Cardiomiopatia Hipertrófica
O que é a cardiomiopatia Hipertrófica?
A Cardiomiopatia hipertrófica (CMH) é o tipo mais comum de doença genética do músculo cardíaco.
Ela se caracteriza pelo aumento da espessura do músculo do coração e pode ser completamente assintomática.
Atletas de alto rendimento podem ser portadores da cardiomiopatia hipertrófica sem ter conhecimento da doença.
Isso é extremamente preocupante, uma vez que a morte súbita pode ser a primeira manifestação clínica da doença.
O afastamento das atividades esportivas competitivas é recomendada na maior parte dos pacientes, devido ao risco de morte súbita. Novos estudos no entanto têm sugerido uma abordagem um pouco mais liberal em certos pacientes de menor risco, sempre após uma avaliação completa e por meio de uma decisão compartilhada entre a equipe médica, o paciente e eventualmente seus familiares.
Estima-se que a prevalência seja de 1 para cada 500 pessoas. Entretanto, estudos de rastreamento genético sugerem uma incidência ainda maior, de 1 para cada 200 pessoas (1).
Quais as causas da Cardiomiopatia hipertrófica?
A Cardiomiopatia hipertrófica é uma doença de origem genética, o que significa que ela é transmitida de pais para filhos.
Existem diferentes genes envolvidos na doença. Mas, na maior parte das vezes, a herança é autossômica dominante.
Isso significa que, se pai ou mãe tiverem a doença, a probabilidade dos filhos terem a doença é de 50% (2).
Assim, é recomendável que familiares de pessoas com cardiomiopatia hipertrófica procurem um cardiologista para saber se também são portadores. Isso inclui especialmente pais, filhos e irmãos.
Testes genéticos podem ajudar na identificação destes casos. Isso porque algumas pessoas possuem alterações genéticas compatíveis com a cardiomiopatia hipertrófica, mas ainda não desenvolveram as alterações características da doença.
O que o paciente sente?
Muitos dos pacientes com cardiomiopatia hipertrófica são completamente assintomáticos. Elas podem manter um alto nível de atividade física sem ter o conhecimento da doença. Isso pode ser visto inclusive em atletas competindo em nível profissional.
Algumas pessoas podem se tornar sintomáticas, geralmente com início das queixas entre os 20 e os 40 anos de idade. Os sintomas estão relacionados ao esforço e podem incluir dor torácica, dificuldade respiratória, palpitação e desmaio.
Geralmente, a pressão arterial e a frequência cardíaca são normais.
O desmaio geralmente acontece durante o esforço. Quando presente, isso é um marcador de aumento do risco para morte súbita (1).
Infelizmente, porém, a morte súbita durante a prática esportiva pode ser o primeiro sinal da doença, mesmo em atletas de alto rendimento.
Diagnóstico
A investigação diagnóstica pode ser diferenciada em três grupos de pacientes:
- Investigação de pacientes sintomáticos;
- Avaliação cardiológica de rotina em pacientes assintomáticos;
- Investigação genética de familiares dos portadores de cardiomiopatia hipertrófica.
Eletrocardiograma
O eletrocardiograma demonstra alterações sugestivas da cardiomiopatia hipertrófica em 95% dos casos (3). Ele é usado como rotina na avaliação pré-participação de atletas assintomáticos.
Uma vez detectadas as alterações eletrocardiográficas sugestivas, o ecocardiograma segue como o exame mais empregado para a confirmação diagnóstica.
Ecocardiograma
O ecocardiograma ajuda na avaliação da espessura do sépto interventricular e também na avaliação do fluxo sanguíneo, com a pesquisa de eventual obstrução das vias de saída do Ventrículo Esquerdo.
Espessura do sépto interventricular
O diagnóstico de cardiomiopatia hipertrófica pelo ecocardiograma é altamente suspeito quando a espessura do septo ventricular esquerdo é maior do que 15mm nos homens ou 13 mm nas mulheres.
Existe, porém, uma zona cinzenta na qual esta diferenciação não será tão simples, especialmente em pacientes atléticos:
- Nos homens, 13 a 15 mm;
- Nas mulheres, 11 a 13 mm.
A dificuldade se justifica pelo fato de que atletas naturalmente apresentam um aumento na espessura do músculo cardíaco, devido aos efeitos do treinamento. Essa é uma das diferentes mudanças que ocorrem no que é descrito como Coração de atleta. Assim, a aumento da espessura do sépto cardíaco dentro dos valores dessa “zona cinzenta”poderia se justificar tanto por uma hipertrofia fisiológica (“coração do atleta”) como por uma hipertrofia patológica (“cardiomiopatia hipertrófica”).
Outros exames podem ser solicitados para ajudar na diferenciação, incluindo o teste genético. Em alguns casos muito específicos, pode ser recomendado um período de até três meses de destreinamento esportivo. A espessura do septo, nos casos de hipertrofia fisiológica, tende a diminuir, ao passo que na cardiomiopatia hipertrófica não irá se alterar.
A obstrução da VSVE pode ser congênita ou adquirida. As formas congênitas envolvem anormalidades estruturais, como estenose subaórtica, estenose aórtica valvar ou estenose aórtica supravalvar.
Ressonância Magnética
A Ressonância Magnética é indicada especialmente para pacientes com suspeita de Miocardiopatia hipertrófica nos quais a avaliação por meio do ecocardiograma é considerado incompleto ou inconclusivo.
O exame permite avaliar anatomia cardíaca, o funcionamento do coração e também a avaliação da extensão e da distribuição de hipertrofia e fibrose miocárdica.
Teste de esforço cardiopulmonar (teste ergométrico)
O teste de esforço cardiopulmonar, também conhecido como teste ergométrico, deve ser sempre recomendado ao paciente com cardiomiopatia hipertrófica. A importância do exame é que muitas das repercussões da cardiomiopatia hipertrófica só se manifestam ao esforço.
A associação de exame de imagem (ecocardiograma) com teste de esforço é a melhor modalidade disponível. Ela deve ser encorajada sempre que possível.
Neste exame, o paciente é submetido a um esforço progressivo, geralmente em esteira ou bicicleta ergométrica, até a exaustão.
Durante o exercício, o paciente tem a frequência cardíaca, pressão arterial e atividade elétrica do coração monitorados. Assim, ele permite avaliar a resposta do coração frente ao esforço.
O Teste Ergométrico pode ajudar na identificação de diferentes marcadores prognósticos na miocardiopatia hipertrófica, incluindo:
Resposta da pressão arterial com esforço
Durante um exercício, é esperado que ocorra um aumento gradual de pelo menos 20 mm Hg na Pressão Arterial sistólica.
Aproximadamente 30% dos pacientes com miocardiopatia hipertrófica apresentam uma resposta anormal da frequência cardíaca. Embora não se tenha consenso quanto a causa para essa resposta anormal, uma das principais teorias é de que isso estaria associado à isquemia do músculo cardíaco.
A resposta anormal da PA pode acontecer de diferentes formas:
- Aumento da pressão arterial menor do que 20 mmHg com o exercício;
- Aumento inicial na PA sistólica com uma queda subsequente de >20 mm Hg, em comparação com o pico da Pressão arterial;
- Diminuição contínua da PA sistólica >20 mm Hg durante o teste de exercício, em comparação com o valor basal.
Pacientes com resposta anormal da PA com o exercício podem desenvolver instabilidade hemodinâmica, que por sua vez pode dar origem a arrirmias cardíacas potencialmente letais. Ela é dessa forma considerada um fator de risco para morte cardíaca súbita.
Arritmias Cardíacas induzidas pelo exercício
A miocardiopatia hipertrófica pode dar origem a áreas de isquemia do músculo cardíaco, que por sua vez podem ser causas de diferentes tipos de arritmias. As arritmias cardíacas nesses pacientes são consideradas fatores de risco para a morte cardíaca súbita.
Teste genético
O teste genético deve ser considerado especialmente nos familiares de primeiro grau de pacientes com cardiomiopatia hipertrófica nos quais os outros exames não se mostraram sugestivos da doença.
Um teste genético positivo fecha o diagnóstico da cardiomiopatia hipertrófica. No entanto, não é possível descartar essa condição apenas por meio de um teste genético negativo.
Fatores de risco para a Morte Súbita
A estratificação de risco na cardiomiopatia hipertrófica (CMH) envolve uma avaliação que busca estimar o risco de morte súbita cardíaca em pacientes com cardiomiopatia hipertrófica.
Essa avaliação é importante para a discussão do risco benefício de potenciais tratamentos ou mesmo para recomendações quanto a atividades físicas
Diferentes sociedades médicas consideram diferentes fatores de risco e usam diferentes métodos para fazer essa estimativa.
O guideline da Sociedade Europeia de Cardiologia (ESC) publicado em 2014 recomenda o uso do dispositivo “HCM Risk-SCD tool” para estimar o risco de morte cardíaca súbita em um período de 5 anos risk (1). Os pacientes são divididos em 3 grupos:
- Baixo risco: menos de 4% de risco de morte cardíaca súbita em 5 anos;
- Risco moderado: Risco entre 4% e 6% de morte cardíaca súbita em 5 anos;
- Alto risco: Mais de 6% de risco de morte cardíaca súbita em 5 anos.
Entre os critérios utilizados para essa estratificação, devemos considerar:
- Histórico familiar de morte cardíaca súbita: Um ou mais parentes de primeiro grau com menos de 40 ou 50 anos de idade que morreram incidentalmente dentro de 1 hora após o aparecimento do sintoma. Esse histórico aumenta o risco de morte cardíaca súbita em 20%
- Desmaio (Síncope) inexplicável: Pacientes com episódio de perda inexplicável de consciência nos últimos 6 meses. Essas pacientes têm risco cinco vezes maior de morte cardíaca súbita.
- Taquicardia Ventricular não Sustentada (TVNS): presença em um exame de Hotter de três ou mais batimentos ventriculares consecutivos com frequência de pelo menos 120 batimentos por minuto, com duração inferior a 30 segundos. Ela está presente em 20–30% dos pacientes com cardiomiopatia hipertrófica com mais de 40 anos de idade. Um estudo sugeriu que a TVNS é preditiva de MSC apenas quando ocorre repetidamente ou está associada a sintomas. Outro estudo mostrou que a TVNS estava associada a um maior risco de MSC na CMH, mas apenas em pacientes com 30 anos ou menos.
- Espessura da parede ventricular esquerda: A maior espessura medida em qualquer local do VE é considerada como representando a espessura máxima da parede. Estudos demonstraram que espessura da parede ventricular esquerda de pelo menos 30 mm está independentemente associada à Morte Cardíaca Súbita.
- A resposta anormal da pressão arterial com exercício: falha de um aumento da pressão Arterial Sistólica superior a 20 mmHg ou uma diminuição da Pressão Sistólica de 10 mmHg durante o exercício. Isso ocorre em mais de um em cada três pacientes com CMH. A maioria dos estudos mostra que a resposta anormal da pressão arterial corresponde ao risco aumentado de MSC em pacientes com CMH menores de 40 anos de idade.
Pacientes estratificados como de alto risco para a morte súbita podem eventualmente se beneficiar de tratamentos mais invasivos. No entanto, é preciso considerar as limitações de uma avaliação como essa. A caracterização de um paciente como sendo de baixo risco deve ser vista com cautela, uma vez que, por englobar maior número de pacientes, é aí que se encontra a maior parte dos pacientes que vêm de fato a apresentar morte cardíaca súbita.
Tratamento
Infelizmente, não existe cura para a cardiomiopatia hipertrófica. Assim, o tratamento busca o manejo dos sintomas e das complicações, incluindo insuficiência cardíaca, angina ou arritmias.
Atividade física e esportiva
Atividades físicas e esportivas leves a moderadas ajudam a melhorar a função cardíaca e são consideradas protetivas em relação à evolução da doença. No entanto, atividades muito intensas aumentam o risco para morte cardíaca súbita.
Ainda que isso possas ser um sério problema para alguns pacientes, o afastamento de atividades físicas muito intensas se faz necessário na cardiomiopatia hipertrófica.
Como regra geral, algumas particularidades dos exercícios em pacientes com cardiomiopatia hipertrófica devem ser consideradas:
- Atividades com movimentos explosivos, como basquete, futebol, desencadeiam um aumento súbito do esforço cardíaco e devem ser evitados;
- Atividades com consumo de energia estável e constante, como corrida leve, bicicleta ou natação, são preferíveis;
- Exercício em condições ambientais adversas, incluindo calor ou frio extremos, deve ser evitado;
- Programas de treinamento que visem competitividade, obtenção de altos níveis de condicionamento físico e excelência devem ser evitados. Isso porque estas atividades motivam os pacientes a se esforçarem além dos seus limites;
- Levantamento de peso e outros treinos de força com cargas excessivas devem ser evitados, pois há risco aumentado de provocar obstrução da via de saída do ventrículo esquerdo; deve-se dar preferência para treinamento resistido com baixa carga e maior número de repetições.
Mais recentemente, protocolos menos restritivos vêm sendo considerados em certos grupos de pacientes considerados de baixo risco, frente a estudos que mostram um risco não aumentado de morte cardíaca súbita em decorrência da atividade (1).
Ainda não existe consenso em relação a isso, até porque a maior parte das mortes súbitas acontece em pessoas classificadas como de baixo risco.
Se for o caso, essa decisão deve ser tomada apenas após uma extensa avaliação e por meio de decisão compartilhada entre o cardiologista, o paciente e eventualmente seus familiares.
Cardiodesfibrilador implantável
O uso de um cardiodesfibrilador implantável pode ser considerado em alguns pacientes no tratamento da cardiomiopatia hipertrófica, a partir da avaliação dos potenciais benefícios e dos eventuais riscos relacionados ao procedimento.
Pacientes com histórico de morte súbita abortada apresentam risco elevado para novas arritmias potencialmente fatais. Dessa forma, esses pacientes geralmente devem ser indicados para a colocação de um cardiodesfibrilador implantável.
Outros pacientes considerados de alto risco podem também se beneficiar do procedimento.
O cardiodesfibrilador no entanto não é indicado para a maior parte dos pacientes, considerados de risco relativamente baixo. Apenas um grupo muito pequeno acaba recebendo um choque por meio do desfibrilador com potencial para salvar a vida. Um número significativamente maior acaba recebendo choques considerados inapropriados ou desenvolvendo complicações decorrentes desses implantes.