Epilepsia
O que é uma crise epiléptica?
A crise epiléptica é um fenômeno transitório causado por atividade elétrica cerebral anormal. A crise convulsiva, por sua vez, é um tipo específico de crise epiléptica, na qual a pessoa apresenta contrações musculares em todo o corpo, mordedura da língua, salivação intensa, respiração ofegante e, às vezes, perda de urina.
Existem diversas outras formas de crise epiléptica, que podem ser divididas em motoras e não motoras.
Tipos de crises motoras
- Crises mioclônicas: Se caracterizam por movimentos bruscos, como empurrões repentinos ou espasmos nos braços e pernas;
- Crises atônicas: Leva a perda de controle muscular, podendo levar a quedas repentinas;
- Crises tônicas: Causa rigidez muscular e geralmente afetam os músculos dos braços, pernas e costas. Também podem provocar quedas;
- Crises clônicas: caracterizada por movimentos rítmicos ou repetitivos. Em geral, atingem áreas como rosto, braços e pescoço;
- Crises tônico-clônicas: provoca perda de consciência, rigidez e tremor pelo corpo. Em alguns casos, pode provocar perda do controle da bexiga e da língua. Esse é o tipo de crise mais conhecido, quando o paciente fica se debatendo. É também um dos tipos mais frequentes, junto com a crise de ausência.
Tipos de crises não motoras
- Crises que envolvem alterações comportamentais, emocionais e/ou sensoriais;
- Crises de ausência, que envolvem breves períodos em que a pessoa fica parada e alheia ao ambiente;
- Crises com distúrbios de linguagem, pensamento ou memória crise cognitiva;
- Crises autonômicas, caracterizada por Rubor / sudorese ou piloereção.
Crises focais X generalizadas
As crises epilépticas devem ser caracterizadas como focais ou generalizadas:
- Crises focais: têm origem em redes neuronais limitadas a um único hemisfério cerebral. Elas podem rapidamente envolver redes bilaterais, mas têm início unilateral.
- Crises generalizadas: iniciam-se em ambos os hemisférios cerebrais.
Alguns tipos de crises, como no caso dos espasmos epilépticos, a distinção entre crise focal ou generalizada pode depender de uma avaliação cuidadosa dos registos do Eletroencefalograma. Essa distinção é importante, uma vez que impacta no tratamento.
Quais as causas da crise epiléptica?
As crises epilépticas podem ser provocadas ou não provocadas.
Crises não provocadas são aquelas que não têm uma causa externa identificada mesmo após uma investigação completa. Em aproximadamente 50% dos casos, essas crises voltam a se repetir, caracterizando a epilepsia. Nos outros 50%, ficarão como um evento isolado.
Crises provocadas, por sua vez, são aquelas causadadas por eventos externos.
Na infância, algumas das principais causas de crises provocadas incluem:
- Crises febris: crises convulsivas que acontecem quando a criança está com febre. Geralmente acomete crianças entre 6 meses e 5 anos de idade.
- Problemas no parto, incluindo trauma ou anoxia (falta de oxigênio).
- Infecções, especialmente a meningite viral e as encefalites
- Desnutrição
- Tumores cerebrais
- Más-formações congênitas
Nos adultos, as causas mais comuns de crises epilépticas provocadas incluem:
- pós trauma (até uma semana pós trauma, podendo se repetir nesse período).
- Abstinência de álcool ou de benzodiazepínicos (medicamento para dormir).
- Uso de cocaína, crack, anfetaminas ou opióides.
- Distúrbios Metabólicos graves (como hipo ou hipernatremia e hipo ou hiperglicemia).
- Infecções, especialmente a meningite viral e as encefalites.
- Febre intensa.
Em alguns casos, a causa que provocou uma crise epiléptica provocada pode se resolver deixando uma sequela. Quando isso acontece, o paciente pode vir a desenvolver crises não provocadas no futuro, caracterizando a epilepsia.
Diagnóstico da crise epiléptica
O diagnóstico da crise epiléptica deve ser feito com base na história clínica. O eletroencefalograma pode mostrar um padrão característico de atividade epiléptica. No entanto, muitas vezes pode vir normal quando fora da crise.
Nem todos os sinais e sintomas neurológicos transitórios são de natureza epiléptica, de forma que certos diagnósticos diferenciais devem ser considerados. Alguns desses diagnósticos diferenciais incluem:
- Enxaqueca com áurea: inicio progressivo, mais prolongado do que as crises epilépticas, geralmente mais do que 15 min
- Ataque isquêmico transitório: geralmente mais prolongado do que a crise epiléptica, predomínio de sintomas negativos (perda de força, perda de sensibilidade
- Crise de Pânico
- Crise psicogênica: episódio que se assemelha a uma crise epiléptica, mas que é causado por um sofrimento psicológico e não por descargas elétricas no cérebro
- Delírium: estado de confusão mental aguda que pode ser causado por uma condição clínica subjacente.
Algumas características da história clínica ajudam na caracterização da crise epiléptica:
- Duração: a crise epiléptica não dura mais do que 5 minutos, sendo que em 90% dos casos a diração é de até 2 minutos.
- Sonolência e confusão após a crise.
- Mordedura da língua é comum e bastante específica de fenômeno epiléptico.
Epilepsia X crise epiléptica
Crise epiléptica e epilepsia não são sinônimos.
A crise epiléptica pode acontecer como episódio isolado ou pode estar associada a uma doença, que é a epilepsia.
Para caracterizar a epilepsia, o paciente deve apresentar pelo menos duas crises não provocadas com intervalo de pelo menos 24 horas entre elas.
Em alguns casos, o diagnóstico da epilepsia pode ser feito já no primeiro episódio de crise epiléptica, quando se considera que o risco de uma segunda crise nos próximos 10 anos é superior a 60%. Algumas condições que levam a esse risco elevado incluem:
- Presença de insulto cerebral prévio;
- EEG com atividade epileptiforme;
- Neuroimagem anormal;
- Crise noturna.
Estado do Mau Epiléptico
O Estado de Mal Epiléptico é uma emergência médica caracterizada pela presença de duas ou mais crises epilépticas sem a completa recuperação da consciência entre elas ou uma crise única com duração maior que 30 minutos. Ele é mais comum em pessoas menores de 01 ano ou maiores de 60 anos de idade.
O conceito temporal da definição (30 minutos) é baseado em estudos prognósticos, estando significativamente relacionado ao aumento da mortalidade e morbidade neurológica. No entanto, crises com duração superior a 5 minutos geralmente não se sessam espontaneamente e têm risco elevado para atingirem duração de 30 minutos, de forma que devem ser tratadas da mesma forma que no estado de mau epiléptico.
O estado do mau Epiléptico pode ainda ser classificado como refratário, quando não é controlado com o uso de mais de duas classes de fármacos, o que geralmente acontece após 60 minutos do início do tratamento. Pode ainda ser classificado como super-refratário quando não há resposta a drogas anestésicas de terceira linha, geralmente após 24h do início do tratamento.
Quanto mais precoce o tratamento no estado do mau epiléptico, menor a mortalidade e morbidade neurológica. Ela também é maior em idosos acima de 60 anos e em pacientes cuja causa tenha sido parada cardiorrespiratória.
Nas crises com menos de 2 horas de duração, a mortalidade é menor do que 10%. Já nas crises acima de 20 horas, a mortalidade pode chegar a mais de 80%.
Um estudo europeu demostrou que até 27% das crianças epilépticas com menos de 16 anos apresentaram pelo menos um episódio de EME e que o risco era maior nos primeiros anos após o diagnóstico da epilepsia (1).
O Estado do Mau Epiléptico acontece como primeira crise epiléptica em 12% dos casos. Destes, 22% a 40% cursam com crises subsequentes, passando com isso a ter o diagnóstico de epilepsia.
Como agir durante uma crise epiléptica?
Uma vez que se esteja diante de uma pessoa em crise epiléptica, o primeiro passo é avaliar a segurança do paciente. Isso inclui afastar objetos que possam oferecer risco, incluindo a retirada dos óculos. Roupas apertadas devem ser folgadas.
O paciente deitado de lado. Isso porque há uma tendência de ele produzir mais saliva, podendo se engasgar com a saliva caso esteja com a barriga para cima.
Se possível, deve-se contar o tempo da crise, já que essa informação seria importante para o manejo posterior da crise.
Finalizada a crise, é importante manter o paciente acompanhado, uma vez que ele pode ficar confuso e precisar de assistência.
Algumas condições exigem atendimento médico imediato após a cirse:
- Crises com duração superior a 5 minutos;
- Dificuldade para respirar;
- Crises que acontecem em ambiente aquático;
- Ferimento, gravidez ou doença prévia;
- Primeira crise.
Chegando ao pronto atendimento, medicações poderão ser usadas para evitar novas crises.
Caso não se tenha ainda um diagnóstico claro de epilepsia, o eletroencefalograma, quando disponível, permite avaliar a atividade cerebral característica da epilepsia, podendo ajudar a fechar o diagnóstico. O exame muitas vezes é normal quando feito fora da crise.
Outros exames além da história clínica serão realizados para investigar possíveis causas para uma crise epiléptica provocada. O uso e abuso de substâncias deve ser questionado. Exames laboratoriais ajudam na investigação de distúrbios eletrolíticos e a ressonância magnética ajuda na investigação de eventuais lesões cerebrais que possam ter desencadeando a crise.
Tratamento da Epilepsia
O tratamento da epilepsia envolve não apenas o tratamento das crises, como discutido acima, mas também o tratamento de manutenção para evitar novas crises.
Existem diferentes classes de medicações antiepilépticas, que devem ser escolhidas com base no tipo de crise e nas características individuais de cada paciente. Alguns medicamentos são melhores para crises generalizadas, outros que são melhores para crises focais e medicamentos melhores para tipos específicos de crise.
Os efeitos colaterais mais comuns também variam de acordo com a droga escolhida. Em alguns casos, a substituição pode ser feita no caso de efeitos colaterais intoleráveis.
Quando um paciente não responde a determinada droga antiepiléptica, o primeiro passo é avaliar se a dose está adequada, se o medicamento está sendo usado da forma correta e se aquela droga específica é a mais adequada para o tipo de crise do paciente. Verificado isso, uma segunda droga deve ser usada em adição ou em substituição à primeira droga antiepiléptica.
Caso o paciente continue sem ter uma resposta satisfatória, a epilepsia é classificada como refratária, o que exige tratamento específico.
Epilepsia refratária
A epilepsia é considerada como refratária quando o paciente continua tendo crises mesmo com duas medicações apropriadas em monoterapia ou associadas.
Nesses casos, a probabilidade de controlar a doença com uma terceira droga é inferior a 10%, de forma que outras abordagens devem ser consideradas.
Infelizmente, muitos pacientes demoram a dar um “passo seguinte” no tratamento, o que leva a frustração e às sequelas das crises epilépticas.
Existem atualmente três linhas principais de abordagens para a epilepsia refratária:
- Canabinoides;
- Dieta Cetogênica;
- Cirurgia
Além das preferências individuais de cada paciente, é preciso entender as características das crises em cada paciente, uma vez que esses procedimentos podem ter resposta melhor ou pior a depender das características específicas da doença. São elas:
Canabidiol
O canabidiol é uma das substâncias presentes na planta cannabis. Ele tem sido usado no tratamento de diferentes condições médicas, sendo que aquela na qual se tem as maiores evidências é justamente na crises epilépticas refratuárias.
Não são todos os tipos de crises que respondem de forma adequada ao canabidiol. A resposta é melhor no caso da Síndrome de Dravet e na síndrome de Lennox-Gastaut, mas também se tem evidências menos consistentes de resposta no caso da síndrome de Doose e na Esclerose Tuberosa.
Geralmente a resposta é melhor nas crises tônicas, crises de ausência, crises atônicas, crises mioclônicas. Em crises focais, a resposta tende a ser menos satisfatória.
Vale considerar que as doses do canabidiol necessárias para tratar as crises epíleticas refratárias são maiores do que as habitualmente usadas em outras condições. A falta de resposta muitas vezes está associada ao uso de subdoses.
O canabidiol está disponível tanto na forma de extrato isolado como nos extratos full spectrum, no qual existem também outras substâncias canabinoides, incluindo o THC.
No caso da epilepsia refratária, o recomendado é o uso do canabidiol isolado.
Discutimos melhor sobre os princípios gerais da medicina canabinoide em um artigo específico.
Dieta Cetogênica
A Dieta cetogênica é uma terapia nutricional que envolve uma alimentação rica em gordura, pobre em carboidrato e com quantidade controlada de proteínas.
Esta dieta promove uma mudança no “combustível” utilizado pelo cérebro como fonte de energia – ao invés da glicose, ele passa a utilizar gordura.
A utilização da gordura como fonte energética está associada à produção de corpos cetônicos, que por sua vez reduzem a excitabilidade neuronal, resultando em melhor controle das crises.
Para que isso aconteça, é preciso que se tenha uma quantidade mínima de carboidrato circulante, caso contrário o corpo não entra em cetose. A dieta precisa dessa forma ser bastante rigorosa e precisa ser mantida 100% do tempo.
O acompanhamento da dieta deve ser visto por meio da cetogenese, com a mensuração da cetonemia ou da cetonúria, o que permite avaliar se o corpo está de fato entrando em cetose.
Após 3 a 6 meses, caso tenha ajudado no controle da crise, a dieta pode ser mantida por até 2 anos. Caso não tenha resposta nesse prazo, outras estratégias devem ser consideradas.
Cirurgia
Existem diferentes tipos de técnicas cirúrgicas que podem ser consideradas a depender de onde a atividade elétrica cerebral anormal tem início e também da idade do paciente e das características da doença.
Quais as consequências de longo prazo da epilepsia?
As consequências da epilepsia estão relacionadas a três áreas:
- Efeitos psicossociais relacionados ao risco de novas crises epilépticas e suas consequências;
- Efeitos colaterais dos medicamentos antiepilépticos
- Dano cerebral decorrente das crises epilépticas
Dano cerebral decorrente das crises epilépticas
Ainda que as crises epilépticas sejam auto-limitadas e se recuperem completamente após o episódio, no longo prazo a epilepsia está associada a um risco aumentado de déficit cognitivo.
Esse risco é maior quando o hemisfério direito do cérebro é acometido, quando comparado com o hemisfério esquerdo.
Pacientes com mais tempo de doença tendem a apresentar uma maior área do cérebro comprometida, o que demonstra que a doença provoca um aumento gradativo de atrofias e prejuízos cognitivos, conforme progride.
O risco de comprometimento neurológico existe com todos os tipos de crises epilépticas,
não apenas tônico-clônicas ou generalizadas.
Além do efeito deletério das atividades elétricas anormais, características das crises epilépticas, o cérebro pode também ser acometido por danos indiretos, relacionados
aos traumas crânioencefálicos que podem acontecer durante a crise.
Cada área do cérebro tem uma função específica, de forma que as sequelas dependem de qual a área acometida. Vale considerar aqui que as crises costumam ter padrões repetitivos, ou seja, a forma de acometimento tende a ser a mesma nas diferentes crises de uma mesma pessoa e o local de acometimento cerebral também se repete.
Além disso, as sequelas dependem também da idade, da frequência e da duração de cada crise.
Algumas das possíveis sequelas cerebrais incluem:
- Transtornos psiquiátricos: Depressão, ansiedade, transtornos de personalidade, alterações da sexualidade, psicoses esquizofreniformes
- Déficits cognitivos: Comprometimento da atenção, memória, linguagem, planejamento
- Demência: Pacientes idosos com epilepsia têm maior risco de desenvolver demência
- Distúrbios motores: Crianças com epilepsia podem ter distúrbios motores que afetam a coordenação e o controle motor
Efeitos colaterais dos medicamentos
Sonolência, problemas de memória, função hepática prejudicada, dores de cabeça, náusea e agitação são alguns dos possíveis efeitos colaterais dos medicamentos antiepilépticos.
Cada medicação tem um perfil específico de efeitos colaterais e cada pessoa reage de forma específica a eles. Os efeitos colaterais devem sempre ser avaliados no acompanhamento dos pacientes epilépticos e eventuais substituições de medicamento podem ser necessárias com base nisso.