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Terapia Hormonal para transgêneros

O que é a terapia hormonal?

Terapia hormonal feminilizante ou masculinizante refere-se à administração de hormônios com o objetivo de promover características físicas alinhadas ao gênero com o qual uma pessoa se identifica.

É importante destacar que nem todas as pessoas trans optam por essa etapa. Muitas se sentem plenamente realizadas ao viverem, trabalharem e se expressarem de acordo com sua identidade de gênero, por meio da chamada transição social — que pode incluir mudanças no nome, na aparência, no uso de pronomes e no comportamento.

Por outro lado, a Terapia Hormonal pode ser essencial para aqueles que vivenciam a disforia de gênero. — um sofrimento emocional significativo causado pela incongruência entre sua identidade de gênero e as características físicas do seu corpo. Esse tratamento é frequentemente associado a outras abordagens, como o acompanhamento psicológico, a transição social ou, em alguns casos, procedimentos cirúrgicos relacionados à afirmação de gênero.

Bloqueadores da puberdade

Os bloqueadores de puberdade são medicamentos utilizados no cuidado de adolescentes transgênero que foram adequadamente avaliados e diagnosticados com Disforia de gênero, e que desejam evitar o desenvolvimento de características sexuais secundárias indesejadas associadas ao sexo atribuído ao nascer. Esses medicamentos oferecem uma alternativa segura para jovens que ainda não têm idade suficiente para iniciar a terapia hormonal com efeitos permanentes.

Diferentemente da terapia hormonal para transição de gênero, os efeitos dos bloqueadores puberais são totalmente reversíveis. Caso a pessoa decida, posteriormente, não seguir com a transição, a interrupção do tratamento permite que a puberdade se reinicie normalmente, sem prejuízos para o desenvolvimento físico.

Esses bloqueadores só podem ser administrados após o início da puberdade, mais especificamente quando a pessoa atinge o estágio 2 ou 3 de Tanner. Isso porque, a partir desse ponto, já começam a surgir mudanças corporais perceptíveis, o que permite uma melhor compreensão sobre a persistência ou não da disforia de gênero.

Critérios para Terapia Hormonal

O início da terapia hormonal no Brasil pode ser realizado por indivíduos a partir dos 16 anos de idade, após uma avaliação psicossocial.

É necessário que se tenha um encaminhamento do psiquiatra que realizou a avaliação.

Os critérios para terapia hormonal são os seguintes:

  1. Disforia de gênero persistente e bem documentada;
  2. Capacidade para tomar uma decisão plenamente informada e consentir no tratamento;
  3. Se houver problemas médicos ou de saúde mental significativos, eles devem ser razoavelmente bem controlados.

Como é feita a Terapia Hormonal Masculinizante?

A terapia hormonal masculinizante é feita com testosterona bioidênticas. Isso significa que são hormônios produzidos em laboratório, mas que são quimicamente equivalentes à testosterona secretada pelo testículo humano.
A testosterona está disponível em várias preparações injetáveis ​​e tópicas, que foram inicialmente  projetadas para uso em homens cisgêneros com testosterona baixa (andropausa). Para homens transgênero, no entanto, geralmente são necessárias doses mais elevadas do que aquelas indicadas nos rótulos.

A tabela abaixo mostra as principais mudanças esperadas com a terapia hormonal masculinizante, bem como o tempo esperado para que isso aconteça.

Efeito Tempo de início Efeito máximo
Oleosidade da pele / acne 1 – 6 meses 1 – 2 anos
Crescimento de pelos fasciais e corporais 3 – 6 meses 3 – 5 anos
Perda de cabelo > 12 meses variável
Aumento da massa muscular e força 6 – 12 meses 2 – 5 anos
Redistribuição da gordura corporal 3 – 6 meses 2 – 5 anos
Fim das menstruações 2 – 6 meses 2 – 6 meses
Aumento do clitoris 3 – 6 meses 1 – 2 anos
Atrofia vaginal 3 – 6 meses 1 – 2 anos
Engrossamento da voz 3 – 12 meses 1 – 2 anos

https://s3.amazonaws.com/amo_hub_content/Association140/files/Standards%20of%20Care%20V7%20-%202011%20WPATH%20(2)(1).pdf

Como é feita a Terapia Hormonal Feminilizante?

A terapia hormonal feminilizante consiste, de forma geral, na administração de estrogênio combinado com um bloqueador androgênico. Em alguns casos, também pode ser incluído um progestágeno.

A seguir, apresentamos uma visão geral dos medicamentos comumente utilizados nesse processo. No entanto, a escolha do regime terapêutico mais adequado depende de diversos fatores individuais e deve sempre ser feita após avaliação criteriosa pelo médico endocrinologista com experiência no cuidado de pessoas transgênero.

Estrogênios

O principal estrogênio utilizado na terapia de afirmação de gênero é o 17-beta estradiol, um hormônio bioidêntico — ou seja, quimicamente idêntico ao produzido pelos ovários humanos.

Esse hormônio pode ser administrado por diferentes vias: adesivo transdérmico, comprimido oral ou sublingual, ou ainda por injeção (como valerato ou cipionato de estradiol).

Outras formas de estradiol, como gel ou spray transdérmico — formuladas originalmente para tratar sintomas da menopausa — também podem ser utilizadas em mulheres trans, embora, em alguns casos, não alcancem níveis hormonais dentro da faixa fisiológica feminina.

Antiandrogênios

A supressão da produção de testosterona e o bloqueio de sua ação são essenciais para reduzir ou suavizar as características sexuais secundárias masculinas.

É importante destacar que algumas dessas características, uma vez desenvolvidas após a puberdade, podem ser permanentes e difíceis de reverter.

O uso de bloqueadores androgênicos permite alcançar esses efeitos com doses mais baixas de estradiol, evitando os riscos associados ao uso de estrogênio em níveis suprafisiológicos.

Na maioria dos casos, antiandrogênios são utilizados em conjunto com os estrogênios. Entretanto, também podem ser usados isoladamente — por exemplo, por pessoas que desejam inicialmente reduzir a testosterona antes de iniciar o estrogênio, ou que tenham contraindicações ao uso de estrogênios.

Espironolactona

A espironolactona é o antiandrogênico mais comumente prescrito. Embora seja originalmente um diurético poupador de potássio, em doses mais elevadas também atua na inibição da produção de testosterona.

Devido à sua ação diurética, é comum o aumento da frequência e do volume urinário em pessoas que fazem uso contínuo do medicamento.

Inibidores da 5-alfa-redutase

Medicamentos como finasterida e dutasterida pertencem a essa classe. Eles não bloqueiam totalmente a produção ou ação da testosterona, por isso têm um efeito antiandrogênico mais leve em comparação com bloqueadores completos.

Podem ser indicados para pessoas que não toleram a espironolactona ou que tenham contraindicações ao seu uso. Também podem ser uma alternativa para quem busca uma feminização parcial, ou ainda como complemento para aqueles que continuam apresentando características virilizantes (como calvície androgenética) mesmo após bloqueio androgênico total ou orquiectomia.

Efeitos físicos da terapia hormonal feminilizante

A tabela abaixo mostra as principais mudanças esperadas com a terapia hormonal feminilizante, bem como o tempo esperado para que isso aconteça.

Efeito Expectativa de início Efeito máximo
Redistribuição de gordura corporal 3- 6 meses 2- 5 anos
Perda de massa muscular e força 3- 6 meses 1 – 2 anos
Redução da oleosidade da pele / afinamento da pele 3- 6 meses desconhecido
Redução da libido 1 – 3 meses 1 – 2 anos
Redução da ereção expontânea 1 – 3 meses 3- 6 meses
Disfunção sexual masculina variável variável
Crescimento mamário 3 – 6 meses 2 – 3 anos
Atrofia testicular 3- 6 meses 2- 3 anos
Redução na produção de esperma variável variável
Afinamento e redução dos pelos faciais e corporais 6 – 12 meses > 3 anos

https://s3.amazonaws.com/amo_hub_content/Association140/files/Standards%20of%20Care%20V7%20-%202011%20WPATH%20(2)(1).pdf

Mudanças Emocionais
A terapia hormonal pode induzir a importantes efeitos monitorais, para o qual o paciente e sua família devem estar preparados.
Sentimentos, interesses e sexualidade podem flutuar como uma montanha-russa, especialmente no início do tratamento.
Psicoterapia e outras abordagens pode ajudar a aliviar os impactos negativos. Mas, eventualmente, pode ser indicado um ajuste nas doses dos medicamentos.

Fertilidade e controle de natalidade
No início do tratamento, o paciente ainda poderá ter a capacidade de engravidar ou engravidar outra pessoa, o que precisa ser considerado por pessoas sexualmente ativas, para que sejam tomadas as devidas precalções.
Com o tempo, o aparelho reprodutivo fica comprometido. Assim, algumas pessoas podem optar pelo congelamento de óvulos ou esperma, para uma reprodução assistida no futuro.

Mudanças na voz

Diferentemente do que acontece com homens transgênero, as mudanças vocais decorrentes da terapia hormonal são discretos ou ausentes.

Para mulheres transgênero, mudanças significativas nas características da voz somente acontece com a Cirurgia de transformação vocal.

Riscos da Terapia Hormonal Cruzada

Como regra geral, os benefícios da terapia hormonal, quando bem conduzida, superam os riscos eventuais.

Infelizmente, ainda é comum que algumas pessoas iniciem o uso de hormônios sem acompanhamento médico, recorrendo a produtos de origem duvidosa ou do mercado informal. Essa prática, além de ineficaz em muitos casos, aumenta consideravelmente os riscos à saúde.

Fatores de risco e avaliação prévia

Antes de iniciar o tratamento hormonal, é fundamental realizar uma avaliação clínica completa. Certas condições de saúde podem aumentar os riscos associados à terapia hormonal, como:

  • Obesidade;
  • Tabagismo;
  • Alcoolismo;
  • Colesterol elevado;
  • Diabetes;
  • Hipertensão arterial;
  • Histórico pessoal ou familiar de câncer (em especial de mama ou próstata);
  • Histórico de trombose venosa profunda (TVP);
  • Distúrbios de saúde mental, como depressão, ansiedade ou esquizofrenia.

Em todos os casos, o acompanhamento com profissionais especializados — tanto da endocrinologia quanto da saúde mental — é essencial para garantir segurança, bem-estar e resultados positivos ao longo da transição.

Além disso, adotar um estilo de vida mais saudável — com alimentação equilibrada, prática de atividades físicas, abandono do tabagismo e consumo moderado de álcool — é uma medida importante para minimizar riscos e melhorar a resposta ao tratamento.

Possíveis complicações da terapia hormonal

Embora seja geralmente segura quando acompanhada por profissionais, a terapia hormonal pode acarretar alguns efeitos adversos. Entre os principais, destacam-se:

  • Coágulos sanguíneos: A terapia pode aumentar o risco de formação de coágulos, especialmente em pessoas que fumam. Isso pode resultar em trombose venosa profunda (TVP) ou, em casos graves, embolia pulmonar;
  • Problemas cardiovasculares: Há um aumento discreto no risco de infarto agudo do miocárdio, principalmente em pessoas com fatores de risco pré-existentes;
  • Câncer: Em casos raros, o uso prolongado de estrogênios pode aumentar o risco de câncer de mama em mulheres trans. A avaliação individualizada é essencial;
  • Infertilidade: A terapia hormonal pode comprometer a fertilidade. Por isso, antes de iniciar o tratamento, é importante discutir com a equipe médica sobre alternativas como o congelamento de gametas (óvulos ou espermatozoides), especialmente para quem deseja ter filhos no futuro;
  • Hipertensão arterial: O tratamento pode elevar a pressão arterial, sobretudo com o uso prolongado e sem controle adequado;
  • Outros efeitos possíveis: ganho de peso, acne, queda de cabelo (alopecia) e apneia do sono também podem ocorrer, dependendo do organismo e do tipo de hormônio utilizado.