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Especialização Esportiva na Infância

O que é Especialização Esportiva Precoce?

Especialização esportiva precoce é o termo utilizado para expressar o processo pelo qual crianças tornam-se especializadas em um determinado esporte.

Este é um tema de grande controvérsia:

Por um lado, temos médicos e educadores preocupados com os potenciais prejuízos para a saúde física e psicológica da criança e em não “atropelar” o desenvolvimento integral da mesma.

Por outro, temos pais e treinadores que querem oferecer a melhor oportunidade para que suas crianças se transformem em futuros campeões, considerando-se que existem linhas direcionadas ao rendimento que a veem como parte do processo de sucesso esportivo e, por vezes, como algo necessário ao mesmo.

Como deve ser a especialização esportiva na infância?

O treinamento esportivo, uma vez que não respeite os estágios de desenvolvimento físico e cognitivo da criança, será infrutífero ou mesmo prejudicial em termos de rendimento esportivo.

Isso não significa, porém, que a criança não possa ser “moldada” para uma modalidade esportiva desde cedo ou que isso não resultará em benefícios esportivos no futuro.

O rendimento esportivo em cada modalidade é determinado por um conjunto de habilidades, com algumas delas mais impactantes do que outras.

De fato, certas habilidades precisam ser trabalhadas desde cedo e podem ser tão específicas de uma modalidade esportiva que não haverá uma “transferência” imediata a partir do treinamento de outras modalidades.

Equilíbrio entre especialização e diversificação esportiva

Uma crítica comum em relação à especialização esportiva precoce é que ela restringiria a aquisição de habilidades esportivas mais amplas.

Um conceito muito utilizado no meio esportivo é o do “bom jovem, mau velho” que nos reporta a uma criança bem-sucedida nas categorias de base, mas que não corresponde às expectativas nas categorias adultas, justamente por não ter uma base esportiva bem consolidada.

A diversificação inicial, seguida de especialização posterior, dá aos futuros atletas a oportunidade de desenvolver uma gama maior de habilidades físicas, cognitivas, psicológicas e sociais. Isso serve como uma base para o desenvolvimento sustentado nos esportes em um segundo momento.

A especialização esportiva não deve, desta forma, se limitar a uma prática esportiva exclusiva. Independentemente de se ter um esporte principal, a criança deve ser estimulada a conhecer diferentes esportes ao longo da infância.

O grande segredo, ao iniciar a especialização esportiva, é equilibrar qual o tempo que deve ser dedicado ao seu esporte principal e qual o tempo que será dedicado a outras modalidades.

Inicialmente, o foco deve ser em uma prática esportiva mais ampla, progredindo a especialização quanto mais velha a criança. A velocidade com que é feita esta progressão, porém, varia de acordo com cada modalidade esportiva e com a forma como cada criança reage ao treinamento.

Mesmo no mundo competitivo de alto rendimento, vemos atletas profissionais se dedicando a outros esportes em seus tempos livres, hábito esse que pode ser ganho desde a infância.

O fato de uma criança participar de um treinamento esportivo regular fora da escola não deve ser, de forma alguma, justificativa para ela deixar de fazer a educação física, visto todos os demais ganhos para a educação da criança nesta disciplina escolar.

Especialização dentro de uma modalidade

Seguindo-se a mesma linha, deve-se evitar também a sub-especialização precoce.

Muitas crianças passam a focar excessivamente em somente uma habilidade, desde antes da puberdade.

Imaginemos uma criança que treina somente para ser goleiro. Todavia, ela não atinge estatura suficiente para ser competitivo como goleiro.

Neste caso, estará se fechando a janela de oportunidade para esta criança no futebol, visto que pouco do que foi seu treinamento para goleiro pode ser transferido para outras posições no futebol.

Ainda com este exemplo, mesmo que a criança venha a ser um goleiro, no campo é uma característica diferenciada saber lançar e sair com os pés, sem contar os goleiros que batem faltas ou cabeceiam.

Há também a possibilidade de outras modalidades de futebol, como o futsal, onde o goleiro participa integralmente do jogo com os pés, dependendo da opção tática do treinador.

Quando iniciar a especialização esportiva?

A especialização em um determinado esporte pode ser iniciada assim que a criança tiver maturidade física e cognitiva suficiente para compreender aspectos básicos da modalidade.

Alguns autores citam que a partir dos seis anos de idade tais valências já podem ser encontradas em algumas crianças.

A modalidade esportiva e os marcos do desenvolvimento da criança são pontos principais para se pensar na especialização esportiva na infância e adolescência.

Sabemos, genericamente que diferentes valências esportivas têm pico em diferentes idades, incluindo aqui as valências psicológicas e técnicas do ato motor. Sabemos ainda que cada indivíduo tem seu tempo de aprendizado e que algumas crianças podem ter maturação de uma valência antes das demais.

Esportes de explosão, incluindo provas de atletismo de 100 e 200m rasos, provas de natação de 50 ou 100m e esportes de luta costumam ser dominados por atletas mais jovens.

O principal determinante de performance nestas modalidades é a potência muscular que, normalmente, possui seus maiores valores em idades mais precoces do que outras valências.

Assim, para estas modalidades, é coerente que os atletas precisam se especializar mais precocemente para já terem o aprendizado motor estabelecido quando estiverem no ápice de sua capacidade física.

Existem modalidade esportivas que são avaliadas por notas e nas quais o rendimento tem relação com padrões estéticos e características físicas que privilegiam atletas menores e com melhor relação entre peso corporal e potência.

Como exemplo, podemos citar diferentes modalidades de dança e a ginástica artística. Nestas modalidades, a especialização também tende a ser precoce.

No outro lado da linha, citamos esportes de resistência, onde encontramos vários atletas campeões mundiais com 30 anos ou mais.

Não existe um único fator que propicia a vantagem para os atletas mais maduros. Entretanto, é sabido que tanto o controle do pace nos treinos e competição como a resistência a fadiga por longo tempo é uma habilidade tardiamente desenvolvida.

Esportes coletivos (incluindo o futebol, basquete, vôlei e handebol), esportes de raquete (tênis, tênis de mesa, squash, badmington) e outros nos quais as ações dependem do comportamento do atleta adversário (incluindo a esgrima e esportes de luta) envolvem conceitos táticos que são determinantes para o resultado.

No caso do futebol, por exemplo, é preciso que o atleta compreenda que a melhor posição nem sempre é onde a bola está e que eventualmente precisa passar a bola para um atleta melhor posicionado ao invés de tentar sempre chutar para o gol. Em um nível acima, é preciso estudar o adversário e conhecer seus pontos fortes e suas fraquezas.

A criança pré-púbere não terá maturidade cognitiva e neuronal para assimilar conceitos táticos mais complexos. Isso não significa que a criança não possa se especializar nestes esportes, mas que o seu treino não deve necessariamente reproduzir o que é feito no treino de um atleta adulto.

A maturação neurológica acontece de forma bastante acelerada durante a puberdade, quando a criança aumenta sua capacidade de desenvolver habilidades táticas e de tomada de decisões, mas a capacidade de acumular, integrar e aplicar habilidades cognitivas continuará aumentando até pelo menos os 60 anos de idade.

Especialização esportiva na infância é necessária?

Até aqui, vimos que a especialização esportiva precoce, quando bem conduzida, não necessariamente será um problema. Outro ponto a ser discutido, porém, é a sua real necessidade para a melhora do desempenho esportivo futuro.

O mundo esportivo está cheio de exemplos de atletas que foram moldados para o esporte desde o berço com excelentes resultados. Mas, também temos inúmeros atletas de alto rendimento que iniciaram tardiamente na modalidade e logo atingiram a elite.

Como exemplos podemos citar Tiger Woods, que conheceu o golfe antes de seu segundo aniversário e a tenista Martina Hingis que entrou em seu primeiro torneio quando tinha apenas 4 anos.

Mesmo no automobilismo, Lewis Hamilton ganhou seu primeiro título no kart aos 10 anos de idade. Segundo o piloto, seu pai chegou a hipotecar a própria casa para financiar sua carreira esportiva, o que mostra aqui um cenário recorrente aonde o sonho esportivo era muito do próprio pai e não somente do atleta.

Estes exemplos favorecem a teoria do psicólogo sueco Anders Ericsson, segundo o qual um atleta precisa de 10 anos ou 10mil horas de treinamento até atingir a excelência esportiva em uma modalidade. Assim, para combinar experiência esportiva com o auge da forma física, a criança largaria na frente ao se dedicar desde cedo à modalidade.

Mas, existem contrapontos. Temos diversos exemplos de atletas que atingiram a excelência entrando tardiamente no esporte.

A triatleta Chrissie Wellington, quatro vezes campeã mundial do Ironman, fez sua primeira competição já próximo dos 30 anos de idade.

O ginasta Arthur Nori, medalhista de bronze nos jogos olímpicos Rio 2016, só foi apresentado ao esporte aos 11 anos, uma idade considerada tardia para a ginástica.

No futebol, o campeão mundial pela Alemanha, Miroslav Klose, trabalhou na construção civil até os 20 anos de idade.

Ainda que muito atrativa do ponto de vista de divulgação, a teoria das 10mil horas é muito vaga para ser usada como referência para direcionamento do treinamento esportivo. A individualidade não é somente da criança, ela é também da modalidade.

Da mesma forma como existem crianças com tempos do seu desenvolvimento psicomotor diferentes, também existem modalidades que se beneficiam de gestos aprendidos em outras modalidades.

Em outros esportes, os gestos tão específicos que pouco são auxiliadas pela prática de qualquer outra coisa que não o próprio esporte. Quanto mais específicas as habilidades de um esporte, mais precoce tende a ser a especialização esportiva.