Deficiência Intelectual
O que é a Deficiência Intelectual?
A deficiência intelectual envolve problemas com habilidades mentais gerais que afetam o funcionamento em duas áreas:
- Funcionamento intelectual: aspectos relacionados ao aprendizado, resolução de problemas e julgamento;
- Funcionamento adaptativo: aspectos relacionados às atividades da vida diária, como a comunicação. Esse funcionamento deve ser significativamente abaixo da média, de forma a exigir um apoio continuado.
Para o diagnóstico da Deficiência Intelectual, é necessário também que as alterações tenham tido início durante a fase de desenvolvimento infantil – ainda que possam eventualmente ser percebidas apenas mais tardiamente.
A deficiência intelectual afeta aproximadamente 1% da população, sendo que em cerca de 85% destes casos a deficiência é considerada leve.
Além disso, ela é mais comum em homens do que em mulheres.
Funcionamento Intelectual
Em alguns casos, atrasos na linguagem ou nas habilidades motoras podem ser observados já aos dois anos de idade. No entanto, níveis leves podem não ser identificados até a idade escolar, em decorrência das dificuldades com os estudos.
O funcionamento intelectual pode ser medido por meio de testes de inteligência bem estabelecidos.
O mais conhecido deles é o Teste de Q.I. (Quociente de Inteligência). Esta é uma avaliação complexa que busca identificar principalmente a inteligência linguística e lógica, com avaliação específica conforme a idade do paciente. Vale aqui considerar que, a maioria dos testes encontrados na internet não é capaz de medir o valor do Q.I. de forma fidedigna, servindo mais para entretenimento.
96% da população apresenta um Q.I. entre 70 e 130, sendo que 2% apresenta resultado acima de 130 (sendo diagnosticados como Altas Habilidades) e 2% apresenta resultado inferior a 70 (sendo então classificados como tendo algum grau de comprometimento intelectual).
O teste de Q.I, porém, não deve ser visto de forma isolada e deve ser sempre interpretado dentro do contexto clínico. As pontuações nos subtestes podem variar consideravelmente, de modo que uma deficiência significativa em um tipo específico de função cerebral pode ser subestimado ao se avaliar o resultado final do Q.I.
O Q.I. também não é capaz de avaliar todos os aspectos da inteligência, mas apenas uma parte dela. Segundo o psicólogo Howard Gardner, existem nove tipos diferentes de inteligência que o ser humano pode possuir: corporal-cinestésica, espacial, linguística, musical, lógico-matemática, interpessoal, intrapessoal, naturalista e existencialista.
Dessa maneira, o teste de Q.I. somente seria capaz de identificar a inteligência linguística e a lógica.
Funcionamento Adaptativo
O Funcionamento Adaptativo se refere à capacidade de nos comunicar, cuidar de nós mesmos e de nos relacionarmos com os outros. É aquilo que fazemos todo dia e nos possibilita independência pessoal e social.
Assim de acordo com o DSM-5, o funcionamento adaptativo envolve 3 domínios: conceitual, social e prático.
Domínio Conceitual
O domínio conceitual envolve aspectos cognitivos, pois funções como memória, atenção, raciocínio, linguagem são necessários para que a pessoa tenha um comportamento adaptativo.
Como exemplo, uma pessoa que não aprendeu a ler terá dificuldade em comprar um produto por não saber ler o rótulo. Essa pessoa também terá dificuldade para pegar um ônibus de forma independente, uma vez que terá dificuldade para identificar a linha de ônibus. Esse domínio diz respeito a parte acadêmica do comportamento adaptativo.
Domínio Social
O domínio social envolve aspectos de percepção de pensamentos, sentimentos e experiências com os outro. É saber se relacionar e interpretar aspectos sociais que o fazem interagir com outras pessoas.
Domínio Prático
O domínio prático envolve aspectos ligados a autogestão em todos os cenários da vida. Fazem parte desse domínio as habilidades para cuidar de si, ter responsabilidade pessoais e profissionais, saber controlar dinheiro e ter autocontrole comportamental.
Escovar dentes, tomar banho sozinho e comer com talheres são exemplos de domínios práticos.
Quais as causas de Deficiência Intelectual?
A deficiência Intelectual pode estar associada a diferentes causas que podem acometer o indivíduo antes, durante ou após o nascimento.
As causas pré-natais estão associadas a 55% a 75% dos casos de etiologia conhecida. Dentro disso, estão incluídas as causas de origem genética, responsáveis por 25% a 50% dos casos de DI. Essas causas genéticas estão associadas especialmente a casos de maior gravidade.
Causas perinatais são aquelas que se desenvolvem entre o início do trabalho de parto até o 30º dia de vida. São responsáveis por 10% dos casos de DI.
Já as causas pós natais, que se desenvolvem mais de 30 dias após o nascimento, são responsáveis por 5% dos casos de DI (1).
Por fim, vale considerar que em cerca de 40% dos casos, a deficiência intelectual tem causa indeterminada mesmo após uma ampla investigação.
Causas pré natais:
- Distúrbios hereditários (como fenilcetonúria, doença de Tay-Sachs, neurofibromatose, hipotireoidismo e síndrome do X frágil)
- Anomalias cromossômicas (como a síndrome de Down)
- Desnutrição materna grave
- Infecções pelo vírus da imunodeficiência humana, citomegalovírus, vírus do herpes simples, toxoplasmose, rubéola ou vírus Zika
- Toxinas (como chumbo e metilmercúrio)
- Uso de certos medicamentos, álcool ou drogas recreativas pela mãe durante a gestação
- Desenvolvimento anormal do cérebro (como cisto porencefálico, heterotopia da substância cinzenta e encefalocele)
- Pré-eclâmpsia e nascimentos múltiplos (por exemplo, gêmeos ou trigêmeos)
Causas perinatais (início do trabalho de parto até o 30º dia de vida)
- Falta de oxigênio (hipóxia)
- Prematuridade extrema
Causas pós natais
- Infecções no cérebro (como a meningite e a encefalite)
- Traumatismo craniano grave
- Desnutrição da criança
- Negligência ou abuso emocional grave
- Toxinas (como chumbo e mercúrio)
- Tumores cerebrais e seus tratamentos
Deficiência Intelectual X TEA X Síndrome de Down
A deficiência intelectual, a síndrome de Down e o autismo são condições que podem estar relacionadas entre elas.
Deficiência intelectual e Transtorno do Espectro Autista (TEA)
10% das pessoas com deficiência intelectual apresentam também o transtorno do espectro autista. Por outro lado, a deficiência intelectual está presente em aproximadamente 30% dos autistas.
Síndrome de Down e deficiência intelectual
A síndrome de Down é a principal causa genética de deficiência intelectual, geralmente de forma moderada a severa. A maioria das pessoas com síndrome de Down tem algum nível de deficiência intelectual.
Síndrome de Down e TEA
Entre 18% e 39% de indivíduos com síndrome de Down estão também dentro do espectro autista.
Diagnóstico da Deficiência Intelectual
O diagnóstico da deficiência intelectual é estabelecido a partir do resultado de testes específicos aplicados pelo neuropsicólogo.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), no entanto, esses testes não são confiáveis e não devem ser aplicados antes dos 5 anos de idade. Assim, no caso de crianças nessa faixa etária que não atingem os marcos do desenvolvimento neuropsicomotor esperados devem receber as designações de “atraso global do desenvolvimento” ou “atraso do desenvolvimento neuropsicomotor”. Futuramente, essas crianças poderão ficar caracterizadas como portadoras de Deficiência Intelectual.
Crianças com Deficiência Intelectual ou com Atraso do Desenvolvimento Neuropsicomotor devem ser submetidas a uma avaliação pelo neuropediatra. Além da avaliação clínica, ele se utilizará de exames genéticos, exames de imagem e exames de sangue na busca pela causa etiológica da Deficiência Intelectual.
Classificação da Deficiência Intelectual
De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais,
(DSM-5), desenvolvido lea Associação Americana de Psiquiatria,
a gravidade da Deficiência Intelectual deve ser determinada pelo funcionamento adaptativo, que inclui habilidades sociais, conceituais e práticas.
O DSM-5 também recomenda o uso do julgamento clínico para interpretar os testes de quociente de inteligência (QI), em vez de confiar apenas nas pontuações de QI.
Assim, a deficiência intelectual pode ser classificada nos seguintes níveis:
Leve
Os indivíduos podem ter dificuldades em ambientes sociais e acadêmicos. Eles podem precisar de assistência diária com tarefas conceituais, mas geralmente podem cuidar de suas próprias necessidades pessoais.
Moderado
As pessoas podem cuidar de si mesmas, viajar para lugares familiares e aprender habilidades básicas de segurança e saúde. Elas podem precisar de apoio moderado.
Grave
Os indivíduos podem ter grandes atrasos no desenvolvimento e necessitar de supervisão em ambientes sociais. Podem precisar de cuidados familiares para viver em um ambiente supervisionado.
Profundo
Os indivíduos podem necessitar de amplo suporte e cuidados especializados.
Tratamento
A deficiência intelectual é uma condição vitalícia. No entanto, a intervenção precoce permite explorar o máximo do potencial individual de cada pessoa.
A maior parte das pessoas apresenta deficiência intelectual leve. Com o suporte adequado, elas são capazes de desempenhar papéis produtivos e bem-sucedidos na sociedade.
As melhores evidêcias científicas relacionadas ao tratamento da Deficiência Intelectual estão associadas à Análise do Comportamento Aplicada (ABA, do inglês Applied Behavior Analysis). Essa é uma ciência que busca analisar e explicar a interação entre o ambiente, o comportamento e a aprendizagem.
A terapia ABA envolve um conjunto de diferentes formas de intervenções que estão baseadas nos princípios da ciência ABA. Entre essas formas de intervenção ABA podemos citar o Discrete Trial Training (DTT) e o Denver, entre muitas outras.
A ABA é a ciência da aprendizagem recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para pessoas com desenvolvimento atípico, incluindo a Deficiência Intelectual.
Sendo a ABA um método científico, tudo que é sugerido dentro das intervenções foi submetido a testes empíricos e é fruto de pesquisa científica, com rigor metodológico.
Como é feita a Terapia ABA?
As intervenções baseadas em ABA são divididas em algumas etapas. São elas:
- Anamnese;
- Avaliação comportamental
- Definição de objetivos
- Plano de intervenção
- Implementação
- Revisão contínuada
Anamnese
A anamnese é uma entrevista que o profissional faz com a criança e a família, buscando entender a condição da criança. Ela é que irá direcionar as avaliações subsequentes.
Avaliação comportamental
A Terapia baseada ABA começa com uma avaliação completa do comportamento da criança.
A avaliação pode incluir habilidades sociais, linguagem, brincadeiras, autocuidado, habilidades acadêmicas.
Nessa avaliação, busca-se identificar duas coisas:
- Comportamentos em excesso: tudo aquilo que prejudica o indivíduo. Isso inclui comportamentos de crises e também aqueles que colocam em risco a integridade física, como agressão e autoagressão.
- Comportamentos em Déficit: aqueles que deveriam estar presentes, mas não estão.
O terapeuta deve investigar aquilo que acontece antes e depois do comportamento ocorrer para identificar os eventos antecedentes e consequentes. Isso ajuda a desenvolver estratégias para reduzir comportamentos desafiadores.
Diante das respostas apresentadas e interpretadas de acordo com a realidade do pequeno, o terapeuta identifica as áreas que precisam ser estimuladas ou coibidas.
Definição de objetivos
Após a avaliação da criança, é preciso que sejam definidos os objetivos de uma intervenção.
Habitualmente, uma série de comportamentos em excesso ou em déficit são identificados. Infelizmente, querer trabalhar todas essas necessidades de uma só vez é infrutífero e levará à frustração da criança, da família e do terapeuta.
Assim, é fundamental que sejam estabelecidas as prioridades. A prioridade será sempre a abordagem dos comportamentos em excesso ou em déficit que tragam um maior prejuízo para o indivíduo
Esses objetivos devem ser claros e mensuráveis.
Um exemplo de objetivo claro e mensurável seria “sustentar o olhar por dois segundos ao ser chamado por pelo menos 3 pessoas diferentes em um mesmo dia”.
Já um exemplo de um objetivo vago, que não é adequado na intervenção baseada em ABA, seria algo como “desenvolver as habilidades sociais”. Isso porque esse não é um objetivo mensurável, não se tem como dizer se ele foi atingido ou não de uma forma objetiva.
Plano de Intervenção
A partir da definição dos objetivos, é feito um plano de intervenção. Esse plano, da mesma forma, precisa ser claro e objetivo.
A ABA utiliza técnicas de reforço positivo para o desenvolvimento de comportamentos desejados. Quando uma criança realiza uma ação desejada, ela é recompensada com algo que valoriza, como elogios, brinquedos ou atividades favoritas.
Faz parte também do plano de intervenção a criação de uma folha de registros.
Toda tentativa de intervenção deve ser anotada em uma folha de registro. Nessa folha, deve ser anotado se o objetivo foi atingido, bem como se a criança precisou de ajuda para atingir o objetivo.
Implementação
A intervenção comportamental é feita um-a-um, ou seja, um terapeuta para uma criança.
Após a definição de um plano terapêutico, o terapeuta especializado em ABA e que está responsável pelo tratamento treina outras pessoas envolvidas para que possam implementar o plano que foi desenvolvido. Essa pessoa pode ser pai, mãe, outros familiares, o acompanhante terapêutico na escola ou mesmo um terapeuta menos capacitado.
Revisão contínua
De tempos em tempos (habitualmente uma vez por semana) é feita uma avaliação da folha de registro pelo terapeuta especializado em ABA.
A partir disso, o plano terapêutico será revisado. Eventualmente, novas intervenções podem ser incluídas e outras podem ser colocadas em uma etapa de “manutenção”.