Treinamento para o Jovem Talento Esportivo
Como treinar o jovem talento esportivo?
O foco do treinamento de jovens talentos deve estar sempre em construir uma base sólida, com vistas ao desempenho competitivo no futuro — e não apenas ao resultado imediato.
Para isso, é essencial considerar os diferentes aspectos do desenvolvimento neuropsicomotor da criança.
O desempenho esportivo depende de um conjunto de habilidades que se desenvolvem ao longo da formação atlética, cada uma no seu tempo.
Conhecer as chamadas “janelas de oportunidade” para o desenvolvimento dessas habilidades é crucial. Estimular determinada valência antes do momento adequado será infrutífero. Mas, da mesma forma, perder as “janelas de oportunidades” pode significar perder a chance de atingir o pleno potencial.
A estratégia mais eficaz envolve uma diversificação inicial, seguida de especialização gradual. Essa abordagem oferece à criança a chance de desenvolver uma ampla base física, cognitiva, psicológica e social, que será fundamental para um desenvolvimento esportivo sustentável no futuro.
O grande segredo ao se trabalhar com jovens atletas está em equilibrar o tempo dedicado ao esporte principal com a prática de outras modalidades, favorecendo a aquisição de uma base mais variada de habilidades.
Esse equilíbrio depende diretamente da modalidade escolhida e das valências determinantes de performance em cada esporte.
De modo geral, há uma tendência a se subestimar a importância da prática esportiva diversificada na infância. No entanto, estudos mostram que atletas que alcançaram a elite esportiva na vida adulta geralmente tiveram uma infância menos especializada e mais variada em termos de experiências esportivas — ao contrário daqueles que ficaram restritos a um único esporte desde cedo e acabaram competindo em níveis mais baixos na fase adulta.
Discutimos esse tema com mais profundidade no artigo específico sobre especialização esportiva na infância.
Fases do desenvolvimento atlético
O treinamento de jovens talentos esportivos deve respeitar as diferentes fases da formação atlética. O foco excessivo em resultados competitivos imediatos, sem uma base sólida de desenvolvimento, pode levar a um sucesso precoce que não se sustenta ao longo do tempo. Um exemplo comum é o fenômeno do “bom jovem, mau velho”, cuja origem muitas vezes está justamente na ênfase prematura na competição e no desempenho.
Buscando orientar o desenvolvimento esportivo de forma progressiva e sustentável, estudiosos canadenses criaram o modelo conhecido como Long Term Athletic Development (LTAD) — ou Desenvolvimento Atlético de Longo Prazo. Este programa propõe uma estrutura em seis etapas:
- Iniciação ativa (0 a 6 anos)
- Fundamentos (6 a 8 anos)
- Aprender a treinar (9 a 12 anos)
- Treinamento (12 a 16 anos)
- Treinar para competir (15 a 21 anos)
- Competir para vencer (a partir dos 18 anos)
O principal mérito do LTAD está em destacar que o sucesso esportivo na fase adulta é resultado de um processo bem conduzido, e não de conquistas precoces. O modelo ajuda a reconhecer tanto o potencial de cada fase quanto os erros de condução que podem comprometer o desenvolvimento do atleta.
No entanto, uma das críticas ao programa é que, ao definir faixas etárias fixas para cada fase, ele pode desconsiderar as especificidades das modalidades esportivas e a individualidade de cada criança.
Por exemplo, em esportes como a natação e a ginástica artística, é comum que crianças iniciem treinamentos estruturados antes dos 10 anos de idade. Nessas modalidades, muitas habilidades específicas precisam ser treinadas precocemente para que o atleta atinja seu pico de rendimento em tempo hábil. Isso contrasta com a proposta do LTAD, que recomenda o início da fase “treinar para competir” apenas a partir dos 15 anos — idade em que muitos ginastas já se encontram em sua fase de alta performance.
Por outro lado, em esportes como o triatlo, a especialização tardia é comum. Nessas modalidades, as habilidades adquiridas em um treinamento mais diversificado podem ser transferidas para o seu desenvolvimento na nova modalidade alvo.
Apesar de extremamente útil como guia geral, o LTAD deve ser adaptado à realidade de cada esporte e de cada indivíduo. O respeito ao tempo de maturação física, cognitiva e emocional da criança segue sendo o princípio mais importante para o desenvolvimento de jovens atletas.
Transição para a Fase de “Treinar para Competir” e o Comportamento Atlético
À medida que o jovem atleta inicia a transição para a fase de “treinar para competir”, um aspecto que se torna ainda mais relevante do que a técnica esportiva em si é o comportamento atlético.
Com o aumento gradual das demandas físicas, energéticas e emocionais do treinamento, o corpo do adolescente passa também por profundas transformações decorrentes da puberdade — o que exige ainda mais energia e capacidade de recuperação.
Para sustentar esse processo de esforço e recuperação, o atleta que deseja evoluir no esporte precisa aprender a se comportar como atleta. Isso envolve uma série de hábitos e atitudes fundamentais, como:
- Alimentação equilibrada, que atenda às necessidades energéticas e de recuperação;
- Boa higiene do sono, com número adequado de horas e regularidade;
- Planejamento da rotina, conciliando treinos, estudos e momentos de lazer;
- Comprometimento com o processo, entendendo que a performance é construída diariamente.
Esse conjunto de comportamentos é o que diferencia o jovem com potencial daquele que realmente consegue dar continuidade ao seu desenvolvimento esportivo e atingir níveis mais altos de desempenho ao longo do tempo.
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Riscos da prática esportiva na infância
Assim como nos adultos, a prática esportiva com foco no alto rendimento trabalha o corpo próximo do limite de suas capacidades. Isso envolve riscos maiores do que para aqueles que buscam no exercício apenas uma forma de diversão e promoção da saúde.
No caso da criança, porém, as constantes transformações do corpo e da mente impõe desafio extra aos profissionais que trabalham com o atleta.
Entre os principais problemas relacionados a uma prática esportiva abusiva na infância incluem-se problemas psicossociais (especialmente a “Síndrome do Burnout”), deficiências nutricionais e risco aumentado para lesões.
Síndrome do Burnout em Jovens Atletas
A Síndrome de burnout é um termo utilizado para descrever um estado de exaustão extrema relacionada ao trabalho ou a outras atividades que exigem esforço constante.
Trata-se de uma condição que compromete tanto a saúde física quanto emocional da pessoa. O próprio termo em inglês ilustra bem a situação: burnout representa uma chama que vai se apagando até que a energia desapareça por completo.
A exaustão causada pelo excesso de demanda de energia, força ou recursos internos é uma forma específica de estresse, comum em diversas profissões. Atletas — especialmente os mais jovens — são particularmente propensos a desenvolver esse tipo de problema.
É importante que pais, treinadores e educadores estejam atentos a sinais de alerta. Crianças que, de forma repentina, passam a render menos nos treinos, tornam-se mais agressivas, começam a criar desculpas para não treinar ou apresentam dores recorrentes sem causa aparente devem ser observadas cuidadosamente. Esses podem ser indícios de que o jovem está sofrendo com a síndrome de burnout.
Essas manifestações afetam direta e indiretamente a vida escolar, social e emocional da criança, resultando em um impacto negativo que se extende para muito além do esporte.
Lesões Esportivas na Criança Atleta
A criança atleta é especialmente vulnerável a determinadas lesões esportivas, sobretudo durante a puberdade e o chamado estirão de crescimento.
Há uma fragilidade natural na placa de crescimento — a região onde ocorre o crescimento dos ossos longos. Por isso, muitas das lesões que acometem jovens atletas estão diretamente relacionadas a essa estrutura.
Lesões na placa de crescimento podem comprometer de forma definitiva o comprimento do osso afetado e, em alguns casos, resultar em deformidades ósseas.
Entre os problemas mais comuns relacionados à placa de crescimento, destacam-se:
- Doença de Sever
Outro fator que aumenta o risco de lesões em crianças e adolescentes atletas é o fato de seus corpos estarem em constante transformação.
De forma repentina, o corpo cresce, ganha massa muscular e peso. O atleta passa a correr mais rápido, saltar mais alto e gerar mais força — porém, leva um tempo até que encontre um novo estado de equilíbrio motor.
Mais do que isso: o corpo do atleta que antes “funcionava como um carro popular” pode, subitamente, se transformar em um carro de corrida. Nesse momento, ele precisa aprender como operar essa nova “máquina” com segurança e eficiência.
Diante desse cenário, é essencial que a criança atleta seja estimulada a escutar o próprio corpo e tenha liberdade para se expressar sobre isso.
Elas devem ser educadas para entender que a dor não é normal — especialmente nesta fase da vida — e devem sentir-se à vontade para pedir para parar ou para diminuir a intensidade dos treinos.
O conceito “no pain, no gain” (sem dor, sem ganho) não é adequado para adultos, mas menos ainda para crianças.
Distúrbios nutricionais na criança atleta
Distúrbios nutricionais são comuns entre adolescentes, especialmente entre meninas envolvidas em esportes com exigência estética por um corpo excessivamente magro. Entre essas modalidades, destacam-se o balé, a ginástica artística e os saltos ornamentais.
Além da alta demanda energética do próprio esporte, essas adolescentes precisam de energia adicional para sustentar o crescimento e desenvolvimento corporal — que também podem ser comprometidos diante de uma deficiência energética.
A deficiência energética no esporte pode acarretar consequências sérias para o desenvolvimento físico de pré-adolescentes e adolescentes. Esses impactos vão muito além da performance esportiva e envolvem riscos reais à saúde.
Sinais de deficiência energética incluem:
- Preocupação constante com o peso corporal;
- Distúrbios menstruais;
- Fadiga excessiva;
- Alterações no sono;
- Lesões frequentes.
Em casos como esses, é altamente recomendável a avaliação com especialistas, como médicos do esporte e nutricionistas.
Além disso, uma alimentação desequilibrada — antes, durante ou após o treino — pode prejudicar também o desempenho escolar. Variações nos níveis de glicose no sangue podem causar redução da capacidade cognitiva, sonolência e dificuldade de concentração.