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Pais abusivos

Pais abusivos

Lidar com pais abusivos tende a ser algo difícil e complexo nos sistemas familiares mais diversos. Inclusive, em muitas situações os pais não percebem que adotam uma postura tóxica e abusiva. Por conta dessas questões, trouxemos algumas considerações sobre o tema para que você possa refletir conosco. Confira a seguir!

Características do relacionamento com pais abusivos

Antes de prosseguirmos com algumas orientações pertinentes sobre como lidar com pais abusivos ou como evitar tal postura frente aos filhos, vamos analisar e refletir sobre as características desse tipo de relacionamento.

Conhecer alguns dos principais sinais de comportamentos parentais tóxicos é uma forma de promover a autoanálise e a reflexão frente ao que acontece dentro de casa. Assim, abre-se caminho para implementar mudanças comportamentais que possam aumentar a qualidade de vida de todos os membros familiares e promover uma melhora no relacionamento entre pais e filhos. Acompanhe.

1. Imposição autoritária
Normalmente, pais abusivos adotam uma postura autoritária, que escapa da ideia de autoridade e mergulha no autoritarismo que pode, inclusive, ser sádico.
A imposição autoritária anula a voz dos filhos, fazendo com que apenas os pais tenham direitos dentro de casa. Os filhos são vistos apenas como “cumpridores” dos desejos e comandos dos pais, e não como seres ativos que têm voz e que merecem ser ouvidos.
É o caso de os pais não darem abertura para que o filho escolha algo por conta própria, ou o caso de usar força física, xingamentos e insultos para que a criança ou o adolescente cumpra com o que os pais julgam ser certo.
Os filhos podem ter medo dos pais autoritários, buscando sempre agradá-los, mesmo quando precisam se anular para isso. Assim sendo, é comum que os filhos reflitam muito sobre as próprias atitudes, como se vivessem “andando em ovos”, ou seja, buscam refletir sobre cada ação para evitar desagradar os progenitores que são rígidos de uma forma intensa e até mesmo violenta.
Essa característica, inclusive, tem muita semelhança com um dos sinais do relacionamento tóxico – no sentido amoroso.

2. Punições e castigos
As punições e os castigos, que costumam ser violentos, também aparecem na relação com pais abusivos. Ao invés de haver um diálogo que esclareça o ponto de vista dos pais, os filhos são forçados a aceitar o que os progenitores julgam certo por meio da imposição de força física, ofensas verbais, etc.
A criança ou adolescente também se vê diante de situações nas quais têm os seus “privilégios” cortados. É o caso de os pais não permitirem que o filho saia do quarto para “pensar no que fez”, por exemplo. Esse tipo de castigo privativo tende a ser recorrente e, ainda, acompanhado de violência física, como surras, tapas, arranhões, uso de varinhas de madeira, etc.
Dificilmente os pais apresentarão outra forma de lidar com os erros dos filhos. Para os pais abusivos, a situação de poder os dá liberdade para bater nos filhos como se isso fosse normal e a única forma de “ensinar algo”.
Mas a realidade é que a violência não ensina, apenas castiga. A violência deixa marcas para além do corpo, sobrecarregando o psicológico da criança e do adolescente e resultando em efeitos de longo prazo.

3. Violência física
Como mencionado acima, a violência física costuma ser um dos sinais de comportamentos abusivos por parte dos pais.
Normalmente, os pais estão em uma posição de poder dentro da hierarquia familiar, porém, o poder saudável é equilibrado, no qual os pais permitem que os filhos também tenham certa autonomia e poder dentro da hierarquia familiar. No caso de relacionamento familiar abusivo, esse espaço para os filhos não existe, e os pais se sentem os únicos detentores do poder.
Ao se sentir dessa forma, é muito comum que a violência física comece a aparecer. Os pais se sentem autorizados a tomar atitudes que ferem o corpo e o emocional da criança e do adolescente.
Alguns casos podem ser mais graves, outros deixam menos marcas físicas, mas é fato que toda e qualquer violência posta sobre os filhos é prejudicial para a saúde mental e para o desenvolvimento do ser humano. Por isso, não existe violência ou “tapinha” que possa ser aceitável. A violência NUNCA será um caminho para educar.

4. Manipulação e chantagem
Pais abusivos e tóxicos também podem adotar comportamentos manipuladores e chantagistas. É o caso de dizer para o filho algo como “você não me ama mais, por isso quer viajar sozinho” para tentar convencer de que os pais precisam ir junto do filho a uma viagem que ele deseja fazer.
Obviamente, esse é apenas um exemplo, pois existem inúmeras situações que podem caracterizar esse tipo de situação.
Pais manipuladores podem tentar fazer com que o filho se sinta culpado pelos problemas familiares. Por exemplo, podem dizer que a família se desfez porque o filho é ingrato, ao invés de admitir que os próprios comportamentos violentos possam ter proporcionado a rejeição dos filhos.
Há casos em que os filhos podem ter dificuldade para detectar os sinais de chantagem e manipulação, carregando um sentimento de culpa ao longo de sua vida. Em outras situações, especialmente por meio do acompanhamento terapêutico, o indivíduo pode detectar tais comportamentos e aprender a lidar melhor com eles.
Pais abusivos também demonstram a manipulação ao dar a entender que os filhos possuem dívidas para com os progenitores, como se eles (os filhos) fossem obrigados a retribuir toda a alimentação, moradia e cuidados que receberam dos pais. No entanto, é importante quebrar esse tabu!
Filhos não têm dívidas com os pais. Embora esse sentimento possa existir, cada indivíduo é único. A família tem o dever de dar a subsistência aos filhos, ou seja, eles não estão fazendo um favor para as crianças ao cuidar delas, mas, sim, estão fazendo o mínimo.

5. Degradação da autoestima do filho com críticas excessivas
Os pais abusivos também podem ter o hábito de criticar os filhos excessivamente. É como se tudo o que o filho faz é insuficiente, inadequado, ruim e de pouco valor. Assim, a autoestima do indivíduo tende a ficar abalada, uma vez que o discurso recorrente dos pais é absorvido como uma verdade.
Afinal, quando a criança e o adolescente está se desenvolvendo, pode enxergar nos pais a verdade e confiar em tudo o que os progenitores falam. Logo, se os pais criticam excessivamente e estão sempre diminuindo o indivíduo, este passará a acreditar nesse discurso.

6. Desejo de demonstrar poder sobre os filhos
Em casos de pais abusivos, também é muito comum observarmos uma necessidade de demonstrar um certo poder sobre os filhos. É como se o pai ou a mãe quisesse deixar claro, de forma recorrente, “quem é que manda” em casa.
Para isso, comportamentos abusivos, violentos e desproporcionais são postos em prática. Há momentos recorrentes em que os pais levantam a voz, partem para a violência física, insultam, privam o filho de ir e vir, ignoram o que a prole fala, e assim por diante.

7. Respeito atingido pelo medo
Infelizmente, uma das principais características do relacionamento com pais abusivos é o medo. O filho, diante de toda a violência (seja ela física ou psicológica) pode sentir medo dos pais, respeitando-os apenas a partir disso.
Ou seja, os filhos não têm respeito, de fato, pelo pai e pela mãe, no sentido de respeitar quem eles são e a sua posição. Mas, sim, têm respeito por conta do medo.
Dito de outro modo, os filhos só obedecem por medo, e não porque compreendem porque devem agir de determinada maneira.
Esse tipo de situação pode impedir que a criança ou o adolescente internalize questões morais, crendo que tem que se moldar de acordo com o meio, e não de acordo com o que ele julga certo ou errado. Isto é, se ele sofre violência, se adapta. Se não sofre, age de forma inadequada, uma vez que não é repreendido por meio da violência. Ou seja, apenas não comete erros por medo, mas, quando o medo é ausente, os erros são cometidos por não compreender a consequência destes.

8. Ameaças
As ameaças também tendem a ser recorrentes na dinâmica de relacionamento com pais abusivos. Por isso, o medo, que mencionamos acima, tende a existir.
Os pais ameaçam bater, tirar algo dos filhos, privá-los de sair de casa, entre outras ameaças que ferem o bem-estar, a integridade física e a saúde mental do indivíduo.
As ameaças podem ser desde as mais “leves” até as mais graves e intensas.

Como evitar ser um pai abusivo?

Como mencionamos no início deste conteúdo, muitas vezes os pais podem adotar posturas abusivas e nem se dão conta disso. Por isso, reconhecer as características que citamos no primeiro tópico e refletir sobre medidas que podem ajudar a prevenir o problema contribuem para a construção de melhorias no relacionamento familiar. Veja, a seguir, alguns desses pontos de reflexão:

1. Diálogo ao invés de punição
Dialogar ao invés de punir é algo interessante e muito importante. A punição, especialmente quando baseada em comportamentos violentos, pode apenas reforçar a ideia de que bater, xingar ou ofender é uma forma de “educar” e de resolver problemas. Já o diálogo ajuda a criança ou o adolescente a entender quais foram as atitudes inadequadas; por que elas são consideradas como tal; quais as consequências dela para as pessoas à volta da criança e para ela mesma; entre outros pontos.
Além disso, o diálogo ajuda a criança a pensar em quais mudanças ela pode colocar em prática na hora de ter comportamentos mais positivos e que promovam interações mais felizes e saudáveis para ela mesma.
Diferentemente da punição, que apenas diz que algo é errado, não mostra o caminho certo e fortalece a ideia de que a violência é um caminho.

2. Auxílio nas reflexões
Auxiliar a criança ou o adolescente na hora de refletir sobre as próprias atitudes é uma forma de prevenir a postura de pais abusivos.
Essa reflexão é uma forma de permitir que os filhos pensem sobre as próprias atitudes e as consequências de tais atos. Assim, é possível considerar mudanças que tragam benefícios para todos os envolvidos.
Por exemplo, se o filho quer faltar à escola e “matou aula”, ao invés de puni-lo com violência, é interessante dialogar e refletir, com ele, sobre as consequências de tais atos: problemas com as notas; dificuldade para manter uma rotina escolar qualificada; problemas que irão aparecer no futuro; arrependimento; vergonha que o comportamento pode proporcionar ao ser detectado; refletir sobre o fato de que os potenciais benefícios que o comportamento traz são nulos ou pouco significativos e que outras práticas, saudáveis e adequadas, podem proporcionar mais bem-estar do que o comportamento deturpado; etc.

3. Induções às mudanças e não imposições
Incentivar as mudanças positivas, ao invés de querer impor transformações no filho, é um caminho que também pode ser seguido nesse caso.
Como vimos acima, dialogar pode ser interessante, pois ajuda a criança a se auto induzir às mudanças, diferentemente do que acontece quando os pais tentam apenas impor a força bruta.
Lembre-se de que a família é um microssistema que deve direcionar a prole, ajudando-a a refletir sobre o que é certo e errado, internalizando os valores e princípios sociais. Ou seja, não é um lugar frio que deve apenas punir o errado e pronto.

4. Autoanálise
Como você tem interagido com os seus filhos? Qual tom de voz você usa na hora de repreendê-los? Você costuma impor castigos? Você já foi violento com os seus filhos?
Esses e outros questionamentos, baseados na autoanálise, podem ajudar na hora de detectar comportamentos inadequados e que caracterizam uma postura de pai abusivo, visando extingui-los e substituí-los por atitudes mais saudáveis e equilibradas.

5. Buscar ajuda profissional
Muitas vezes, os pais podem ter dificuldade para lidar com o papel da parentalidade, tendo dificuldades, inclusive, para detectar os seus comportamentos inadequados. Nessas situações, a busca por ajuda profissional pode ser bastante válida. Conversar com um psicólogo sobre as dúvidas, buscar compreender melhor as próprias emoções e reações são medidas pertinentes.
Não descarte essa possibilidade. Autoconhecer-se e descobrir mais sobre os próprios comportamentos pode ajudar – e muito – na hora de melhorar o relacionamento familiar.

Como os filhos podem lidar com pais abusivos?

Pensando, agora, no outro lado da moeda, descrevemos, logo abaixo, algumas considerações que podem ser levadas em conta pelos filhos, tanto no caso de crianças e adolescentes, quanto no caso de adultos. Veja:

1. Buscar ajuda profissional – Conselho Tutelar ou Disque 100
Crianças e adolescentes podem discar o número 100 no telefone para entrar em contato com um profissional qualificado que possa ajudá-lo nessa situação. A ligação é gratuita e sigilosa, o que garante a proteção nesse caso. Para isso, é interessante escolher um ambiente da casa em que você não será interrompido durante a chamada.
Caso não seja possível fazer a ligação, é válido procurar o Conselho Tutelar da sua cidade.

2. Buscar apoio psicológico
Se há a possibilidade de você se bancar e buscar apoio psicológico, essa pode ser uma ação posta em prática. O apoio psicológico proporcionará uma escuta qualificada para as suas angústias, ajudando-o a enfrentar a situação de uma forma mais equilibrada e que respeite os seus limites.

3. Se for adulto, posicione-se e imponha limites
Embora não seja a coisa mais simples do mundo, saber se impor diante de pais abusivos é muito importante.
Afinal, não há nada de errado em dizer que determinado comportamento dos pais é inadequado e que você não quer que se repita.
Adolescentes e crianças também podem impor limites nesse sentido, porém, é necessário cautela na hora de conversar e dialogar com pais abusivos, pois eles podem criar, na mente deles, que você está afrontando e sendo rebelde. Por isso, cuidar na hora de falar sobre o assunto e buscar ajuda profissional é relevante.
Agora, com relação aos adultos, esse posicionamento pode criar uma individualização, que mostrará que você, filho, é uma pessoa com desejos e vontades, e não alguém que deve acatar com o que os pais almejam.

4. Terapia familiar
Convidar os pais para participar de um grupo de terapia familiar também pode ajudar, especialmente quando os progenitores demonstram interesse em mudar tais comportamentos tóxicos.
Por meio da terapia é possível analisar as mais diversas situações de dinâmicas familiares, refletindo sobre o papel e o poder de cada um dentro do lar. As atitudes e ações das pessoas também são analisadas, ressignificadas e mudadas quando necessário e pertinente.

5. Se você é criança, converse com um adulto de confiança
Se você ainda é criança e não sabe onde encontrar ajuda, considere conversar com algum adulto que você sabe que pode confiar. O adulto poderá ajudá-lo a resolver a situação, protegendo-o de uma forma legal e possível.
Você pode conversar com um tio, primo, pai ou mãe de amigo, professora ou professor, etc. Apenas lembre-se de escolher alguém que você confia e que não te deixa desconfortável na hora de falar sobre o assunto.
E não tenha medo de contar para a pessoa que você confia, pois é um direito seu buscar um lar que seja mais saudável e menos agressivo. Você tem o direito de crescer em um ambiente afetuoso, sendo protegido por sua família. E, ainda, a culpa dessa situação toda nunca foi e nunca será sua.

6. Afaste-se se fizer sentido para você
Se você tiver essa possibilidade, ou seja, já for um adulto independente, não se sinta obrigado a manter os laços com a família pelo simples fato de ser família. Não existe um contrato que nos obrigue a nos mantermos próximos de pessoas que nos fazem mal. Não é porque compartilham do mesmo sangue que você precisa passar por esse tipo de situação.
Portanto, se fizer sentido para você, considere afastar-se dos pais abusivos, focando na sua saúde, na sua vida e no seu bem-estar. Você não tem a obrigação de manter-se por perto de seus progenitores apenas por conta do laço de sangue. Foque em priorizar o seu bem-estar e isso poderá ajudá-lo a seguir a sua vida de uma forma mais leve.
Não se culpe caso venha a se afastar e lembre-se de que há motivos para tais comportamentos. Cuide-se e proteja-se!

Referências
CECCONELLO, Alessandra Marques; DE ANTONI, Clarissa; KOLLER, Sílvia Helena. Práticas educativas, estilos parentais e abuso físico no contexto familiar. Psicologia em estudo, v. 8, p. 45-54, 2003