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Lesão Medular

O que é a Medular?

A medula espinhal é a parte do sistema nervoso central localizada no interior do canal vertebral.

As vértebras, ossos que formam o canal vertebral, conferem uma proteção para a medula espinhal.

A medula é formada por neurônios e seus axônios, transmitindo informações do cérebro para o corpo e do corpo para o cérebro.

Ela pode ser comparada a um cabo elétrico, que liga o interruptor (cérebro) a uma lâmpada (o músculo).

Quais as consequências da lesão medular?

Quando uma pessoa sofre uma lesão medular, a parte do corpo inervada pelos nervos lesionados deixa de receber e enviar informações do e para o cérebro.

Ao perder a sensibilidade, a pessoa deixa de se proteger contra lesões. A pessoa pode ter uma ferida no pé, por exemplo, e continua pisando sobre a área da lesão, muitas vezes sem nem mesmo se dar conta de que o pé está machucado.

A lesão dos nervos motores, por outro lado, faz com que os músculos fiquem paralisados, sem que a pessoa consiga movê-los.

Além dos problemas de sensibilidade e motricidade, é preciso considerar que diversas outras funções do corpo também são controladas pela musculatura, como a eliminação de fezes e urina, funções estas que também são comprometidas pela lesão medular.

Os pacientes com lesão medular devem ser divididos em dois grupos de pacientes, conforme o nível da lesão:

  • Tetraplegia: comprometimento dos quatro membros e do tronco, em decorrência de uma lesão nos níveis cervicais ou da primeira vértebra torácica.
  • Paraplegia: acometimento das pernas, mas com tronco e membros superiores preservados.

Classificação da lesão medular

As lesões medulares são classificadas de acordo com a escala de classificação da American Spinal Injury Association (ASIA):

  • ASIA A: lesão medular completa sem função sensorial ou motora preservada.
  • ASIA B: lesão sensitiva incompleta, mas com perda completa da função motora.
  • ASIA C: Lesão Incompleta, em que mais da metade dos músculos-chave abaixo do nível neurológico não são capazes de vencer a gravidade.
  • ASIA D: Lesão Incompleta, com mais da metade dos músculos-chave abaixo do nível neurológico capazes de vencer a gravidade.
  • ASIA E: Lesão Incompleta, com funções Motora e sensitiva normais.

Qual o prognóstico da lesão medular?

Na maior parte das vezes, por mais que o paciente apresente uma lesão medular completa, não há uma secção completa da medula.

Assim, em um primeiro momento, pode ser difícil diferenciar o deficit neurológico decorrente da lesão neuronal de uma concussão medular.

A concussão se refere a uma disfunção transitória dos neurônios. Os sinais e sintomas são semelhantes aos da lesão medular, mas que se resolvem em até 48 horas.

Depois de 48 horas, o deficit neurológico persistente poderá ser considerado como definitivo.

Atendimento pré-hospitalar

Qualquer paciente envolvido em um trauma de alta energia deve ser tratado inicialmente como uma potencial vítima de traumatismo raquimedular.

Toda manipulação deve ser feita por profissionais experientes. Assim, é importante que não se tente mover o paciente até a chegada de profissionais especializados.

O primeiro cuidado com estes pacientes envolve a imobilização cuidadosa de toda a coluna, ainda no local do acidente. Isso envolve o uso de prancha rígida e colar cervical.

Atendimento hospitalar inicial

Chegando ao hospital, o paciente deve ser mantido com o colar cervical rígido até que a possibilidade de trauma medular tenha sido descartada.

A prancha rígida, por outro lado, serve única e exclusivamente para transporte do paciente. Chegando ao hospital, a prancha deve ser removida e o paciente deve ser movimentado em bloco na maca, devido ao risco de formação de escaras.

No paciente consciente, a equipe de médica deve testar a força e a sensibilidade dos braços e pernas no momento da admissão hospitalar.

No paciente inconsciente, é feito a avaliação dos reflexos, que podem indicar uma lesão medular em curso.

Exames como tomografia computadorizada da coluna são geralmente realizadas para isso, especialmente no paciente com déficit neurológico, que esteja com dor na coluna cervical ou lombar ou quando o paciente está inconciente.

A ressonância Magnética também pode ser utilizada para visualizar a própria medula espinhal, além de poder avaliar melhor uma eventual hérnia de disco ou outras estruturas que possam estar comprimindo a medula espinhal.

Esta preocupação tem por objetivo evitar um trauma adicional à medula, no caso de uma fratura ou instabilidade na coluna.

Se o paciente precisar passar por uma cirurgia de emergência devido a outros traumas associados, a imobilização e o alinhamento da coluna devem ser mantidos durante a operação.

Tratamento cirúrgico

O tratamento do paciente com lesão medular deve ser cirúrgico na maior parte das vezes.

Quando os exames mostram que a medula possa estar sendo comprimida por uma hérnia de disco, por um coágulo ou por um fragmento de fratura de uma vértebra, o procedimento deve ser feito de imediato.

Isso é válido especialmente no caso de um deficit neurológico incompleto ou naqueles com deterioração neurológica progressiva.

Mesmo que a cirurgia não consiga reverter os danos à medula espinhal, ela pode ser importante para estabilizar a coluna e evitar dores ou deformidades no futuro.

Choque medular

O choque medular é definido como um estado transitório de ausência completa dos reflexos da medula espinhal, da sensibilidade e dos movimentos.

Ele pode estar presente após um traumatismo raquimedular, independentemente se o paciente teve ou não uma lesão medular completa e permanente.

O retorno do reflexo bulbo cavernoso, identificado através do toque retal, indica o término do choque medular. Na maior parte das vezes, isso acontece em até dois dias.

Neste momento, o déficit neurológico presente passa a ser considerado definitivo.

Infelizmente, é improvável que os pacientes com sinais sugestivos de uma lesão medular completa recuperem a função abaixo do nível da lesão.

No caso de lesão incompleta, por outro lado, a probabilidade de que se tenha alguma recuperação é maior.

Nível medular

A deficiência do paciente depende principalmente do nível medular da lesão.

Entre cada duas vértebras consecutivas, uma raiz nervosa parte da medula para inervar um conjunto específico de músculos e para trazer a sensibilidade de uma região específica do corpo.

No trauma raquimedular, as raízes que estão acima do ponto da lesão ficam preservadas, enquanto aquelas localizadas abaixo da lesão deixam de funcionar.

A localização da lesão é denominada de nível medular.

O nível medular é dividido em dois tipos:

  • Nível sensitivo: seguimento mais baixo da coluna que tem a função sensitiva normal em ambos os lados do corpo.
  • Nível motor: último nível em que a força é suficiente para vencer a gravidade e que tenha o nível acima normal.

Os níveis motor e sensitivos são determinados conforme as tabelas abaixo.

 

NÍVEL MOTOR AÇÃO
C5 Flexão do cotovelo
C6 Extensão do punho
C7 Extensão do cotovelo
C8 Flexão das falanges distais (dobrar a ponta dos dedos da mão)
T1 Abdução do quinto dedo (abrir o quinto dedo da mão para fora)
T2 – L1 Não é possível quanti ficar
L2 Flexão do quadril
L3 Extensão do joelho
L5 Dorsiflexão do pé (apontar os dedos do pé para cima)
L5 Extensão do hálux (dedão)
S1 Flexão plantar (apontar os dedos do pé para baixo)

 

Dermátomo Locais de inervação
C4 Articulação acromioclavicular 
C5 Fossa antecubital lateral (parte da frente / externa do cotovelo)
C6 Polegar 
C7 Dedo médio da mão
C8 Dedo mínimo da mão
T1  Fossa antecubital medial (parte da frente / interna do cotovelo)
T2 Ápice da axila
L1 Parte antero-superior da coxa
L2  Parte anterior média da coxa
L3 Côndilo femoral medial (parte interna do joelho)
L4 Maléolo medial (parte interna do tornozelo)
L5 Dorso da terceira articulação metacarpal
S1 Calcanhar lateral

Complicações da Lesão medular

Entre as principais consequências e complicações da lesão medular, incluem-se:

  • Espasmo muscular;
  • Dor neuropática;
  • Ossificação heterotópica;
  • Escaras (úlceras de pressão);
  • Osteoporose;
  • Complicações vasculares;
  • Bexiga neurogênica;
  • Intestino neurogênico

Espasticidade

A espasticidade se refere ao aumento do tônus muscular e maior resistência ao alongamento passivo da musculatura.

Ela geralmente está associada a movimentos involuntários, chamados de automatismos.

A espasticidade pode dificultar as transferências para cadeiras de roda, cama ou carro, por exemplo. Pode também dificultar a manutenção de uma postura adequada, além de aumentar o risco de desenvolver escaras.

Estímulos nociceptivos abaixo do nível da lesão podem levar a uma resposta com aumento da espasticidade. Entre estes estímulos, incluem-se a distensão vesical, infecção urinária, cálculos urinários, obstipação intestinal, úlceras por pressão ou problemas posturais.

Dor Neuropática

A dor neuropática se refere a uma transmissão anormal da sensação dolorosa que ocorre em decorrência de um problema no nervo.

Uma pessoa com dor neuropática pode, por exemplo, sentir uma dor no joelho sem que tenha qualquer problema no joelho, mas sim no nervo responsável pela inervação do joelho.

A ocorrência de dor neuropática clinicamente impactante é vista em aproximadamente 60% dos pacientes com lesão medular em alguma fase da vida.

Cerca de um terço dos pacientes desenvolve dor crônica de forte intensidade.

Discutimos a respeito da avaliação e tratamento da Dor crônica e da Dor neuropática em artigos específicos.

Ossificação Heterotópica

A Ossificação Heterotópica se refere à formação anormal de osso nos tecidos moles ao redor das articulações.

Ela ocorre sempre abaixo do nível de lesão, mais comumente nos quadris. Entretanto, pode também acometer outras grandes articulações, como joelho, ombro e cotovelo.

A ossificação heterotópica pode limitar ou mesmo bloquear o movimento das articulações.

Além disso, sinais inflamatórios como vermelhidão, aumento da temperatura e dor também podem estar presentes.

O diagnóstico geralmente é feito até 6 meses após a lesão medular e especialmente nos dois primeiros meses.

A única forma eficaz de tratamento da ossificação heterotópica é a sua ressecção por meio de cirurgia, que deve ser realizada somente quando houver maturação do osso neoformado. Essa maturação ocorre após 6 a 9 meses de sua instalação.

A cirurgia é indicada somente para aqueles pacientes que apresentem grandes restrições de movimento decorrentes da ossificação (1).

Escaras (úlceras de pressão)

A perda de mobilidade associada à perda de sensibilidade faz com que áreas sob proeminências ósseas fiquem mais suscetíveis a fenômenos isquêmicos da pele.

O indivíduo permanece muito tempo em uma posição única, com a pele sendo comprimida entre a cadeira ou a cama e a proeminência óssea.

Isso faz com que o fluxo sanguíneo para esta região da pele fique comprometido, podendo provocar isquemia, necrose e, por fim, à formação de úlceras.

Aproximadamente 40% dos pacientes com sequela de lesão medular desenvolvem uma úlcera a cada ano. No entanto, esta incidência varia bastante conforme o nível social e os cuidados recebidos pelo paciente. Ela é mais comum também nos pacientes tetraplégicos, em comparação com os paraplégicos.

Cuidados com a pele e mudanças frequentes de posição são fundamentais para a prevenção de escaras.

O tratamento é feito pela combinação de limpeza do ferimento e curativos regulares com as mudanças frequentes de decúbito.

Além do desconforto social provocado pela úlcera, elas podem evoluir com importantes complicações infecciosas, especialmente quando não tratadas adequadamente.

Osteoporose

A osteoporose se refere à perda de massa óssea que acontece em decorrência da falta de uso das articulações.

Ela pode ser observada já na sexta semana após a lesão medular. A tendência é que a osteoporose progrida nos primeiros um a dois anos após a lesão, estabilizando-se depois disso.

A osteoporose resulta em uma maior fragilidade dos ossos e maior risco de fratura, exigindo-se cuidados para minimizar o risco de trauma, além do tratamento específico.

Complicações vasculares

Diferentes tipos de complicações vasculares podem acometer o paciente com Lesão Medular.

Trombose Venosa Profunda (TVP)
A Trombose Venosa Profunda se refere ao entupimento de uma veia profunda da perna devido à formação de um coágulo sanguíneo.
A falta de movimento e a inervação deficiente dos vasos sanguíneos são fatores que aumentam o risco de TVP após uma lesão medular, com risco elevado especialmente nas primeiras quatro semanas após a lesão.
Cerca de 50% dos pacientes desenvolvem TVP assintomática neste período, 15% apresentam manifestações clínicas e 4% evoluem para embolia pulmonar, uma complicação potencialmente fatal da TVP.
A prevenção da trombose deve ser feita por meio de medicamentos anticoagulantes,
movimentação passiva dos membros inferiores e uso de meias elásticas compressivas.

Hipotensão Postural
Considerando-se que os vasos sanguíneos permanecessem sempre com o mesmo diâmetro, a tendência é que, ao se levantar, a força da gravidade fizesse com que todo o sangue descesse em direção às pernas, aumentando a pressão sanguínea nos membros inferiores e diminuindo nos membros superiores.
Isso não acontece devido a um complexo mecanismo do sistema nervoso autônomo que regula a dilatação ou a contração dos vasos sanguíneos.
Ao se levantar, o corpo produz uma resposta imediata de vasoconstrição nos membros inferiores, fazendo com que a distribuição sanguínea continue equilibrada.
Este mecanismo pode ficar comprometido no paciente com lesão medular, levando a um quadro de Hipotensão postural.
Ao se levantar bruscamente, o paciente apresenta uma queda da pressão arterial que acomete principalmente o cérebro, podendo provocar sintomas como tontura, escurecimento da visão, zumbido ou desmaio.
A prevenção é feita com treinamento progressivo de elevação de decúbito, hidratação adequada, uso de meias elásticas compressivas e faixas elásticas abdominais.

Disrreflexia Autonômica
A disreflexia autonômica se refere a uma crise hipertensiva que acontece em decorrência de uma vasoconstrição importante de todo o leito vascular.
Ela é definida como a elevação para mais de 20 mmHg na pressão arterial sistólica.
A disreflexia autonômica acontece nos pacientes com lesão medular no nível T6 ou acima.
Os sintomas incluem desconforto intenso associado à cefaleia, sudorese, dilatação das pupilas e rubor facial.

Bexiga Neurogênica
A Bexiga neurogênica se refere a uma a condição na qual existe um problema no processo de contração e relaxamento da musculatura da bexiga. O paciente pode também perder a percepção de que a bexiga está cheia.
No caso da bexiga neurogênica, isso ocorre devido a uma disfunção da inervação do órgão. Ela pode ocorrer por diferentes motivos, incluindo a lesão medular.
O centro medular da micção é localizado da S2 a S4. Assim, tanto pacientes tetraplégicos como os paraplégicos vêm a desenvolver a bexiga neurogênica.
A bexiga neurogênica pode levar a complicações como infecção urinária, pedra na bexiga, refluxo vesicoureteral, hidronefrose e em casos extremos, Insuficiência renal.
O tratamento da bexiga neurogênica deve ter por objetivo garantir esvaziamento vesical a baixa pressão, evitar estase urinária e evitar perdas involuntárias.
Na maior parte dos casos, o esvaziamento da bexiga deve ser feito por meio do cateterismo intermitente.
A necessidade de cateterismo vesical intermitente aumenta consideravelmente o risco para infecção urinária, sendo que o paciente deve ser constantemente monitorado para isso.

Intestino neurogênico
A função intestinal depende fortemente do controle do sistema nervoso, de forma que ela também vem a ser comprometida por conta da lesão medular
A motilidade do intestino é regulada pelo Sistema Nervoso Autônomo, recebendo pouca influência do sistema nervoso central.
Assim, após uma fase inicial de íleo neurogênico que pode ocorrer na fase aguda da Lesão Medular, o tubo digestivo retorna a apresentar movimentos peristálticos.
O controle do esfíncter anal, por outro lado, permanece comprometido, com a tendência de o paciente desenvolver obstipação.

Tratamento de longo prazo

O tratamento de longo prazo do paciente com lesão medular depende de fatores como o nível da lesão, grau de comprometimento, tempo decorrido desde a lesão medular, idade, peso, histórico de vida pregressa e de fatores sócio-econômicos.
Os objetivos principais do tratamento devem ser minimizar os sintomas decorrentes da lesão medular, evitar complicações e melhorar a qualidade de vida.
Para isso, o paciente deve contar com o suporte de uma equipe multidisciplinar, geralmente gerida pelo Médico fisiatra. Esta equipe deve incluir o fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, enfermeiro, psicólogo e outros, a depender do caso.

Acompanhamento psicológico

Assim como outras pessoas que passam por grandes perdas, a pessoa com lesão medular passa pelas fases emocionais de choque, negação, aceitação e adaptação.
O psicólogo deve buscar reconhecer e respeitar o momento do paciente, sem forçar mudanças repentinas e artificiais.
O suporte psicológico do paciente com lesão medular tem por objetivo recuperar a autoimagem e autoestima, reforçar as potencialidades residuais e estimular as mudanças necessárias para maximizar a qualidade de vida.

Fisioterapia

A qualidade da fisioterapia é um dos principais determinantes da qualidade de vida após uma lesão medular, especialmente no primeiro ano após a lesão.

Ela deve consistir de técnicas respiratórias, exercícios para manter ou recuperar a mobilidade das articulações afetadas e melhorar a força das musculaturas não afetadas.

Ela pode ajudar também com problemas posturais e de posicionamento do paciente.

Terapia Ocupacional

A terapia ocupacional ter por objetivo realizar treinamentos e prescrição de adaptações que proporcionem maior independência nas atividades práticas da vida diária.
Isso inclui, entre outras coisas:

  • Adaptações em cadeira de rodas ou carrinhos de locomoção;
  • Adaptações no ambiente doméstico e carro;
  • Ortetizações;
  • Adaptações para a melhora na comunicação, especialmente no paciente tetraplégico.