidez, isso permite a elas “controlar” o ciclo, escolhendo o momento para menstruar ou mesmo optando-se por não menstruar.
Em um estudo feito no Reino Unido com 430 atletas de elite (1), foram observados alguns dados importantes:

  • 49,5% referiram usar algum método de contraceptivo hormonal, dos quais 68,1% usavam uma combinação de estrógeno e progesterona e 30% usavam anticoncepcionais só de progestógeno (implante = 13,1%, injeção = 3,7% e DIU 2,8%). 
  • Os efeitos colaterais negativos foram mais comuns com o uso isolado de Progestógeno.
  • Entre as não usuárias de contraceptivos hormonais, 77,4% relataram efeitos colaterais negativos durante seu ciclo menstrual, principalmente durante os dois primeiros dias de menstruação.
  • 74% das atletas que fazem uso de pílulas anticoncepcionais relataram ter manipulado deliberadamente a menstruação pelo menos uma vez durante o ano anterior, com 29% relatando ter feito isso pelo menos 4 vezes no ano.

Vale aqui a consideração de que o ciclo clássico das pílulas anticoncepcionais com 21 dias de uso seguidos de 7 dias sem uso foi concebido com a intenção de mimetizar o ciclo normal das mulheres, mas poderia ser feito de qualquer outra forma. Para manipular o uso de anticoncepcionais para não menstruarem ou ao menos para atrasar a menstruação basta emendar uma cartela na outra, o que pode ser feito de forma segura e sem riscos adicionais.

Métodos anti-concepcionais para a mulher atleta

Todos os métodos anticoncepcionais indicados para a população em geral também podem ser utilizados por atletas, desde que observadas as particularidades de cada caso. Cada método possui vantagens e desvantagens, e a escolha deve ser feita de forma personalizada.

Infelizmente, ainda existe um grande tabu no meio esportivo sobre menstruação, seus impactos e o uso de métodos anticoncepcionais. Muitas vezes, profissionais não especialistas acabam conduzindo essas conversas, tratando o ciclo menstrual como um problema a ser eliminado.

Esse tipo de abordagem, que enxerga o bloqueio da menstruação como única solução para alto desempenho, não é ideal. Embora o uso de hormônios para suprimir ou controlar o ciclo seja uma estratégia válida, especialmente para mulheres que sofrem com sintomas intensos, não é a única nem necessariamente a melhor alternativa.

Fatores a Considerar na Escolha do Método Anticoncepcional para Atletas

A escolha do anticoncepcional ideal deve ser individualizada e envolver uma série de fatores:

  • Como a atleta se sente em relação aos próprios ciclos menstruais
  • Planos reprodutivos futuros
  • Prevenção de ISTs (doenças sexualmente transmissíveis)
  • Contraindicações médicas individuais
  • Facilidade de uso e adesão ao método
  • Fatores culturais e religiosos
  • Características do esporte praticado e sua exigência física

O papel do ginecologista do esporte é fundamental nesse processo, orientando a atleta com base em ciência, segurança e individualidade.

Anticoncepcionais hormonais e doping

Nenhum anti-concepcional disponível no mercado nacional é proibido pelo código mundial anti-doping. Ainda assim, não é recomendado o uso de pílulas a base de noretindrona, como Mesigyna, Micronor e Primolut-nor.

A noretindrona não é uma substância proibida, mas se converte em 19-norandrosterona, um metabólito produzido também pela nandrolona, esta sim uma substância proibida. A metabolização da noretindrona pode produzir níveis urinários de 19-NA acima do limite permitido de 2ng / mL.

Além disso, os implantes de gestrinona, popularmente conhecidos como “chip da beleza”, também estão na lista de substâmncias proibidas pela agência Mundial Antidoping (WADA).