Aspectos psicológicos do atleta em fim de carreira
Aspectos psicológicos do atleta em fim de carreira
Pensar nos aspectos psicológicos do atleta em fim de carreira é pensar em muitos fatores que envolvem singularidades e pontos de vista diferentes. Afinal, cada atleta pode encarar o fim da sua carreira de um modo diferente, de acordo com a sua forma de enxergar a situação, bem como a forma como a interrupção ocorre.
Por isso, reunimos informações neste conteúdo que podem ajudar você a compreender melhor esses aspectos presentes no atleta que toma a decisão, por livre e espontânea vontade (ou não), de encerrar a carreira esportiva. Acompanhe e saiba mais.
Causas da interrupção da carreira esportiva
Antes de analisarmos os aspectos psicológicos do atleta em fim de carreira, vamos nos atentar para as possíveis causas da interrupção nesses casos. Obviamente, cada atleta pode ter uma série de motivos para interromper a sua rotina esportiva, por isso, nossas considerações abaixo são apenas estimativas do que pode vir a acontecer nessas situações. Veja:
1. Desmotivação
A desmotivação pode ser uma das molas propulsoras para a interrupção da carreira. Ela pode estar associada a muitos fatores, como falta de apoio da família, baixa autoestima, falta de autoconfiança, dificuldade para conciliar a carreira com outros planos de vida, etc.
2. Lesões no esporte
As lesões no esporte podem ocasionar uma série de impactos nas emoções do atleta. Quando este é impedido de praticar o esporte, devido à gravidade do problema, a interrupção da carreira – que pode ser precoce ou não – ocorre.
3. Falta de apoio e estrutura
A falta de apoio e de estrutura, seja para treinar ou para encontrar motivação frente às adversidades da carreira, também pode ocasionar a tomada de decisão de interromper a prática esportiva.
4. Avanço da idade
O avanço da idade também é um fator determinante. Neste caso, o envelhecimento pode ocasionar impactos na autoestima do atleta, resultando em outros conflitos emocionais pós carreira esportiva.
Porém, é importante salientar que em esportes como o futebol o atleta tem a sua interrupção por idade muito cedo, por volta dos 35 ou 38 anos, o que pode ocasionar frustrações, por exemplo.
5. Problemas com a rotina
Devido ao desejo de colocar em prática outros projetos de vida, como a constituição de uma família, o atleta de alto rendimento pode se ver diante de um dilema: escolher uma rotina mais tranquila com a família ou dedicar-se exaustivamente ao esporte.
Em muitos casos, a primeira opção pode ser a escolhida, resultando na desistência devido aos problemas com a rotina.
6. Novos planos
Novos planos para a vida também entram nesta lista. Afinal, o atleta tem o total direito de querer rever a sua rotina para implementar novos objetivos, inclusive profissionais. Há, ainda, esportistas que decidem trocar de carreira dentro do esporte, não se afastando desse universo, porém, afastando-se da carreira atual.
7. Redução do prazer no esporte
A redução do prazer no esporte pode ocorrer por uma série de fatores subjetivos do indivíduo, tornando-se uma das causas do abandono da carreira como esportista.
Aspectos psicológicos do atleta em fim de carreira
Agora que pudemos ter um panorama geral dos motivos pelos quais muitos atletas decidem encerrar as suas carreiras no esporte, vamos agora discutir sobre os aspectos psicológicos envolvidos com essas situações. Confira:
1. Falta de motivação para praticar exercícios
Um dos aspectos psicológicos do atleta em fim de carreira pode ser a falta de motivação para seguir uma vida ativa, no sentido de praticar exercícios.
Como os exercícios físicos, antes, estavam atrelados à profissão e ao desempenho no esporte, pode ser que o indivíduo não encontre mais motivos suficientes para manter uma rotina de treino e atividades.
No entanto, esse comportamento pode colocar a saúde física e mental em risco, uma vez que a prática de atividades físicas faz toda a diferença na nossa qualidade de vida.
Por isso, procurar formas de implementar práticas saudáveis na rotina – sem excessos ou super treinos como ocorria antes -, é uma medida importante para a manutenção da saúde.
2. Hábitos ruins
Assim como a falta de atividades físicas pode aparecer, os hábitos ruins também podem se instaurar devido à finalização da carreira.
Por não haver uma motivação que faça com que o atleta se mantenha com uma alimentação saudável e sem consumir bebidas alcoólicas excessivamente, por exemplo, ele pode aderir aos comportamentos prejudiciais e nocivos, colocando a saúde em risco e reduzindo a qualidade de vida.
Nessas situações, buscar um consumo equilibrado de alimentos industrializados e do álcool, sempre priorizando a alimentação saudável, é um caminho relevante a ser percorrido.
3. Quebra na dedicação “existencial”
Antes da interrupção da carreira, o atleta pode enxergar em sua atuação o seu “sentido existencial”. Afinal, as práticas esportivas podem fazer parte de uma grande parcela do seu dia, ocasionando uma dedicação atrelada à abdicação de outras atividades que fariam parte da identidade do sujeito.
Sendo assim, quando ocorre a interrupção da carreira, essa “dedicação existencial” pode deixar de acontecer, pois, agora, o esporte não está mais presente da mesma forma. Essa quebra, portanto, pode causar impactos emocionais e até mesmo provocar dúvidas sobre o sentido da vida, por exemplo.
4. Diminuição do autorreconhecimento
Muitas vezes, o esporte pode fazer parte do autorreconhecimento que o sujeito faz de si mesmo. Ele se enxerga pelo esporte e por seu potencial na prática esportiva. No entanto, quando ocorre a interrupção, esse autorreconhecimento pode ficar abalado. A pessoa pode se questionar sobre as suas próprias qualidades e habilidades, por exemplo.
5. Estágio de perda da identidade
A prática de esporte pode ser encarada como a identidade do atleta, em muitos casos. Isto é, ele pode se enxergar como um atleta, um esportista, etc., deixando de lado outras identidades que poderiam ser construídas sobre si mesmo.
Sendo assim, quando a carreira chega ao fim, ele pode se deparar com a perda dessa identidade. Ele não será mais o jogador de futebol, mas, sim, o ex-jogador. Esse “ex” pode ocasionar impactos na forma como a pessoa se enxerga, entende a própria identidade, etc. É como se o atleta se visse diante da necessidade de construir uma nova identidade, do zero.
Nessas situações, o autoconhecimento e a psicoterapia podem ser grandes aliados. Isso porque o atleta poderá conhecer outros atributos, habilidades e qualidades que possui, ao mesmo tempo em que desenvolve a sua identidade pessoal baseando-se em quem é, em quem foi e em quem deseja ser no futuro.
6. Impactos na autoestima
A autoestima, sem dúvidas, pode sofrer impactos no fim da carreira. E isso vale não apenas para os esportistas.
Afinal, o ser humano pode atrelar muito de si mesmo com o seu próprio trabalho. É por meio do trabalho que ele é reconhecido, prestigiado, etc. Quando há a perda da rotina laboral, o indivíduo pode se sentir “inútil”, com menor valor, entre outros fatores.
No esporte, não é diferente. Por se tratar de um trabalho como qualquer outro, o atleta pode ter a sua autoestima abalada devido à possibilidade de se enxergar como um “ninguém” fora da sua atuação esportiva.
A dificuldade para lidar com a perda do prestígio, por exemplo, pode ocasionar o aparecimento de um autoconhecimento deturpado.
7. Dificuldade para tomar a decisão de parar
A decisão de parar não é a coisa mais simples do mundo para um esportista. Afinal, trata-se de uma decisão que mudará completamente a sua rotina, a forma como ele se enxerga, entre outros fatores igualmente importantes.
Sendo assim, quando pensamos nos aspectos psicológicos do atleta em fim de carreira, não podemos deixar de citar essa dificuldade. O atleta pode se ver diante de um impasse: finalizar a carreira por motivos que possui, ou persistir, mesmo quando a parada seja a decisão mais coerente.
Decidir algo é, automaticamente, abrir mão de outra coisa. Decidir interromper a carreira é abrir mão de tudo o que ela proporciona, recebendo o outro lado: mais tempo para a família, possibilidade de ingressar em novos planos de vida, etc; em contrapartida, não interromper a carreira é deixar outros planos de lado, afastar-se da família por mais tempo, etc., ao mesmo tempo em que mantém tudo o que ela sempre proporcionou.
Por isso, decidir é algo difícil que pode provocar certo desconforto no atleta, assim como em qualquer pessoa que precisa tomar uma decisão importante.
Nessas situações, o apoio psicológico também pode ser de grande valia, auxiliando o indivíduo a refletir sobre os caminhos que tem à sua frente e quais deles pode ser o escolhido para os próximos passos.
8. Sintomas depressivos na interrupção precoce ou por lesão
Alguns atletas podem apresentar sintomas de humor deprimido em decorrência da interrupção precoce, que pode ser causada por lesão no esporte ou por outro fator que escapa do controle do atleta.
O fato de não poder perseguir o sonho dentro da prática esportiva pode ocasionar sentimentos de impotência, tristeza, frustração, etc.
Sendo assim, os sintomas depressivos e, em casos mais extremos, a depressão, podem ser fatores que fazem parte da vida de alguns atletas.
9. Luto vivido pelo fim da carreira
Quando perdemos algo muito significativo para nós, como um emprego, um relacionamento, etc., passamos por um processo de luto, semelhante ao que vivemos na perda de um ente querido.
Claro que as dores não se comparam – mas dor alguma se compara! -, no entanto, o luto também pode ser vivido no momento em que o atleta encerra a sua carreira.
Entenda o luto como o processo de tirar o investimento de algo muito importante, colocando em outra área de nossa vida. Esse investimento é psíquico.
Ou seja, o atleta investia muito de sua vida psíquica no esporte, enxergando-o como uma área importante de sua vida e compreendendo-o como parte do sentido de sua vida. Ao perdê-lo, é necessário transferir esse investimento para novas áreas e situações da vida, o que exige um momento de elaboração do luto.
Esse desinvestir e reinvestir, portanto, nada mais é do que o processo de luto que vivemos sempre que perdemos algo importante para nós.
Por isso, o atleta precisa aceitar o seu próprio tempo, respeitando as suas emoções, chorando se for necessário, enfim, atravessando as fases do luto para elaborá-lo de forma mais sadia e equilibrada.
Inclusive, a busca por apoio psicológico, para atravessar esse luto, pode ser uma medida interessante.
Como lidar com as questões psicológicas do fim de carreira?
Os aspectos psicológicos do atleta em fim de carreira podem ocasionar efeitos intensos na saúde mental do indivíduo. Embora alguns esportistas possam atravessar esse processo de forma mais equilibrada e simples, outros podem encontrar dificuldades para lidar com as questões emocionais envolvidas com todas as mudanças.
Nessas situações, algumas medidas podem ser consideradas para promover uma travessia mais saudável e equilibrada. Apesar de não existir fórmula mágica, ainda assim podemos considerar algumas ações que podem vir a ser benéficas. Veja a seguir:
1. Vivência do luto
Como vimos no fim do tópico anterior, o luto faz parte dos aspectos psicológicos do atleta em fim de carreira. Afinal, ocorre uma perda e uma interrupção significativa na rotina e na vida do sujeito. Dessa forma, respeitar o processo de elaboração do luto é um caminho que pode ajudar nessas situações.
Assim sendo, recomenda-se que o atleta não negligencie as suas emoções, como faria se ficasse “calando-as”. Ou seja, recomenda-se que ele fale sobre as suas angústias, sua tristeza e seu processo de luto, especialmente com o psicoterapeuta.
Afinal, respeitar o tempo de recuperação também pode ajudar a atravessar esse momento.
Tudo bem não se sentir super animado para fazer novos planos da noite para o dia. Respeitar o tempo de ressignificação da vida e da rotina é válido, além de ser um gesto de respeito para consigo mesmo.
2. Ressignificação identitária
A identidade do atleta pode estar muito atrelada à sua rotina dentro do esporte. Porém, quando a carreira chega ao fim, pode-se vivenciar uma crise existencial significativa.
Nesses casos, praticar o autoconhecimento e buscar uma ressignificação identitária pode ser um caminho saudável. Vale ressaltar que esse processo não é rápido e não ocorre da noite para o dia.
O atleta pode atravessar dificuldades na hora de implementar novos sentidos e ações para a sua rotina, o que é normal. Portanto, não há necessidade de forçar a barra para encontrar uma nova identidade, como em uma outra área de atuação – relacionada ou não aos esportes.
O processo de autoconhecimento pode ser demorado e, aqui, a psicoterapia pode ser uma grande aliada.
3. Novos planos e objetivos
Analisar e desenvolver novos planos e objetivos também é um caminho válido a ser percorrido. Embora no começo possa parecer difícil para o atleta estabelecer novas atuações para si mesmo (tanto no sentido profissional, quanto pessoal), refletir sobre o futuro e pensar em formas de traçar metas de curto, médio e longo prazo é uma forma de elevar a motivação para com a nova realidade.
Afinal, a perda da prática esportiva pode resultar em uma sensação de vazio, o que pode se agravar caso o indivíduo não estabeleça novos passos para a sua vida.
Não estamos dizendo que a pessoa deva encontrar novos objetivos de vida da noite para o dia. Mas, sim, estamos dizendo que pensar sobre o futuro, experimentar coisas novas e traçar novos objetivos, que tenham relação com o mundo do esporte ou não, são passos que podem contribuir para uma nova significação da vida profissional e pessoal, bem como podem proporcionar efeitos positivos na qualidade de vida do indivíduo.
4. Psicoterapia
Sem dúvidas, a psicoterapia e a Psicologia Esportiva também pode auxiliar quando pensamos nos aspectos psicológicos do atleta em fim de carreira. Por meio do processo psicoterapêutico, o indivíduo poderá falar sobre o que sente com relação à interrupção da carreira; quais são as suas angústias envolvidas com isso; o que ele pensa sobre o futuro; o que ele deseja e o que ele não deseja atingir de agora em diante, etc.
Além disso, é possível ressignificar crenças que possam estar atrapalhando o desenvolvimento do indivíduo frente às novas possibilidades que surgem em sua vida.
O terapeuta, que tem um olhar neutro e focado nas singularidades do paciente, poderá auxiliar na busca por insights que contribuam para o desenvolvimento do autoconhecimento e da inteligência emocional do paciente.
Por isso, buscar ajuda profissional é uma forma de encarar as questões relacionadas à interrupção, isso por um meio científico que contribua para uma maior qualidade de vida, mesmo diante das dificuldades que possam ser vividas.
Considere essa possibilidade e priorize a sua saúde mental.
5. Encontrar novos hobbies
Muitas vezes, o esporte ocupava muito espaço da agenda do atleta, o que o fazia abrir mão de outras atividades que ele também gostava e que também podiam promover prazer e bem-estar.
Sendo assim, quando pensamos em formas de lidar com os aspectos psicológicos do atleta em fim de carreira, podemos considerar a possibilidade de encontrar novos hobbies.
Eles não precisam ter envolvimento com o esporte, mas, sim, devem promover prazer e serem praticados única e exclusivamente para proporcionar bem-estar ao sujeito.
6. Desenvolver laços sociais sadios
Os laços sociais também podem ajudar neste momento. O atleta, que pode passar por questões emocionais, pode encontrar nos laços sociais um suporte emocional saudável e equilibrado.
Ser amparado pelas pessoas queridas e importantes pode ajudá-lo a encontrar forças para lidar com as adversidades.
Como somos seres sociais, esses sentimentos de apoio e de pertencimento contribuem para a nossa qualidade de vida. Por isso, investir na aproximação de pessoas queridas é mais uma forma de lidar com as questões vividas nesse momento. Priorize as suas relações saudáveis.
Referências
BARBOSA FILHO, Valter Cordeiro et al. A vida após o fim da carreira esportiva: um estudo sobre atividade física no lazer em ex-atletas catarinenses.
GUIMARÃES, Arthur Silveira. O jogo acabou: um estudo socioantropológico sobre o fim da trajetória profissional de atletas do futebol. 2017. 147 f. Tese (Programa de Pós-Graduação em Sociologia) – Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2017.