Aspectos Psicológicos do Paciente em Cuidados Paliativos
Aspectos psicológicos do paciente em Cuidados Paliativos
Pensar nos aspectos psicológicos do paciente em Cuidados Paliativos é pensar em formas de lidar com esse momento que, inicialmente, pode ser bastante confuso e difícil de assimilar.
Afinal, lidar com a finitude da vida é algo complexo, especialmente quando não existe o hábito de tocar nesse tipo de assunto no seio familiar.
Por isso, trouxemos uma série de informações sobre os Cuidados Paliativos, as características predominantes nos pacientes e atitudes familiares que podem contribuir para a qualidade de vida do paciente e da própria família. Acompanhe.
O que são os Cuidados Paliativos?
Antes de iniciarmos as nossas reflexões, é interessante termos um panorama geral sobre os Cuidados Paliativos.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Cuidado Paliativo pode ser caracterizado como um tipo de abordagem que tem como objetivo promover a qualidade de vida dos pacientes e dos seus familiares, em casos nos quais há o enfrentamento de doenças que possam ameaçar a continuidade da vida.
Esses cuidados têm como propósito avaliar e tratar a dor e outros problemas relacionados à situação, que possam ter conexão com a natureza física, psicossocial e espiritual do paciente.
Perceba que a OMS retrata que o Cuidado Paliativo não lida com doenças terminais, mas sim, com quadros nos quais há uma ameaça à vida.
Essa visão pode nos fazer refletir sobre novas perspectivas perante o conceito de morte – não estamos diante de um fim abrupto e tão doloroso, mas sim, podemos enxergar como uma fase da vida que, em determinado momento, findará o ciclo vivido até aqui.
Vale ressaltar que os Cuidados Paliativos atendem tanto o paciente, quanto a família, inclusive após o falecimento do indivíduo adoecido.
Quais são alguns dos princípios dos Cuidados Paliativos?
Os Cuidados Paliativos contam com uma série de princípios que são colocados em prática durante o atendimento de pacientes com doenças que ameaçam a vida.
Abaixo descrevemos alguns deles para que você possa compreender um pouco mais:
1. Promover alívio da dor
O Tratamento da dor é um dos princípios dos Cuidados Paliativos. Por meio de ações, medicamentos e estratégias, é possível minimizar o desconforto dos pacientes, com o propósito de promover mais bem-estar.
2. Não focar em acelerar ou adiar a morte
Nos Cuidados Paliativos não existe um propósito de acelerar ou adiar a morte, mas sim, foca-se em viver com qualidade os momentos que ainda são desfrutados pelo paciente e por toda a sua família.
Dessa forma, a qualidade de vida é o foco, não o adiamento da morte com base em estratégias que poderiam ser mais dolorosas e difíceis.
3. Trazer a reflexão da morte como algo normal na vida
Durante o atendimento nos Cuidados Paliativos, a equipe de profissionais também apresenta reflexões importantes sobre o conceito de morte e de vida.
Isso porque, devido ao estranhamento e ao medo que a morte pode provocar em muitas situações, as pessoas podem criar uma imagem de pânico e dor para a “passagem” para o falecimento.
Sendo assim, nas consultas e conversas que fazem parte dos Cuidados Paliativos, muitos conceitos sobre a morte são desmistificados, auxiliando em um falecimento mais tranquilo e menos apavorante.
4. Cuidar do psicológico e do “espiritual” do paciente
Os cuidados com a saúde psicológica e até mesmo com as questões espirituais do paciente também entram em cena nos atendimentos de Cuidados Paliativos.
Afinal, como o propósito é promover mais qualidade de vida, redução de dores e sofrimentos, e outros fatores semelhantes, o CP pode oferecer uma atenção especial a esses dois pontos que impactam diretamente a forma de o indivíduo e a sua família enxergarem a vida e a morte.
5. Oferecer suporte para o paciente viver ativamente – dentro do possível
Dentro dos limites físicos e psicológicos do paciente, são oferecidas atividades e formas de manter uma vida ativa, sempre respeitando a saúde e as condições de cada um.
A vida ativa pode desencadear sensações de prazer, bem-estar, satisfação, etc. Sendo assim, os profissionais, juntamente com a família, podem apoiar o indivíduo e oferecer condições para que ele pratique atividades que praticava antes do diagnóstico, sem ultrapassar os limites impostos pelas condições da saúde, claro.
6. Suporte para os familiares
Os Cuidados Paliativos também focam no suporte que pode ser dado aos familiares. Afinal, assim como o paciente começa a enfrentar a finitude da vida como uma situação próxima da sua realidade, a família também vivencia as questões emocionais envolvidas com este contexto.
Muitas dúvidas sobre o diagnóstico e o prognóstico podem surgir, ocasionando angústia, tristeza, desânimo, culpa, impotência, entre tantos outros sentimentos e emoções.
Assim sendo, a equipe de profissionais, especialmente o psicólogo, abordará essas questões com a família, auxiliando-a na compreensão do que está acontecendo, o que pode ser feito diante disso, etc.
7. Melhorar a qualidade de vida do paciente
Outro ponto que já viemos discutindo nas considerações acima, é que os Cuidados Paliativos focam na qualidade de vida do paciente.
O que pode ser feito para deixá-lo mais confortável? Quais atividades contribuem para o bem-estar e podem ser praticadas pelo paciente? O que ele gosta e não gosta, que pode ser manejado de maneira eficiente em prol da sua satisfação pessoal? Como é possível criar um ambiente mais aconchegante e agradável?
Essas e outras perguntas podem ser feitas na hora de promover um ambiente mais acolhedor, tranquilo e saudável ao paciente em Cuidados Paliativos.
Aspectos psicológicos do paciente em cuidados paliativos
Agora que já pudemos compreender um pouco mais sobre os CP, temos mais chances de ter uma visão mais clara acerca dos aspectos psicológicos do paciente em Cuidados Paliativos. Abaixo descrevemos alguns deles para que você reflita conosco:
1. Sentimento de impotência
Assim como ocorre quando pensamos nos aspectos psicológicos do paciente oncológico, no caso de indivíduos em posição de Cuidados Paliativos, o sentimento de impotência pode surgir.
Isso porque, muito embora existam alternativas médicas, medicamentos e estratégias de promoção da saúde, ainda assim o nosso corpo possui limites que, às vezes, nem mesmo os médicos são capazes de suprir.
Ocorre aqui a quebra daquela idealização de que o médico é soberano perante as doenças, ao perceber que, em alguns casos, a ameaça à vida é mais forte, e, às vezes, não existem estratégias “milagrosas” que revertam a enfermidade.
Essa perspectiva, inicialmente e em muitos momentos do tratamento, pode resultar no aparecimento do sentimento de impotência.
2. Sentimento de desamparo e solidão
O sentimento de desamparo e solidão frente ao diagnóstico de enfermidade que ameaça a vida também pode aparecer.
A pessoa pode se sentir sozinha dentro do seu diagnóstico, bem como as emoções de que está sofrendo uma injustiça também surgem.
A solidão, especialmente em casos de internação, pode aparecer diante do que está acontecendo.
3. Ligação com o sentido de finitude
Ao vivenciar uma doença que ameaça a vida, o indivíduo pode começar a pensar, de forma mais frequente, sobre a morte e a finitude da vida.
Ele pode perceber que, apesar de esse assunto não estar tão presente no cotidiano e nas conversas informais do dia a dia, a verdade é que a morte existe, e que todos nós estamos sujeitos a ela.
Sendo assim, algumas pessoas podem ter mais facilidade de elaborar e compreender o processo de finitude, enquanto outras podem ter maior dificuldade – aqui, o trabalho do psicólogo pode contribuir para uma visão mais clara da situação.
4. Enfrentamento dos lutos relacionados à perda de planos e objetivos
Durante a nossa trajetória de vida, vamos elaborando sonhos e planos em prol de um futuro diferente ou melhor do que o que vivemos no presente.
Porém, ao se deparar com um diagnóstico de câncer e o medo de morrer, por exemplo, o indivíduo pode se ver diante da quebra de muitos desses sonhos.
O que antes poderia ser alcançado, devido às limitações da doença, hoje pode se tornar inacessível.
Cada plano que deixa de ser viável provoca efeitos de luto no paciente. Ele perde um pouco da sua história que vinha escrevendo ao longo do seu caminhar nesta vida. Esse tipo de situação pode gerar medo, revolta, tristeza, desesperança, entre outras emoções e sentimentos.
Apesar de ser um processo normal, ou seja, o luto é normal quando perdemos algo como a possibilidade de perseguir um sonho, ainda assim é doloroso e merece atenção da família, amigos e psicólogo.
5. Aceitação da vida vivida – pode ter dificuldades ou não
Algumas pessoas podem sentir que cumpriram uma “missão” ao longo de sua vida vivida. Podem ter satisfação com tudo o que construíram e desenvolveram com o passar dos anos. Essa sensação de satisfação pode contribuir para uma tranquilidade e um maior bem-estar durante o enfrentamento da doença.
Em contrapartida, existem indivíduos que podem sentir que não viveram o suficiente e que não fizeram tudo o que poderiam ter feito. Nessa situação, a angústia, a culpa e a sensação de impotência podem surgir.
Isto é, a aceitação da vida vivida e a satisfação com a história escrita até aqui pode variar de acordo com a visão do próprio paciente. E, dependendo da visão que ele possui, o apoio psicológico pode ser extremamente importante para ressignificar a própria trajetória no mundo.
6. Medo do prognóstico, da dor e do sofrimento que possa ser vivido
O medo do prognóstico, de sofrer ou de sentir dor também são alguns dos aspectos psicológicos do paciente em Cuidados Paliativos. Afinal, a pessoa, que antes poderia ter uma vida saudável e tida como “normal”, hoje se depara com procedimentos médicos, medicamentos e efeitos colaterais que podem causar medo, angústia, tristeza, etc.
Apesar de ser normal se sentir dessa forma diante desse cenário, é importante conversar com a equipe médica e com o psicólogo para compreender melhor a situação, elaborar o que está por vir e entender o que realmente pode acontecer durante o processo de evolução e tratamento do caso.
Aqui, o conhecimento pode servir de base para uma maior compreensão da situação e uma redução de uma visão que se volte para algo “totalmente desconhecido”. Isto é, a doença deixa de ser algo desconhecido e passa a ser algo que tem um prognóstico claro e que contribui para a tranquilidade do paciente, em alguns casos.
7. Expectativas e fantasias perante o seu próprio conceito de morte
Cada pessoa pode ter uma visão única a respeito da morte e do fim da vida. Algumas podem construir expectativas e fantasias extremamente negativas, sentindo pânico, medo e desespero diante da possibilidade de morrer. Outras podem construir uma visão mais tranquila, calma e serena sobre a passagem que irão vivenciar no momento da morte.
Dessa forma, os aspectos psicológicos do paciente em Cuidados Paliativos podem envolver tanto a visão mais positiva, quanto negativa da morte.
Alguns indivíduos podem experimentar um medo extremo, enquanto outros podem encarar a situação de uma maneira mais tranquila.
De todo modo, as expectativas e fantasias sobre a morte mexem com o psicológico e o emocional de qualquer pessoa, e o psicólogo pode ajudar a desmistificar essa visão, auxiliando em uma compreensão que seja mais tranquilizadora e que não transforme a morte em algo extremamente doloroso e desesperador.
Como a família pode auxiliar um indivíduo em Cuidados Paliativos?
A família tem um papel muito importante quando pensamos nos aspectos psicológicos do paciente em Cuidados Paliativos.
Ela pode oferecer uma base emocional e psicológica para o paciente atravessar os momentos mais difíceis e encontrar formas de elevar a qualidade de vida diante do que vem acontecendo.
A seguir, apresentamos algumas orientações que podem contribuir:
1. Comunicação próxima e clara
Manter uma comunicação próxima, afetiva e clara é algo importante. Muitas vezes, dentre os aspectos psicológicos do paciente em Cuidados Paliativos nós podemos detectar os sentimentos de solidão e desamparo.
Sendo assim, se a família puder oferecer um ambiente comunicativo próximo, mostrando-se disponível, é possível minimizar esse tipo de sentimento.
Além disso, conversar sobre o diagnóstico, sobre o tratamento e até mesmo sobre as emoções de todos os envolvidos pode ser um caminho de apoio mútuo e “desabafo”, que auxilia na compreensão do que se sente e minimiza a sobrecarga emocional que pode assolar a família e o paciente.
2. Demonstração de apoio e afeto
A demonstração de apoio frente às dificuldades, aos medos e às angústias, pode ser uma forma de tranquilizar e acolher o indivíduo em sofrimento.
Ao mesmo tempo, as demonstrações de afeto também contribuem para uma sensação de pertencimento que minimiza a sensação de sofrimento e solidão.
A família, ao demonstrar o amor que sente pelo indivíduo, pode fazê-lo se sentir mais tranquilo diante da morte iminente, vivenciando momentos de alegria, confraternização e carinho com os familiares.
Isso pode nutrir a saúde mental, ao mesmo tempo em que fortalece o vínculo da família e ajuda-a a se preparar para o momento do luto.
3. Vivência de rituais de despedida
Muitas vezes, é possível viver rituais de despedidas em casos de doenças graves e que ameaçam a vida do paciente.
É o caso de promover conversas para demonstrar gratidão, pedir perdão, confessar algo que machuca algum familiar, entre outras situações.
Nesses momentos, a família e o paciente poderão falar sobre suas angústias, mágoas, remorsos, culpas e outros sentimentos que possam estar sobrecarregando o emocional.
Consequentemente, a vivência dessa situação pode provocar alívio tanto para a família, que pode esclarecer algumas coisas e agradecer por tudo o que o indivíduo fez ao longo da vida, quanto para o próprio paciente, que pode pedir perdão, confessar alguma coisa, agradecer pelos cuidados e pelo amor da família, enfim.
Esse tipo de situação promove tranquilidade, restaura vínculos (por exemplo, caso algum familiar esteja “brigado” com o paciente), entre outras situações.
4. Buscar saber mais sobre o caso do paciente
A família também pode buscar aprender um pouco mais sobre o caso clínico do paciente. Pois como mencionamos no decorrer deste conteúdo, compreender a realidade do indivíduo pode ser uma forma de se preparar e lidar melhor com ela, uma vez que o conhecimento poderá auxiliar no ajuste de ações e medidas que contribuem para o aumento da qualidade de vida do sujeito enfermo.
Da mesma forma, a família poderá quebrar alguns paradigmas e tabus que têm com relação à doença que o indivíduo possa ter. E isso pode minimizar fantasias e mitos irreais sobre o que pode acontecer com a pessoa que está doente.
5. Trabalhar a visão sobre a morte como um ciclo da vida
A família também precisa trabalhar a visão que tem da morte. Muitas vezes, a família pode ter uma visão extremamente desesperadora e negativa do fim do ciclo da vida, e transparecer isso ao indivíduo doente pode ocasionar impactos no paciente.
Por isso, desmistificar o conceito de morte, inclusive com o auxílio de um psicólogo, é uma forma de encarar a situação sob outras perspectivas, que podem ser menos agressivas, emocionalmente falando.
6. Oferecer conforto e aconchego ao paciente
Oferecer conforto e aconchego ao paciente, físico e emocional, é algo relevante. A família pode preparar o quarto, oferecer atividades que aumentem o bem-estar e a qualidade de vida do paciente (como um passeio que ele sempre sonhou, caso seja possível fazê-lo), entre outras ações.
Criar um espaço confortável, cuidando da iluminação, da cama, da circulação de ar e de outros detalhes é imprescindível para construir um ambiente que realmente promova sensações de conforto e bem-estar.
Essas e outras medidas que visam aumentar o conforto e a qualidade de vida do paciente podem ser colocadas em prática pelos familiares.
Apenas lembre-se de que cada caso é um caso, por isso, converse com o médico e com o psicólogo para encontrar outras estratégias que agreguem bem-estar ao paciente em Cuidados Paliativos.
Referências
CARVALHO, R. T.; PARSONS, H. A. (organizadores). O Manual de Cuidados Paliativos ANCP. Academia Nacional de Cuidados Paliativos. Disponível em: http://biblioteca.cofen.gov.br/wp-content/uploads/2017/05/Manual-de-cuidados-paliativos-ANCP.pdf. Acesso em 26 out. 2022.
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MELO, A. C.; VALERO, F. F.; MENEZES, M. A intervenção psicológica em cuidados paliativos. Psicologia, Saúde e Doenças, vol. 14, núm. 3, 2013, pp. 452-469 – Sociedade Portuguesa de Psicologia da Saúde. Lisboa, Portugal
RANGEL, C. M. V. Aspectos psicológicos de pacientes com câncer em Cuidados Paliativos. Tese de Dissertação – Ribeirão Preto, 2014.