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Exames Laboratoriais na Avaliação de Rotina do Atleta

Especificidades dos exames laboratoriais para atletas

A avaliação por meio de exames laboratoriais é uma parte fundamental da avaliação médica de rotina do atleta. Eles permitem detectar deficiências nutricionais, sobrecarga muscular, disfunções orgânicas (renal, hepática), ou sobrecarga/inflamação, e ajustar treino, nutrição ou recuperação.

Por outro lado, o excesso de exames, sem uma indicação clínica justificada, pode acarretar em ansiedade, estresse e, acima de tudo, em intervenções desnecessárias. Exames que não tenham potencial de alterar a conduta médica devem, portanto, ficar fora da avaliação.

Ao analisar os exames, o conhecimento da fisiologia do exercício é fundamental. Isso porque o treinamento crônico pode alterar parâmetros hematológicos e bioquímicos, de forma que os atletas habitualmente têm valores basais (de repouso) diferentes daqueles que são indicados como intervalo de referência para a população geral. Em muitos casos, as variações de determinados parâmetros em exames seriados é mais importante do que um resultado isolado.

Quais os exames mais importantes para os atletas?

O exame laboratorial para o atleta deve buscar avaliar condições potencialmente tratáveis e que possam ser investigados antes mesmo do aparecimento dos primeiros sinais clínicos.

Alguns desses testes devem ser solicitados como rotina para todos os atletas, com frequência anual ou, em alguns casos, com intervalos menores. Outros exames podem ser indicados para grupos específicos de atletas ou na presença de sinais e sintomas específicos.

Mostramos na tabela abaixo um painel básico de exames que deve idealmente ser solicitado para todos os atletas.

Exame Por que indicar em atletas
Hemograma completo Avalia anemia, contagem de glóbulos (linfócitos, neutrófilos), plaquetas, hematócrito. Muito usado para checar saúde geral, status de ferro, infecções.
Ferro sérico / Ferritina   Ferro é crítico para transporte de oxigênio; deficiência afeta performance. Ferritina e TIBC ajudam a avaliar reservas de ferro.
Transaminases hepáticas (AST, ALT) Importante para avaliar função hepática. Treinamento intenso pode elevar esses valores, e valores fora do esperado podem refletir estresse hepático, uso de substâncias (ex: suplementos, esteroides) ou outras lesões.
Ureia / Creatinina Avaliação da função renal (produção de ureia) e metabolismo muscular (creatinina).
Perfil lipídico (colesterol, triglicerídeos, HDL, LDL) Avaliação do risco cardiovascular a longo prazo, saúde metabólica.
Glicemia de jejum Avaliação do estado glicêmico (resistência à insulina, risco de disfunção metabólica).
Hormônios (opcionais, dependendo do atleta) Por exemplo, hormônios sexuais, tireoidianos ou de estresse (cortisol) podem ser monitorados se houver suspeita clínica de disfunção hormonal, fadiga crônica ou uso de substâncias. Em alguns contextos, podem-se considerar, embora não haja um “painel universal” recomendado para todos.
TSH, T4 livre

 

Avaliação tireoidiana é especialmente relevante para atletas com fadiga, baixa energia ou suspeita de REDS (Relative Energy Deficiency in Sport).

 

Vitamina D (25-OH) Deficiência é comum mesmo em atletas. Baixos níveis correlacionam-se com risco de lesão muscular e queda de performance.

 

Hemograma completo

O hemograma é um exame de sangue usado para avaliar a quantidade e a qualidade dos três principais componentes do sangue: as Hemácias (células vermelhas), os Leucócitos (células brancas) e as Plaquetas. Este é um dos principais exames de rotina para qualquer pessoa, incluindo atletas.

Achados laboratoriais comuns no hemograma de atletas incluem a “pseudoanemia dilucional” e a leucocitose transitória. Essas alterações são, na maioria das vezes, adaptações fisiológicas ao treinamento físico regular e intenso, e não indicam necessariamente uma doença.

A Pseudoanemia Dilucional é uma condição na qual os níveis de hemoglobina (Hb) e hematócrito (Ht) encontram-se ligeiramente abaixo dos valores de referência normais, que acontece por conta de um volume plasmático expandido, mesmo que a massa total de glóbulos vermelhos esteja normal ou até aumentada.

Por outro lado os atletas, especialmente mulheres e corredores de longa distância, têm um risco aumentado de deficiência de ferro. Essa diferenciação pode ser feita por meio de características específicas do hemograma e também por meio da avaliação das reservas de ferro (ferritina).

De forma oposta, atletas podem também apresentar um ligeiro aumento da hemoglobina e do hematócrito, como uma adaptação do organismo frente ao maior gasto de oxigênio e massa muscular. Esses parâmetros podem também estar associados ao uso de substâncias ergogênicas (doping).

A Leucocitose Transitória (redução transitória na contagem de leucócitos) é uma condição comum imediatamente após um exercício físico intenso, principalmente às custas de um aumento nos neutrófilos. Isso é uma resposta normal ao estresse físico e inflamação muscular e geralmente se normaliza em algumas horas. Ela poderá ser identificada no hemograma caso o exame tenha sido coletado logo após um treinamento intenso.

Contagens permanentemente baixas de leucóciotos, no entanto, pode ser sugestivo da Deficiência Energética Relativa no Esporte (REDS) e outros sinais clínicos e laboratoriais devem ser investigados. Nessa situação, o atleta fica mais vulnerável a infecções.

Ferritina

A ferritina é uma proteína produzida pelo fígado, responsável pelo armazenamento do ferro no organismo.

Assim, o exame de ferritina sérica é feito com o objetivo de verificar como estão os estoques de ferro no organismo.

O exame permite identifica uma deficiência de ferro antes que ocorra esta queda na hemoglobina.

Ferritina < 30–35 ng/mL já pode comprometer VO₂max (capacidade de utilização do oxigênio). No entanto, a anamia só costuma estar presente em níveis bem mais baixo, geralmente com a Ferritina abaixo de 12ng/mL.

Atletas vegetarianos

Atletas vegetarianos e veganos devem dosar de rotina o folato e a vitamina B12

Vitamina B12

A vitamina B12, também conhecida como cobalamina, é uma vitamina hidrossolúvel essencial para diversas funções do corpo, incluindo a produção de glóbulos vermelhos, o metabolismo energético e a manutenção do sistema nervoso central.

Toda a vitamina B12 presente na natureza é produzida por microorganismos, incluindo bactérias, fungos e algas.

Plantas e animais não são capazes de produzir a vitamina B12, mas os animais são boas fontes desta vitamina uma vez que se alimentam dos microorganismos produtores.

Nenhum alimento vegetal não fortificado contém qualquer quantidade significativa de vitamina ativa B-12, de forma que este é um dos poucos suplementos que de fato se faz necessária pelo o atleta vegetariano ou vegano.

Além de fazer a suplementação, a dosagem da Vitamina B12 deve ser feita de rotina em todo atleta vegetariano.

Folato

O Folato, ou vitamina B9, é uma vitamina hidrossolúvel que atua em conjunto com a Vitamina B12 para a criação de DNA e RNA, a formação de novos glóbulos vermelhos e o crescimento de tecidos

Embora as dietas vegetarianas sejam geralmente ricas em folato natural (vitamina B9)

Níveis elevados de folato, comuns em vegetarianos, podem “mascarar” uma deficiência subjacente de vitamina B12. A anemia causada pela deficiência de B12 pode não se manifestar, enquanto os danos neurológicos progressivos e irreversíveis da falta de B12 continuam a ocorrer. Por isso, o folato deve ser sempre dosado em conjunto com a Vitamina B12.

 

Avaliação da função renal

A atividade física regular ajuda a controlar a pressão arterial e os níveis de glicose no sangue, as principais causas de doença renal crônica.

A desidratação durante exercícios intensos aumenta o risco de problemas renais, pois diminui o fluxo sanguíneo para os rins e concentra as substâncias liberadas pelos músculos.

Além disso, o uso frequente de suplementos alimentares, analgésicos e anti-inflamatórios por atletas pode sobrecarregar os rins e levar a lesão renal.

Por fim, o esforço físico extremo e exaustivo, que pode levar a uma condição grave chamada rabdomiólise. Ela acontece por conta da ruptura das fibras musculares, que liberam substâncias, como a mioglobina, na corrente sanguínea. Em grandes quantidades, a mioglobina pode sobrecarregar os rins e causar lesão renal aguda. Em casos extremos, pode levar à falência renal.

O comprometimento da função renal pode ter inicio muito antes do aparecimento dos primeiros sinais clínicos de insuficiência. Assim, a avaliação da função renal deve fazer parte da avaliação de rotina dos atletas, independentemente de sintomas. Isso geralmente é feito com a dosagem de Ureia e Creatinina. Mas esses exames devem ser avaliados com cuidados em atletas.

A creatinina é um produto residual do metabolismo muscular. Assim, atletas com maior massa muscular tendem a ter níveis de creatinina naturalmente mais altos do que a população sedentária, eventualmente acima dos valores de referências indicados nos exames, mesmo com a função renal normal.

A ureia é um composto resultante do metabolismo das proteínas. Ela é eliminada pelos rins e, portanto, sua concentração pode indicar como está o funcionamento dos rins. Dietas ricas em proteínas podem resultar em níveis elevados de ureia, enquanto dietas equilibradas que incluem carboidratos e gorduras saudáveis podem ajudar a manter os níveis dentro da faixa normal.

A ureia pode ser alterada também  por conta do estado de hidratação e de acordo com  a eficiência do metabolismo proteico, fatores essenciais para o desempenho esportivo.

Para atletas que farão o exame de Ureia e / ou creatinina, é importante também suspender o uso de suplementos de creatina e evitar exercícios físicos intensos nas 24 horas que antecedem o exame. Além disso, é fundamental manter uma hidratação adequada. Se ainda assim os exames vierem alterados, outros exames podem ser solicitados para a avaliação da função renal.

Avaliação da Função Hepática

o maior risco identificado ao fígado de atletas é a hepatite tóxica por suplementos, especialmente aqueles usados para “ganho de massa muscular” e os “emagrecedores”.

Ainda que suplementos de proteínas como o Whey Protein não sejam considerados tóxicos para o fígado, muitos desses suplementos para ganho de força são “contaminados” por esteroides anabolizantes. Isso é, eles contêm traços de esteroides anabolizantes, ainda que esses não estejam descritos nos rótulos.

“Contaminados”, claro, é um termo muito inocente. De fato, os anabolizantes são adicionados de forma dolosa por fabricantes que procuram aumentar a eficácia dos seus produtos de uma forma que não aconteceria naturalmente apenas com aquilo que está descrito em rótulo.

Os principais exames usados para a avaliação da função renal são o TGO e o TGP. Além disso, o exame de bilirrubinas (total e frações) podem indicar problemas no fígado ou nas vias biliares.

Exercícios intensos, principalmente o levantamento de peso, podem elevar as enzimas hepáticas temporariamente sem indicar dano real. É recomendado descansar o treinamento muscular intenso por pelo menos uma semana antes de realizar exames de função hepática para evitar resultados falsos.

Cortisol

O cortisol é um hormônio produzido pelas glândulas suprarrenais, que estão localizadas acima dos rins.

Ele é um hormônio catabólico produzido pelas glândulas suprarrenais. Ele age como um antagonista fisiológico da insulina, induzindo a conversão da proteína, gordura e glicogênio em glicose para a geração de energia.

O cortisol é também conhecido como “hormônio do Estresse”. Isso porque, em situações de estresse, há uma maior liberação do cortisol, com foco em aumentar momentaneamente a disponibilidade de energia.

Quando um atleta entra em overtraining, por outro lado, o cortisol permanece continuamente elevado, o que pode provocar um quadro de atrofia muscular e diminuição da força, com consequente efeito negativo no rendimento esportivo.

Nenhuma diretriz relevante, no entanto, recomenda a dosagem de cortisol como exame de rotina para monitoramento do atleta. No entanto, ele pode ser considerado no caso de suspeita de overtraining, Deficiência Energética Relativa no Esporte ou em quadro clínico suspeito de insuficiência Adrenal.

Testosterona

A dosagem de testosterona em mulheres é indicada apenas em condições clínicas relacionadas ao hiperandrogenismo (excesso de testosterona), como na suspeita da Síndrome dos Ovários Policísticos. Ela não deve ser solicitada com o objetivo de identificar hipoandrogenismo (testosterona baixa). Caso um teste tenha sido feito e indicado um nível baixo ou mesmo zerado de testosterona em mulheres, esse resultado não terá relevância clínica.

Nos homens, também não tem indicação para dosagem rotineira. A dosagem será recomendada em condições específicas, como na suspeita de hipogonadismo masculino, avaliação da infertilidade, suspeita de Deficiência Energética Relativa no Esporte ou no caso de atraso da puberdade. Baixos níveis de testosterona na ausência de sintomas característicos não devem ser valorizados e não devem ser tratados.

Hormônios sexuais femininos

Entre os hormônios sexuais femininos, incluem-se:

  • Estradiol
  • Progesterona
  • FSH
  • LH
  • Prolactina

Diretrizes das principais sociedades médicas — incluindo a ACOG (American College of Obstetricians and Gynecologists), Endocrine Society, ESHRE, FIGO — são unânimes em afirmar que esses exames não devem fazer parte de check-up ou rastreamento de rotina.

A dosagem desses hormônios, por outro lado, estará indicada quando houver suspeita clínica de condições como: