Cirrose Hepática
O que é cirrose hepática?
A cirrose hepática é o estágio final da maioria das doenças hepáticas crônicas. Ela se caracteriza pela substituição do tecido hepático saudável por tecido cicatricial (fibrose). Com isso, o fígado para de funcionar corretamente.
Os efeitos clínicos da cirrose hepática estão associados a dois processos que acontecem de forma simultânea nestes pacientes:
- Hipertensão portal: aumento na resistência ao fluxo de sangue que acontece em decorrência da perda da elasticidade normal do fígado;
- Insuficiência hepática: perda da função hepática, decorrente da perda de células especializadas, que são substituídas por fibrose.
Hipertensão Portal
Hipertensão portal é uma condição caracterizada pelo aumento da pressão no sistema venoso portal, que leva sangue do aparelho digestivo para o fígado.
Estes pacientes desenvolvem conexões anormais entre o sistema venoso portal e as veias sistêmicas, chamadas de circulação colateral portossistêmica.
Grandes colaterais portossistêmicas ao redor do estômago (varizes gástricas) e esôfago (varizes esofágicas) podem causar sangramento gastrointestinal intenso, em alguns casos fatal.
Além disso, quando o sangue deixa de passar pelo fígado, ele deixa de ser filtrado. Substâncias tóxicas, que antes eram filtradas no fígado, passam a se acumular no cérebro, dando origem à Encefalopatia Hepática.
A Hipertensão portal, juntamente com a retenção de sódio e a redução da albumina sanguínea que acontecem na cirrose hepática faz com que a água saia das veias para dentro da cavidade abdominal (causando a ascite) ou para os membros (causando inchaço nas pernas).
O aumento da ascite pode empurrar o diafragma, a parede abdominal e o estômago, causando falta de ar, dor abdominal e saciedade precoce (1).
Insuficiência Hepática
Quando as células normais do fígado são substituídas por fibrose, o órgão perde pouco a pouco a capacidade de exercer suas atividades essenciais. Este processo é denominado de Insuficiência Hepática.
O fígado perde a capacidade de processar nutrientes, hormônios e medicamentos. Também reduz a produção de proteínas e outras substâncias normalmente produzidas pelo fígado.
O armazenamento de vitaminas e minerais fica prejudicado. A absorção de certos nutrientes, especialmente a gordura, também.
Qual a causa da Cirrose Hepática?
A cirrose hepática pode ser ocasionada por qualquer condição que leve à destruição das células saudáveis do fígado. Quando isso acontece, as células mortas são substituídas por um tecido cicatricial.
Aproximadamente metade dos casos estão associadas ao alcoolismo; um para cada três pacientes desenvolvem a cirrose hepática em decorrência da Hepatite Viral Crônica, mais especificamente da Hepatite B ou da Hepatite C. Os demais casos estão associados a diferentes distúrbios metabólicos ou idiopáticos do fígado (2).
Fatores de risco
Entre as condições que aumentam o risco para a cirrose hepática, incluem-se:
- Abuso prolongado do álcool;
- Pacientes com Hepatite viral ou outras doenças hepáticas;
- Diabetes;
- Obesidade;
- Uso de drogas injetáveis.
Quais são os sintomas da Cirrose Hepática?
Nos estágios iniciais da doença, o tecido hepático remanescente é mais do que o suficiente para a manutenção da função do fígado, de forma que o paciente não tem nenhum sintoma.
Os sintomas aparecem com a evolução da doença.
Os primeiros sinais e sintomas e de Cirrose Hepática são pouco específicos e podem ser facilmente confundidos com outras condições, incluindo:
- Perda de apetite.
- Sensação de fraqueza ou cansaço.
- Náusea ou vômitos
- Febre.
- Perda de peso injustificada.
À medida que a função hepática piora, aparecem outros sintomas de cirrose mais comumente reconhecidos, incluindo:
- Problemas de coagulação (aparecimento de hematomas com traumas mínimos, dificuldade para interromper sangramentos);
- Pele amarelada (icterícia);
- Inchaço nas pernas, pés e tornozelos;
- Acúmulo de líquido na barriga (ascite) ou nos membros;
- Fezes de cor clara (Esteatose Hepática).
- Confusão, dificuldade em pensar, perda de memória, alterações de personalidade.
- Sangue nas fezes;
- Nos homens: perda do desejo sexual, mamas aumentadas (ginecomastia), testículos encolhidos;
Nas mulheres: menopausa Precoce.
Complicações da Cirrose Hepática
Ascite
A Ascite se refere ao acúmulo de líquidos dentro da cavidade abdominal. As doenças do fígado são as causas mais comuns para isso.
O mecanismo pelo qual a ascite se desenvolve no paciente com cirrose hepática é multifatorial. Ela está associada, entre outras coisas:
- Hipertensão portal;
- Hiperesplenismo (aumento da atividade do baço);
- Redução na produção de albumina;
- Insuficiência renal decorrente da Síndrome hepatorenal.
Inchaço nos membros
A cirrose hepática provoca um aumento na pressão do sangue em todas as veias do corpo. Uma das primeiras consequências deste aumento da pressão venosa o inchaço das pernas e pés.
A deficiência de albumina que acontece no paciente com Cirrose Hepática é outro fator que contribui para o inchaço dos membros inferiores.
Como regra geral, os mesmos fatores que podem levar ao acúmulo de líquidos na barriga (ascite) também podem fazer com que o líquido se acumule nos membros.
Varizes esofágicas e varizes gástricas
Varizes esofágicas se referem às veias dilatadas no esôfago. Elas se formam em decorrência da hipertensão portal.
As varizes esofágicas geralmente não causam sintomas. Entretanto, elas têm potencial para sangrar espontaneamente. A hemorragia pode ser muito grave e causar choque ou, raramente, morte.
As Varizes também podem se formar na parte superior do estômago próximo ao local de entrada do esôfago. Essas são denominadas varizes gástricas e causam sintomas semelhantes.
Síndrome hepatopulmonar
A Síndrome Hepatopulmonar é uma condição na qual as veias e artérias do pulmão estão dilatadas e insuficientes. Isso acontece devido ao aumento da pressão na Veia Porta do fígado e à insuficiência hepática.
Ela tem origem em decorrência de um conjunto de fatores, que incluem o aumento na resistência vascular e desregulação da musculatura que controla a vasodilatação e a vasoconstrição.
Como consequência, as trocas gasosas ficam comprometidas e o paciente desenvolve hipóxia (falta de oxigênio no sangue) e a sensação de falta de ar.
Insuficiência renal (Síndrome Hepatorenal)
A Síndrome Hepatorenal se caracteriza pela perda da função renal que acontece em decorrência de uma doença hepática avançada.
A causa mais comum é a Hipertensão Portal decorrente de uma cirrose hepática. Entretanto, o mecanismo pelo qual a hipertensão portal provoca a insuficiência renal ainda não foi totalmente esclarecida.
A Síndrome Hepatorenal se caracteriza pelo estreitamento dos vasos sanguíneos que alimentam os rins. Quando isso acontece, a função renal fica comprometida.
A doença se manifesta clinicamente por dor abdominal e piora do estado geral. Além disso, a insuficiência renal piora o acúmulo de líquidos característico da doença hepática, o que leva a uma piora da ascite e do inchaço dos membros.
Esplenomegalia e hiperespelenismo
O baço ajuda a filtrar células velhas e danificadas da corrente sanguínea. No paciente com cirrose hepática, ele pode aumentar de tamanho em decorrência da Hipertensão Portal.
A esplenomegalia é, inclusive, frequentemente usada radiologicamente como um indicador a cirrose.
O aumento do baço (esplenomegalia) e o aumento da atividade do baço (hiperespelnismo) faz com que o baço passe a destruir as células sanguíneas de forma mais rápida e precoce. Isso leva à diminuição dos níveis de plaquetas e hemoglobina.
Encefalopatia hepática
A encefalopatia hepática se caracteriza pela deterioração da função cerebral que ocorre em decorrência de uma doença hepática grave.
Ela está associada ao acúmulo de substâncias neurotóxicas no cérebro. Estas substâncias são normalmente filtradas pelo fígado antes de chegar ao cérebro, o que deixa de acontecer no paciente com cirrose hepática, mais especificamente naqueles com Hipertensão Portal.
Os principais sinais e sintomas da encefalopatia hepática incluem:
- Confusão mental;
- Desorientação;
- Alterações no pensamento lógico
- Dificuldade para se concentrar;
- Sonolência;
- Alterações de personalidade, comportamento e humor.
Desregulação da pressão arterial
O paciente com insuficiência hepática pode apresentar um desequilíbrio entre fatores vasodilatadores e vasoconstrictores, de forma que tanto a Hipertensão Arterial como a Hipotensão Arterial podem estar presentes.
Na doença hepática terminal, o mais comum é que o paciente desenvolva um estado circulatório hiperdinâmico, com consequente queda na pressão arterial.
Desnutrição
A desnutrição está presente em até 20% dos pacientes com cirrose compensada e 50% dos pacientes com cirrose descompensada (3).
Além disso, de acordo com um estudo realizado com 300 pacientes, mais de 75% daqueles com doença hepática avançada apresentavam algum grau de desnutrição e quase 40% apresentavam desnutrição moderada ou grave (4). Esta incidência foi maior quanto mais grave a doença hepática.
Diversas condições contribuem para a desnutrição, incluindo:
- Aumento no metabolismo;
- Alterações no metabolismo;
- Má absorção;
- Anorexia.
Diagnóstico da Cirrose Hepática
O diagnóstico de cirrose hepática deve ser considerado a partir da identificação dos sinais e sintomas característicos, conforme descrito acima.
Exame de sangue com Marcadores da Função Hepática devem ser solicitados para avaliar como o fígado está funcionando.
Exames de imagem como a Ultrassonografia, Tomografia Computadorizada ou Ressonância Magnética poderão mostrar alterações características da Cirrose Hepática.
A biópsia hepática deve ser considerada em alguns casos. Ela é capaz de identificar a gravidade do acometimento do tecido hepático e, em alguns casos, poderá ser usada para a identificação da causa da Cirrose Hepática.
Por fim, outros exames podem ser solicitados com o objetivo de identificar a causa da cirrose e para a avaliação de eventuais complicações. Isso inclui, por exemplo, exames sorológicos para Hepatite A, Hepatite B ou Hepatite C.
O exame de sangue também deve incluir uma avaliação nutricional completa, já que, como vimos acima, a desnutrição é uma consequência comum da Cirrose Hepática.
Tratamento da cirrose hepática
Nenhum tratamento é capaz de reverter a cirrose hepática. Isso significa que aquele tecido hepático que já foi substituído por fibrose não mais voltará a adquirir as características de um tecido hepático normal.
O objetivo do tratamento, desta forma, consiste em retardar a evolução e controlar os sintomas decorrentes da perda da função hepática.
Para isso devem ser adotadas certas medidas comportamentais. A avaliação e o suporte nutricional são fundamentais.
No paciente com graves repercussões da Hipertensão Portal, pode ser considerada a Derivação Portossistêmica.
Já no paciente com grave comprometimento da função hepática, a única alternativa disponível além das medidas de suporte é o Transplante Hepático.
Medidas comportamentais
Algumas medidas devem ser adotadas com o objetivo de minimizar as repercussões da insuficiência hepática e para evitar a evolução da doença.
O primeiro passo, sem dúvidas, envolve fazer todos os esforços possíveis para abandonar a bebida alcoólica. Discutimos mais sobre como gerenciar este processo em um artigo específico sobre Alcoolismo.
Quando for o caso, o abandono de drogas recreativas tem igual importância.
O paciente com Cirrose Hepática deve ter cuidado redobrado com as medicações com potencial hepatotóxico, já que estas drogas podem aumentar ainda mais o dano ao fígado.
Suporte nutricional
A desnutrição é um fator de grande importância para o prognóstico do paciente com doença hepática.
Como referência, em um estudo com pacientes com doença hepática em estado inicial, aqueles que estavam desnutridos tiveram uma taxa de mortalidade em 1 ano de cerca de 20%, enquanto nenhum dos pacientes avaliados como bem nutridos morreu neste mesmo período (5).
Entre os principais cuidados nutricionais, incluem-se:
- Correção das deficiências nutricionais
- Restrição no consumo de sódio, especialmente no paciente com ascite e edema de membros inferiores;
- Substituição da proteína da carne pela proteína láctea ou proteína vegetal, no paciente com Encefalopatia Hepática;
- Evitar jejum prolongado
Discutimos mais a respeito dos cuidados nutricionais em um artigo específico sobre Dieta para o Hepatopata.
Derivação Portossistêmica Intra-hepática
A derivação portossistêmica intra-hepática é uma conexão artificial feita entre a veia porta, que leva o sangue do trato gastrointestinal para o fígado, e a veia hepática, que leva o sangue do fígado para o coração.
Desta forma, o sangue é desviado por fora do fígado, sem passar por esta área com grande resistência ao fluxo de sangue.
O procedimento é uma excelente alternativa para o paciente com repercussões graves da Hipertensão portal, incluindo:
- Varizes esofágicas com grande risco para sangramento;
- Ascite refratária ao tratamento convencional;
- Trombose da veia porta.
Por outro lado, o procedimento faz com que o sangue deixe de ser filtrado no fígado. Assim, ela não costuma ser uma boa alternativa para o paciente com encefalopatia hepática mal controlada pela lactulose.
A derivação portossistêmica também não é uma boa alternativa para o paciente com Insuficiência Hepática grave (pontuação MELD superior a 15) (6). Nestes casos, a indicação deve ser o Transplante Hepático.
Transplante de Fígado
O Transplante de fígado é uma cirurgia na qual um fígado que não funciona mais é substituído pelo fígado saudável de um doador falecido ou uma porção de um fígado saudável de um doador vivo.
De acordo com estudo realizado nos Estados Unidos (7), a sobrevida após o transplante de fígado é de 79% em um ano, 67% em 5 anos, 57% em 10 anos, 50% em 15 anos e 48% em 18 anos.
Além de uma maior sobrevida, os pacientes mostram uma significativa melhora na qualidade de vida um ano após o transplante de fígado. Esta melhora tende a ser mantida no longo prazo.