Medicina Fetal
O que é a Medicina Fetal?
A Medicina Fetal é uma subespecialidade da Ginecologia que atua no diagnóstico, monitoramento e, quando possível, no tratamento de doenças do feto ainda dentro do útero.
É uma área de atuação reconhecida pela Associação Médica Brasileira (AMB), sendo que o título de Atuação em Medicina Fetal é concedido pela FEBRASGO (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia), após prova específica e comprovação de experiência prática.
Ela tem como objetivos:
- Identificar precocemente anomalias fetais;
- Avaliar o prognóstico;
- Orientar decisões clínicas (inclusive sobre continuidade da gestação);
- Planejar o parto e os cuidados neonatais;
- Quando possível, realizar intervenções intrauterinas.
Quais as principais condições tratadas ou acompanhadas pela Medicina Fetal?
Entre as principais condições que levam uma gestante a ser encaminhada para o especialista em Medicina Fetal incluem-se:
Malformações Congênitas
- Anencefalia, mielomeningocele
- Defeitos cardíacos congênitos (como transposição das grandes artérias)
- Hérnia diafragmática congênita
- Atresias intestinais
- Onfalocele e gastrosquise
- Uropatias obstrutivas (ex: obstrução de trato urinário inferior)
Distúrbios genéticos e cromossômicos
- Síndrome de Down, de Edwards, de Patau, entre outras
- Avaliação com ultrassonografia morfológica + testes genéticos não invasivos (NIPT)
- Diagnósticos por biópsia de vilo coriônico, amniocentese ou cordocentese
Doenças gemelares
- Síndrome da transfusão feto-fetal (STFF)
- Crescimento discordante entre gêmeos
- Gêmeo acardíaco
- Cirurgias fetoscópicas podem ser indicadas em alguns casos
- Toxoplasmose, citomegalovírus, sífilis, rubéola, Zika
- Monitoramento fetal com exames de imagem e sorologias maternas
- Avaliação da necessidade de tratamento intrauterino ou antecipação do parto
Doenças hematológicas e imunológicas
- Isoimunização Rh
- Anemia fetal por Parvovírus B19
- Transfusão intrauterina (via cordocentese) pode ser realizada
Alterações do crescimento fetal
- Restrição de crescimento intrauterino (RCIU)
- Macrossomia fetal
- Avaliação do bem-estar fetal com dopplerfluxometria
Outras situações de alto risco
- Malformações placentárias
- Gravidez em paciente com doenças autoimunes (como lúpus)
- Monitoramento de gestações com risco de parto pré-termo, pré-eclâmpsia precoce etc.
Exames em Medicina Fetal
O especialista em Medicina Fetal utiliza uma variedade de exames para avaliar o feto, a placenta, o líquido amniótico e o bem-estar geral da gestação. Alguns são mais simples e comuns a outras gestantes, enquanto outros são mais complexos e voltado para determinadas condições fetais.
Ultrassonografia
A Ultrassonografia Obstétrica é o exame mais utilizado na prática da medicina fetal. Ele é usado para avaliação morfológica (e identificação de malformações), para o estudo da placenta e do líquido amniótico e para a avaliação do crescimento intrauterino. Esses achados ajudam a avaliar a saúde fetal ou o eventual sofrimento fetal.
Dopplerfluxometria
A Dopplerfluxometria é um exame usado para avaliar o fluxo sanguíneo em vasos maternos e fetais, sendo fundamental no rastreio e acompanhamento de condições como a Restrição de crescimento intrauterino, Insuficiência placentária, Pré-eclâmpsia ou Anemia fetal.
Ressonância Magnética Fetal
A ressonância Magnética Fetal é um método complementar à ultrassonografia, sendo excelente para avaliação de sistema nervoso central fetal, tórax e abdome, principalmente em casos complexos ou malformações de difícil visualização.
O exame geralmente é solicitado para uma melhor avaliação de algum achado ultrassonográfico ou para avaliação em determinadas condições diagnosticada por meio de outros exames.
Testes Genéticos
Diferentes testes genéticos podem ser considerados a depender da suspeita clínica, o que muitas vezes é feito em colaboração entre o especialista em medicina fetal e o geneticista. Alguns testes são não invasivos e sem maiores riscos, como o Teste pré-natal não invasivo (NIPT), feito a partir do DNA fetal livre no sangue materno (a partir de 9–10 semanas). O NIPT é usado no rastreio de trissomias (21, 18, 13), anomalias sexuais e algumas microdeleções.
Outros exames são mais invasivos, de forma que os potenciais riscos e benefícios precisam ser avaliados. São geralmente indicados na suspeita de anomalias cromossômicas, genéticas ou doenças específicas. Entre eles, incluem-se:
- Biópsia de vilo coriônico (10–13 semanas): envolve a coleta de fragmento da placenta por via transvaginal ou transabdominal
- Amniocentese (a partir de 15 semanas): coleta de líquido amniótico para estudo de cariótipo, FISH, microarray ou PCR
- Cordocentese (após 18 semanas): Coleta de sangue fetal por meio de punção do cordão umbilical. Ela é usada para avaliação do cariótipo, infecções congênitas, doenças hematológicas ou para transfusão intrauterina.
Avaliação Sorológica Materna
A sorologia materna, feita por meio da coleta de sangue materna, inclui diferentes testes. Alguns deles são solicitados de rotina para todas as gestantes, enquanto outros são solicitados a partir de suspeitas específicas.
Entre os testes sorológicos mais comuns, incluem-se:
- Infecções congênitas: toxoplasmose, citomegalovírus, rubéola, sífilis, hepatite B/C, HIV, Zika vírus, entre outras
- Isoimunização Rh: tipagem sanguínea, Coombs indireto, dosagem de anticorpos
- Doenças autoimunes (lúpus, síndrome antifosfolípide): FAN, anti-Ro, anti-La, anticoagulante lúpico, entre outros
Ecocardiograma fetal
O ecocardiograma fetal é um exame de ultrassom especializado que avalia a estrutura e o funcionamento do coração do bebê ainda no útero materno. Entre os parâmetros avaliados, incluem-se a frequência cardíaca, a anatomia do coração e o seu funcionamento, incluindo o fluxo sanguíneo e a contração dos músculos cardíacos.
O exame permite a detecção precoce de problemas cardíacos fetais, bem como o monitoramento de condições previamente diagnosticadas.
Ele geralmente recomendado para todas as gestantes, mas é especialmente importante em casos com Histórico familiar de cardiopatias congênitas:, Anormalidades detectadas em outros exames pré-natais ou nas gestações de risco como um todo.
O conhecimento prévio de problemas cardíacos é fundamental, uma vez que ele permite que a equipe médica se prepare para o parto e para o tratamento imediato após o nascimento, aumentando as chances de sucesso. Além disso, a família pode se preparar tanto do ponto de vista psicológico como para os cuidados pós-natais.
Procedimentos Diagnósticos Invasivos
Procedimentos diagnósticos invasivos podem ser indicados para confirmação de alterações genéticas, cromossômicas, infecciosas ou hematológicas. Os potenciais benefícios no diagnóstico precoce deve sempre ser pesados em relação ao eventual risco para a decisão de realizar ou não cada um desses exames.
Entre eles, incluem-se:
- Biópsia de Vilo Coriônico (CVS): Coleta de fragmento placentário via punção transabdominal ou transvaginal, Realizada entre 10 e 13 semanas. Ela Permite avaliar o cariótipo, FISH, microarray e testes genéticos moleculares.
- Amniocentese: Coleta de líquido amniótico,realizada a partir da 15ª semana. Ela é utilizada para cariótipo, pesquisa de infecções, análise bioquímica e estudos genéticos
- Cordocentese (funiculocentese): Punção da veia umbilical guiado por ultrassom, realizado a partir de 18–20 semanas. Pode ser usada para cariótipo rápido, diagnóstico de infecções, anemia fetal, acidose, distúrbios hematológicos.
Procedimentos Terapêuticos Intrauterinos
Procedimentos terapêuticos intrauterinos podem ser indicados quando há risco de comprometimento fetal grave ou morte, visando corrigir ou aliviar condições intrauterinas.
Transfusão Intrauterina
Indicada em casos de anemia fetal severa, que pode acontecer por conta de isoimunização Rh ou de infecção por Parvovírus B19. Ela é realizada por cordocentese, infundindo sangue compatível diretamente na veia umbilical
Amniodrenagem
Remoção de excesso de líquido amniótico, em casos de polidrâmnio grave. Pode ser usada, por exemplo, na síndrome da transfusão feto-fetal (STFF) ou no caso de malformações digestivas que levem a um acúmulo de líquido amniótico.
Amnioinfusão
Infusão de solução salina ou Ringer Lactato no saco amniótico. É usada raramente em casos como oligodrâmnio severo, diluição de mecônio ou melhora da visibilidade ecográfica
Cirurgia intrauterina
A cirurgia intrauterina pode ser indicada em condições que tendem a se agravar quando o tratamento é adiado até o nascimento, sempre pesando-se os riscos e os benefícios.
Os procedimentos podem ser realizados de forma aberta ou por fetoscopia, a depender de cada caso.
Fetoscopia
Já a fetoscopia é um procedimento minimamente invasivo, onde instrumentos e uma câmera são inseridos através de pequenas incisões no abdômen da mãe, permitindo ao cirurgião visualizar e tratar o feto dentro do útero.
Quando possível de ser feita, a fetoscopia oferece menor risco para a mãe e para o bebê em comparação com cirurgias fetais abertas, além de proporcionar mais possibilidades para o tratamento de problemas congênitos complexos.
Os procedimentos mais realizados por fetoscopia incluem:
- Fotocoagulação a Laser para Síndrome da Transfusão Feto-Fetal (STFF): é o procedimento fotoscópico mais comum no mundo. Ela é indicada em gestações gemelares monocoriônicas (gêmeos que compartilham a placenta), quando há uma comunicação vascular anormal entre os fetos. Nesse procedimento, os vasos comunicantes na placenta são cauterizados com laser, geralmente entre 16 e 26 semanas de getação.
- Correção da Mielomeningocele: procedimento que busca fechar a abertura na espinha e retorno da medula para o canal medular, o que melhora o prognóstico neurológico e reduz a necessidade de derivação ventricular. A cirurgia pode ser feita tanto aberta como por fetoscopia.
- Inserção de Shunts (derivações): Os shunts podem ser indicados para alívio de obstruções do trato urinário fetal, para drenagem do tórax no caso de derrames pleurais ou para a drenagem de cistos, por exemplo. No cérebro, pode ser usada para drenar o excesso de líquido cefalorraquidiano, em caso de hidrocefalia.
- Coagulação de tumores fetais altamente vascularizados: A fetoscopia permite controle do fluxo sanguíneo tumoral, sendo indicado especialmente em casos de risco de insuficiência cardíaca fetal
Cirurgia aberta
A cirurgia fetal aberta envolve a realização de uma incisão no abdômen da mãe e, em seguida, no útero, para que o cirurgião possa acessar diretamente o feto e realizar a correção necessária.
São realizadas com menor frequência do que as cirurgias fetoscópicas e envolvem maior risco para a gestação atual e futura.
Um dos procedimentos mais comuns é a Cirurgia Aberta para Mielomeningocele, indicada quando a correção fetoscópica não está disponível. O acesso é feito por laparotomia materna e histerotomia uterina, com exposição direta do feto e reparo do defeito neural. Os resultados para o feto são semelhantes, porém com mais risco materno.