Aspectos psicológicos do jovem talento esportivo
Aspectos psicológicos do jovem talento esportivo
Os aspectos psicológicos de um jovem talento esportivo podem se diferenciar bastante dos atletas mais maduros e consolidados. A adolescência é um período marcado por intensas transformações físicas, emocionais e sociais. Crianças e adolescentes que se destacam pelo alto desempenho esportivo enfrentam, simultaneamente, os desafios próprios do desenvolvimento humano, como a construção da identidade, a busca por autonomia, as mudanças hormonais e as pressões sociais.
Nesse contexto, é importante reconhecer que a maturação cerebral, psíquica e emocional ainda não está completa. Isso pode gerar vulnerabilidades que exigem atenção especial da família e dos profissionais envolvidos — como treinadores, psicólogos, professores e médicos do esporte.
Pensando nisso, desenvolvemos este conteúdo com uma série de informações importantes sobre a dimensão psicológica do jovem atleta. Acompanhe os próximos tópicos para saber mais e entender como oferecer o suporte adequado nesse momento tão delicado e decisivo da formação esportiva.
Fatores que afetam a saúde mental do Jovem Talento Esportivo
Listamos abaixo 10 pontos de atenção que ajudam a moldar a saúde mental do jovem talento esportivo.
- Constituição do Papel Profissional de Atleta
A formação da identidade profissional geralmente ocorre no fim da adolescência ou início da vida adulta, quando o jovem escolhe uma carreira e ingressa em uma faculdade, por exemplo. No entanto, no esporte, esse processo pode ocorrer de forma precoce.
Em muitos casos, crianças ainda em fase escolar precisam tomar decisões que moldam sua identidade como atletas. Essa antecipação de responsabilidades pode gerar conflitos, especialmente porque o papel infantil ainda está sendo vivenciado. A rotina intensa do esporte pode, inclusive, afastar o jovem de experiências típicas da infância, provocando sobrecarga emocional.
- Maturação Psicológica em Desenvolvimento
O desenvolvimento cerebral e emocional ocorre gradualmente durante a infância, adolescência e até a fase jovem-adulta. Nesse contexto, as exigências do esporte de alto rendimento podem ser benéficas ou prejudiciais, dependendo da forma como são conduzidas.
Excesso de pressão pode desencadear estresse, ansiedade, irritabilidade e frustração, afetando negativamente o desenvolvimento. Por isso, o suporte psicológico qualificado é essencial para prevenir sobrecargas emocionais.
- Desenvolvimento da Identidade
Durante a infância e adolescência, o ser humano constrói a base de sua identidade — incluindo visão de mundo, valores, comportamentos e sonhos. No caso do jovem atleta, a pressão por resultados e a exposição precoce ao ambiente esportivo podem influenciar essa construção de forma profunda.
A aceleração desse processo pode gerar impactos duradouros, fazendo com que o jovem pule etapas fundamentais para seu desenvolvimento pessoal.
- Papel da Família
A família exerce papel central na formação e na manutenção da motivação do jovem atleta. Um ambiente familiar acolhedor, que valoriza o desenvolvimento integral da criança, pode ser determinante na boa relação dessas crianças com o esporte.
Em contrapartida, a ausência de apoio ou a imposição excessiva de metas pode levar ao desinteresse e até ao abandono da prática esportiva. Isso geralmente não é expressado de forma clara pelo jovem atleta.
- O “Ganhar” Como Único Objetivo
A cultura do “vencer a qualquer custo” pode ser altamente prejudicial para crianças e adolescentes. A frustração diante de derrotas pode ser devastadora quando a vitória é vista como única possibilidade de sucesso.
O convívio com o sucesso e o fracasso faz parte da rotina até mesmo dos melhores atletas, independentemente da modalidade esportiva. Saber “virar a chave” e aprender a tirar lições dos momentos dificuldades ajudará essas crianças a potencializarem cada vez mais seus talentos.
É fundamental que treinadores, pais e demais envolvidos ajudem o jovem a compreender a importância do processo, valorizando o aprendizado, o esforço e o crescimento pessoal, independentemente dos resultados.
- Desenvolvimento da Psicomotricidade e Sociabilidade
Apesar dos desafios, o esporte tem um enorme potencial positivo para o desenvolvimento da psicomotricidade e das habilidades sociais do jovem. A prática esportiva pode estimular o trabalho em equipe, a disciplina, o respeito às regras e a convivência com a diversidade.
Contudo, para que esses benefícios sejam efetivos, é essencial que o ambiente esportivo promova a saúde mental e respeite os limites individuais do jovem atleta.
- Negligência das Emoções
Muitas vezes, as emoções do jovem atleta são negligenciadas pelos adultos à sua volta. O foco excessivo no desempenho técnico e físico pode deixar de lado aspectos emocionais fundamentais.
Todos os atletas, independentemente do nível de competição, têm uma personalidade que vai além do “eu atleta”. Em outras palavras, aquilo que o adolescente faz fora do campo ou da quadra também deve ser valorizado para que ele atinja o máximo de seu potencial dentro e fora do ambiente esportivo.
Treinadores e profissionais de apoio devem criar um ambiente de escuta e empatia, validando as emoções e preocupações do atleta em desenvolvimento.
- Projeção dos Pais: Quando os Sonhos Não São da Criança
Pais e responsáveis, mesmo que de forma inconsciente, podem projetar seus próprios sonhos nos filhos. Isso pode levar à imposição de rotinas exaustivas e ao apagamento dos desejos da criança.
Nem sempre é fácil para a criança ou para a família reconhecer que aquele sonho não é seu, mas de seus pais. Especialmente quando crescem em um ambiente que associe a falta do rendimento esportivo a uma situação de fracasso.
- Afastamento do Contexto Social
A rotina intensa dos treinos e competições pode afastar o jovem de sua rede social tradicional. A saudade dos amigos, da escola e das atividades cotidianas pode provocar tristeza, solidão e estresse.
É fundamental manter espaços de convívio social, permitindo que o jovem continue exercendo seu papel dentro da comunidade em que está inserido.
Quando “nada mais importa além do esporte”, é comum que esses jovens desenvolvam quadros como o Burnout esportivo, que em última análise prejudicam também o seu desenvolvimento atlético.
- Dificuldades de Socialização e Comunicação
A rotina esportiva pode tanto melhorar quanto prejudicar a socialização do jovem atleta. Em alguns casos, o jovem se sente como um “produto”, com pouca liberdade para expressar opiniões ou emoções.
Para evitar isso, é necessário fomentar o diálogo, valorizar a escuta ativa e garantir um ambiente de respeito e acolhimento.
Como a família pode incentivar o jovem talento esportivo?
A família pode fomentar a saúde mental, o bem-estar e a qualidade de vida do jovem talento esportivo que, agora, enfrenta grandes desafios, mudanças e transformações em sua vida. Para isso, um ambiente saudável e baseado na comunicação é algo que pode fazer a diferença. Além disso, outras ações podem ser bem-vindas nesse momento.
Claro que cada família é única e possui as suas regras e dinâmicas, logo, não existe método infalível de apoiar o jovem talento. O que existem são ações possíveis que podem criar uma atmosfera mais saudável e acolhedora para os jovens. A seguir, destacamos algumas considerações que podem ser usadas com base nessa premissa:
1. Evitar projeções de interesses
Um cuidado muito importante, que parte do pressuposto de que a família deve fazer a sua autoanálise frente aos próprios comportamentos que adota, é com relação à projeção que é feita sobre o jovem talento.
Será que os desejos do atleta estão sendo atendidos? Ou por trás de cada conquista há uma “forçação” de barra provocada pela família, que ancora no filho a possibilidade satisfazer os seus desejos reprimidos?
Por exemplo, se o pai, apaixonado por futebol, desejou ser jogador um dia, vê no seu filho a chance de consolidar esse plano, levando-o à exaustão nos treinos e nas metas que devem ser atingidas no esporte. Consequentemente, essa projeção estará anulando o desejo do jovem talento, reduzindo-o a um mero reprodutor dos desejos do pai.
Por isso, é imprescindível que a família tenha um olhar atento para os próprios comportamentos e não projete em sua prole os desejos constituídos em si mesma.
2. Incentivar a prática esportiva
O incentivo à prática esportiva é um caminho que pode contribuir para a motivação e o foco do jovem talento. Não estamos dizendo que é necessário obrigar que o filho treine até ficar exausto, mas incentivar, demonstrando que acredita no jovem e que estará com ele durante as adversidades advindas dessa nova fase da vida, é uma forma de demonstrar incentivo e cuidado.
3. Ser um exemplo no que diz respeito ao esporte
Quantas vezes você já viu casos de violência e intolerância no esporte? Quantas vezes se deparou com comportamentos agressivos entre torcidas, e atitudes totalmente deploráveis nesse sentido? Pois é!
Em se tratando do jovem talento no esporte, a família pode projetar a constituição de uma visão errônea ou sadia da competitividade. Por exemplo, se a família demonstra comportamentos agressivos com relação aos adversários, xingando e demonstrando uma postura violenta, como o filho poderá absorver uma visão diferente da competitividade?
Por isso, é muito importante que a família tome cuidado com a forma como aborda o adversário e o papel de quem está “do outro lado” do jogo, visando auxiliar o jovem talento na constituição de um autocontrole diante das perdas ou provocações que possa sofrer no esporte.
Sem esse amparo, e diante do desenvolvimento psíquico do adolescente, o indivíduo poderá adotar comportamentos agressivos e violentos, que serão prejudiciais para a sua imagem, vida e saúde mental.
4. Saber escutar e acolher as emoções dos filhos
Oferecer um suporte emocional também é uma das formas de auxiliar o filho na hora de enfrentar os aspectos psicológicos do jovem talento esportivo.
Lembre-se de que você não está diante de um adulto com desenvolvimento emocional consolidado, mas, sim, diante de um jovem que ainda tem muito o que aprender e explorar, o que pode gerar medo, angústia, desequilíbrios emocionais e outros fatores nele.
Preste atenção nas emoções do jovem, ampare-o e escute-o sem julgamentos. Ajude-o a entender o que sente e o que pode ser feito com relação a isso.
5. Ressignificar o desejo incessante de ganhar
Como vimos no decorrer deste texto, muitas vezes o jovem talento pode ver, no esporte, o objetivo de ganhar como sendo a única coisa possível.
Sendo assim, a família pode atuar como uma mola propulsora de reflexões e ressignificações diante disso. É o caso de fazer com que o jovem pense no esporte por outras vias e outros propósitos, como o desenvolvimento físico, os laços que são criados com os colegas, a possibilidade de construir trabalhos em equipe, os projetos que são criados a partir do esporte, etc., tirando o foco pleno do ganho.
Isto é, a família pode ajudar o jovem a compreender que a vitória é importante, mas que ela não é a única coisa que importa.
6. Ressignificar o papel da perda
Da mesma forma que o desejo incessante de ganhar pode ser ressignificado, a família também pode trazer novas perspectivas sobre a perda.
Ensinar uma pessoa a perder é valioso e a ajuda a lidar com as frustrações que poderão ser vividas no decorrer de sua vida.
Por isso, a família pode demonstrar que a perda ensina, fortalece, traz novos horizontes, expande a mente e multiplica possibilidades frente às mudanças que podemos aderir, convidando o jovem para reflexões sobre o que ocorreu na perda e o que pode ser absorvido disso.
7. Procurar apoio psicológico
Sem dúvidas, a psicologia esportiva também pode oferecer um suporte a mais no caso dos aspectos psicológicos do jovem talento esportivo. Isso porque o indivíduo terá a chance de ter as suas emoções mais íntimas escutadas, ao mesmo tempo em que consegue pôr em palavras os seus pensamentos e medos.
Além disso, o psicólogo poderá auxiliá-lo a lidar com as crises emocionais, problemas advindos do esporte, traçar metas para o futuro, entre outras ações pertinentes.
8. Fomentar outras práticas saudáveis
Fomentar outras práticas saudáveis, como encontro com amigos, passeios, contato com familiares, hobbies que não estejam atrelados ao esporte em si, entre outras medidas, também contribui para um aumento da qualidade de vida e do bem-estar do sujeito.
Outro ponto relevante, com relação a isso, é que uma vida que considera outras atividades saudáveis pode tirar o foco pleno do esporte, fazendo com que o sujeito se enxergue para além da rotina esportiva.
9. Estímulo à comunicação e ao diálogo
A comunicação e o diálogo, dentro da família, também pode criar um espaço mais acolhedor, sadio e confortável para o jovem talento. Ao perceber que tem voz e espaço para se abrir, queixar-se ou simplesmente solicitar algum conselho, o jovem poderá se sentir mais amparado, seguro e a sua autoestima também poderá ser mais positivamente explorada.
Por isso, conversar com o jovem, perguntar, se fazer presente, entre outras ações nesse sentido, é uma das formas de apoiá-lo frente às questões vividas por conta do seu talento esportivo.
10. Cuidado com as metas irreais e comparações
O cuidado com as metas irreais também deve ser considerado. Às vezes, a família e os treinadores podem estar exigindo resultados que ultrapassam os limites do indivíduo, sobrecarregando-o, frustrando-o e causando impactos na saúde física e mental.
O mesmo vale para as comparações: as metas devem ser alinhadas ao sujeito, e nunca comparadas com o desempenho de outros esportistas.
Lembre-se de que estamos diante de um sujeito em desenvolvimento, e não de um robô. Isso é muito importante para evitar condutas que fomentem efeitos emocionais negativos.
Referências
DE LIMA FABRIS, F.; MORÃO, K. G.; MACHADO, A. A. Influência parental no esporte: uma revisão da psicologia do esporte. Lecturas: Educación Física y Deportes, v. 25, n. 272, 2021.
MARKUNAS, M. Psicologia do esporte no desenvolvimento do papel profissional de atleta. Rev. bras. psicol. esporte, São Paulo , v. 1, n. 1, p. 01-13, dez. 2007 . Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1981-91452007000100011&lng=pt&nrm=iso>. acesso em 10 nov. 2022.
SILVA, P. V. C.; FLEITH, D. S.. Atletas talentosos e o papel desempenhado por suas famílias. Rev. bras. psicol. esporte, São Paulo , v. 3, n. 1, p. 42-63, jun. 2010 . Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1981-91452010000100004&lng=pt&nrm=iso>. acesso em 10 nov. 2022.