Oncogenética
A oncogenética é a área da genética médica que estuda a relação entre alterações genéticas herdadas e o risco aumentado de desenvolvimento de câncer. Essas mutações podem ser transmitidas de geração em geração e, quando identificadas precocemente, possibilitam rastreamentos mais precoces e frequentes, buscando a identificação e tratamento precoce de um câncer. Em alguns casos, até mesmo tratamentos cirúrgicos “preventivos” podem ser considerados. O que é Oncogenética?
Quando a Investigação pela Oncogenética é Indicada?
A avaliação genética (testagem e/ou aconselhamento genético) é indicada principalmente quando há sinais de predisposição hereditária ao câncer.
Mostramos as principais indicações na tabela abaixo
Tipo de Câncer | Genes Relacionados | Indicações para Investigação Genética |
Mama | BRCA1, BRCA2, TP53, CHEK2, PALB2 | – Diagnóstico < 50 anos- Câncer bilateral ou multifocal- Homem com câncer de mama- História familiar relevante |
Ovário (alto grau) | BRCA1, BRCA2, genes da síndrome de Lynch | – Todas as mulheres com carcinoma seroso de alto grau, independentemente da idade ou histórico |
Próstata (agressivo ou metastático) | BRCA1, BRCA2, ATM, CHEK2, HOXB13 | – Diagnóstico em idade precoce- Doença metastática- História familiar de câncer de mama/próstata |
Colorretal | MLH1, MSH2, MSH6, PMS2, APC, MUTYH | – Diagnóstico < 50 anos- Polipose (>10 pólipos)- História familiar- Tumores sincrônicos/metacrônicos |
Endométrio | MLH1, MSH2, MSH6, PMS2 | – Diagnóstico < 50 anos- História familiar de câncer colorretal/endometrial |
Pâncreas | BRCA1, BRCA2, PALB2, STK11, CDKN2A | – História familiar- Tumores pancreáticos antes dos 60 anos- Tumores associados a outros tipos de câncer hereditário |
Melanoma | CDKN2A, BAP1 | – Múltiplos melanomas- História familiar de melanoma e/ou câncer de pâncreas |
Tumores múltiplos / raros | TP53, PTEN, SDHx, outros | – Sarcomas, adrenocorticais, gliomas, meduloblastomas em crianças- Múltiplos tumores primários |
Câncer de Mama
Cerca de 5% a 10% dos casos de câncer de mama são causados por mutações genética hereditárias.
Os genes mais envolvidos são:
- BRCA1 e BRCA2 (associados a alto risco de câncer de mama e ovário);
- Outros genes: TP53, PALB2, CHEK2, ATM, CDH1, entre outros.
Deve-se suspeitar que o câncer de mama tenha origem genética em algumas situações atípicas, incluindo:
- Câncer de mama ocorre antes dos 50 anos;
- Câncer de mama bilateral ou multifocal;
- Homem com câncer de mama na família;
- Presença de câncer de ovário ou pâncreas na família;
- História familiar forte (múltiplos casos de câncer de mama ou ovário em parentes de primeiro e segundo grau);
- Pacientes com ascendência judaica ashkenazi, grupo com maior prevalência de mutações BRCA.
Para mulheres com diagnóstico confirmado de câncer de mama, algumas decisões terapêuticas podem ser baseadas no perfil genético:
- Uso de inibidores de PARP em pacientes com mutações BRCA e câncer avançado;
- Evitar radioterapia em portadoras de mutações como TP53 (síndrome de Li-Fraumeni).
No caso dos familiares, uma vez que a investigação indique risco aumentado para câncer de mama, um rastreamento mais próximo e mais precoce será indicado. O objetivo é a identificação mais precoce de um eventual câncer, quando a chance de sucesso com o tratamento aumenta.
Eventualmente, poderá ser considerada a cirurgia com mastectomia bilateral profilática e ooforectomia (retirada dos ovários) preventiva, em portadoras de mutações de alto risco (ex: BRCA).
O rastreamento deve considerar não apenas o câncer de ovário, mas também outros cânceres associados (ex: mama, próstata, pâncreas).
Câncer de Ovário
O papel da oncogenética no câncer de ovário é central, pois esse tipo de câncer tem uma das maiores proporções de casos hereditários entre todos os cânceres ginecológicos. Estima-se que até 20% a 25% dos cânceres de ovário epitelial de alto grau estejam associados a mutações germinativas hereditárias.
Os principais genes associados são:
- BRCA1 e BRCA2: responsáveis por 15–20% dos casos de câncer de ovário epitelial de alto grau;
- MLH1, MSH2, MSH6, PMS2: genes relacionados à síndrome de Lynch, que pode incluir câncer de ovário;
- Outros genes de predisposição mais raros: RAD51C/D, BRIP1, PALB2, entre outros.
A testagem genética é recomendada para todas as pacientes com diagnóstico de:
- Câncer de ovário epitelial de alto grau, independentemente da idade ou histórico familiar;
- Câncer de ovário de tipo seroso, endometrioide ou claro com critérios de alto risco;
- História familiar de câncer de ovário, mama precoce, pâncreas ou próstata metastático;
- Ascendência judaica ashkenazi.
O rastreamento genético tem benefícios tanto para a paciente como para familiares próximos.
Para a paciente:
- Mutações em BRCA1/2 podem se beneficiar do tratamento com inibidores de PARP (ex: olaparibe), que retardam a progressão e sobrevida.
- Evita quimioterapia desnecessária em determinados subgrupos, conforme perfil molecular;
- Permite o rastreamento para outros cânceres associados às mesmas alterações genéticas (mama, colorretal ou endométrio, dependendo da síndrome identificada).
No caso dos familiares próximos, uma vez que a investigação indique risco aumentado para câncer de ovário, um rastreamento mais próximo e mais precoce será indicado. O objetivo é a identificação de um eventual câncer ainda em seus estágios iniciais, quando a chance de sucesso com o tratamento aumenta.
Como o câncer de ovário geralmente é diagnosticado em estágios mais avançados, a oncogenética tem grande potencial preventivo, ao permitir ações profiláticas em mulheres de risco elevado antes do desenvolvimento da doença.
Algumas mulheres saudáveis, mas com mutações, podem ainda optar pela remoção preventiva dos ovários e tubas uterinas (Salpingo-ooforectomia profilática).
O rastreamento deve considerar não apenas o câncer de ovário, mas também outros cânceres associados (ex: mama, próstata, pâncreas).
Câncer de Próstata
Estima-se que cerca de 5% a 10% dos casos de câncer de próstata tenham base genética hereditária. Esse número sobe para 20%–25% em casos metastáticos ou com histórico familiar forte.
Os genes mais comuns associados são:
- BRCA2 (mais fortemente relacionado);
- BRCA1;
- ATM;
- CHEK2;
- HOXB13;
- Genes da síndrome de Lynch (MLH1, MSH2, MSH6, PMS2).
O teste genético é indicado nos seguintes casos:
- Câncer de próstata metastático, de alto grau ou castração-resistente;
- Diagnóstico de câncer de próstata em idade precoce (< 55 anos);
- Histórico familiar de cânceres hereditários, especialmente próstata (em múltiplos familiares), mama e/ou ovário (especialmente antes dos 50 anos), pâncreas ou melanoma.
- Ancestralidade judaica ashkenazi;
- Presença de múltiplos tumores primários no paciente.
Para pessoas com câncer de próstata diagnosticado, algumas decisões terapêuticas podem ser consideradas com base nos achados do teste genético:
- Portadores de mutações em BRCA1/2 e ATM podem se beneficiar de inibidores de PARP (ex: olaparibe);
- Terapia hormonal, quimioterapia e imunoterapia podem ser influenciados.
No caso dos familiares próximos, uma vez que a investigação indique risco aumentado para câncer de próstarta, um rastreamento mais próximo e mais precoce será indicado. O objetivo é a identificação de um eventual câncer ainda em seus estágios iniciais, quando a chance de sucesso com o tratamento aumenta.
O rastreamento dve considerar não apenas o câncer de próstata, mas também outros cânceres associados (ex: mama, ovário, pâncreas).
Câncer colorretal
Aproximadamente 5% a 10% dos cânceres colorretais são causados por síndromes genéticas hereditárias bem definidas, como a Síndrome de Lynch ou a Polipose Adenomatosa Familiar.
Algumas condições indicam maior probabilidade da associação do câncer com uma mutação genética, quando os testes genéticos devem ser considerados:
- Diagnóstico de câncer colorretal antes dos 50 anos;
- Dois ou mais tumores primários em uma mesma pessoa (colorretal ou outros da síndrome);
- História familiar sugestiva;
- Presença de polipose colônica (>10 pólipos);
- Tumores com instabilidade de microssatélites (MSI) ou perda de proteínas de reparo (MLH1, MSH2, MSH6, PMS2) na imuno-histoquímica.
No paciente com câncer colorretal diagnosticado, o rastreamento genético pode em alguns casos influenciar na investigação e no tratamento, incluindo:
- Rastreamento e identificação precoce de outros cânceres associados à mesma alteração genética;
- Realização de cirurgias profiláticas ou mais amplas;
- Pode contribuir para a indicação de outros tratamentos, como a imunoterapia.
Nos familiares, a identificação de uma maior predisposição genética indica um rastreamento mais precoce e frequente, buscando a identificação precoce de um eventual câncer, quando as possibilidades terapêuticas são melhores. Em alguns casos, cirurgias profiláticas podem ser consideradas.
Câncer de Endométrio
Cerca de 5% a 10% dos casos de câncer de endométrio têm origem hereditári, sendo que a principal condição genética associada é a Síndrome de Lynch.
A síndrome é causada por mutações nos genes de reparo do DNA: MLH1, MSH2, MSH6, PMS2.
Mulheres com a Síndrome de Linch apresentam risco cumulativo de até 40% a 60% de desenvolver câncer de endométrio ao longo da vida. Em muitos casos, o câncer de endométrio é o primeiro tumor a surgir, podendo se desenvolver antes do câncer colorretal.
Pacientes com maior risco de câncer com influencia genética e que portanto devem ser encaminhadas para fazer o teste genético incluem:
- Câncer de endométrio antes dos 50 anos;
- História familiar de câncer de endométrio e/ou colorretal em parentes de primeiro grau;
- Diagnóstico de múltiplos tumores primários (endométrio, colorretal, ovário, estômago, etc.).
Uma vez identificada a Síndrome de Lynch, é possível fazer um rastreamento mais precoce e frequente para outros tipos de câncer frequentemente vistos na síndrome, como colorretal, ovário, estômago e vias urinárias, entre outros. Isso é válido não apenas para a mulher com câncer de endométrio mas também para seus familiares próximos.
Câncer de Pâncreas
Cerca de 5% a 15% dos casos de câncer de pâncreas estão ligados a síndromes genéticas ou mutações, sendo que o principal subtipo associado a causas genéticas é o adenocarcinoma ductal pancreático.
A testagem genética é recomendada para todos os pacientes com adenocarcinoma pancreático, especialmente nos seguintes contextos:
- Histórico familiar de câncer de pâncreas (em ≥2 parentes de primeiro grau);
- Histórico pessoal ou familiar de câncer de mama, ovário, próstata ou melanoma;
- Ancestralidade judaica ashkenazi;
- Idade precoce ao diagnóstico;
- Câncer pancreático metastático ou irressecável, mesmo sem histórico familiar;
- Indivíduos assintomáticos com mutação conhecida na família.
Para o paciente com câncer de pâncreas, a identificação de certas mutações pode ajudar a direcionar o tratamento:
- Tumores com mutações em BRCA1/2, PALB2 ou ATM podem responder melhor a inibidores de PARP (como olaparibe) e à platina;
- Tumores com instabilidade de microssatélites (MSI-H) podem se beneficiar de imunoterapia (ex: pembrolizumabe).
Nos familiares dos pacientes com câncer de pâncreas, a identificação de predisposição genética permite um rastreamento mais precoce e frequente, não apenas para o câncer de pâncreas mas também para outros cânceres associados à mutação genética identificada.
Melanoma
Embora a maioria dos melanomas seja esporádica, 5% a 10% dos casos têm origem hereditária.
A oncogenética atua na identificação de mutações que aumentam o risco de desenvolver melanoma. O CDKN2A é o gene mais comum associado ao melanoma familiar, embora outros genes possam também estar associados.
Uma vez que se identifique uma predisposição ao melanoma, é possível:
- Iniciar rastreamento dermatológico precoce (exames periódicos de pele com dermatoscopia).
- Promover mudanças no estilo de vida, como proteção solar rigorosa.
- Realizar rastreamento de outros tumores associados às mesmas mutações genéticas, como câncer de pâncreas, nos portadores de mutações específicas (ex: CDKN2A).