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Aspectos psicológicos da mulher atleta

Aspectos psicológicos da mulher atleta

Os aspectos psicológicos da mulher atleta certamente são singulares, ou seja, têm relação com a história de vida e o contexto social em que a mulher está inserida. No entanto, sabemos que algumas questões de gênero podem impactar a saúde mental e até mesmo a auto percepção da mulher, devido às imposições sociais e às cobranças que ela possa sofrer – não só no esporte, como na vida como um todo

Por isso, trouxemos algumas considerações sobre essa temática para que possamos refletir sobre o assunto e, assim, dialogar sobre medidas que possam ser levadas em conta na hora de lidar com os impasses proporcionados pelas diferenças dadas aos gêneros dentro do esporte. Acompanhe e saiba mais sobre o assunto.

Aspectos psicológicos da mulher atleta

Os aspectos psicológicos da mulher atleta, como comentamos acima, podem sofrer impactos de acordo com as vivências da pessoa. Isto é, tudo que a mulher vive, desde a sua infância, até a vida adulta, pode refletir na maneira como ela irá lidar com as questões relacionadas ao gênero dentro do esporte.

Afinal, não é muito comum nos depararmos com situações nas quais ouvimos “isso não é brincadeira de menina”, quando uma criança do sexo feminino resolve, por exemplo, jogar futebol com os amigos.

Além disso, outros tratamentos que são dados de formas diferentes para meninos e meninas também podem moldar a forma como a futura atleta enxerga as suas próprias aptidões e as cobranças da sociedade sobre a mulher.

Enraizadamente, vemos que a sociedade busca impor o papel da sensibilidade, do feminino e da delicadeza para as mulheres, inclusive no esporte. Já para os homens, é imposto o papel de agressividade, força, determinação e potência.

Porém, o esporte exigirá força tanto da mulher quanto do homem, mas exigirá feminilidade e um cuidado excessivo com a aparência apenas no caso da mulher.

Todas essas questões vão sendo somadas e impactando a vida da mulher de diferentes maneiras.

Além disso, podemos pensar ainda nas questões biológicas, como no ciclo menstrual da mulher e todas as questões que possam estar envolvidas com esse acontecimento natural. Isto é, algumas mulheres podem apresentar sintomas intensos de TPM, inclusive quando pensamos nas questões de cunho psicológico.

Sendo assim, essa é mais uma diferenciação que é interessante levarmos em conta ao pensarmos nos aspectos psicológicos da mulher atleta. A seguir, descrevemos cada um deles com mais detalhes, adicionando outras informações relevantes. Veja:

1. Questões relacionadas ao ciclo menstrual da mulher
A mulher que mantém o seu ciclo menstrual ativo, ou seja, que não consome anticoncepcionais hormonais ou outro tipo de medicamento que possa extinguir a menstruação e demais alterações que ocorrem durante o mês, pode experimentar questões relacionadas às alterações hormonais do período menstrual, resultando, inclusive, em aspectos psicológicos.
Discutimos mais a respeito disso em um artigo sobre Menstruação e Ciclo Menstrual da Atleta.
É possível que a mulher fique mais sensível, irritada, chorosa, cansada, etc. Esses efeitos podem provocar impactos na forma como ela desempenha a sua função dentro do esporte.
Embora não seja uma questão de violência de gênero, é importante trazermos essa informação à tona para que possamos pensar sobre todas as questões que impactam o rendimento e a saúde mental da mulher.
Afinal, pode haver casos de sintomas intensos durante o período pré-menstrual, menstrual e pós-menstrual, o que exige uma intervenção adequada por parte dos profissionais de saúde que atendem a mulher atleta. Inclusive, o psicólogo do esporte se faz necessário nessas situações, visando oferecer um ambiente mais agradável e com menos impactos causados pelos fatores hormonais.

2. Preconceito em esportes vistos como majoritariamente masculinos
Sem dúvidas, existem determinados esportes que são majoritariamente associados ao universo masculino. Um dos exemplos mais clássicos é o futebol.
Desde a infância, as meninas costumam ser impedidas de praticar tal esporte, mesmo quando demonstram desejo e gosto pela prática em questão. Devido às questões relacionadas ao gênero, a menina pode crescer sem a oportunidade de iniciar o desenvolvimento de suas habilidades nesse esporte.
Assim sendo, pode ser comum que a menina inicie precocemente, ou sempre com um olhar de desaprovação por parte das outras pessoas, o que pode resultar em impactos no rendimento, na autoestima e na autoconfiança da atleta.
Se ela cresce em um ambiente no qual é dito a ela que tal esporte não é “coisa de mulher” ou que ela “não deveria praticar isso”, consequentemente esses discursos podem minar a autoconfiança mais tarde, na vida adulta.
Portanto, o preconceito com relação aos esportes que são classificados como “masculinos” pode estar enraizado na história de vida da atleta, que poderá carregar essas marcas durante toda a sua trajetória, inclusive na sua rotina profissional.

3. Posição privilegiada do homem com relação à mulher
Ainda pensando sobre a criação das crianças, podemos nos recordar de um fato relevante: a posição privilegiada do sexo masculino com relação ao feminino.
Por exemplo, durante a infância e adolescência os meninos podem ser mais incentivados às práticas esportivas. Em contrapartida, as meninas podem ser empurradas para um universo que se volta ao culto ao corpo e à beleza, focando mais na aparência e na feminilidade.
Consequentemente, o menino terá uma posição privilegiada, pois poderá dedicar maior parte do seu tempo para os treinos e o desenvolvimento de suas habilidades no esporte. As meninas, por sua vez, poderão até praticar esportes com o apoio da escola, mas terão outras preocupações – não relacionadas à prática – durante a atividade, como por exemplo, a roupa que irá vestir, se o cabelo está bonito ou não, entre outros fatores enraizados na sociedade machista.
Na vida adulta, outras situações de poder podem ser detectadas. É o caso de a mulher ser vista como dona de casa e a responsável pela família, que não deveria abrir mão disso para treinar e se desenvolver enquanto atleta. Já o homem é colocado, normalmente, como “livre” dessas questões, o que abre caminho para que ele seja privilegiado e possa dedicar mais do seu tempo à prática esportiva – sem culpas ou julgamentos por conta disso.
Por conta disso, a mulher pode se sentir pressionada por não cumprir o papel que a sociedade espera dela, o que pode provocar a desistência da prática esportiva e o desinteresse pelo desenvolvimento profissional nessa área.

4. Quebra de padrões que pode ser difícil
Quebrar os padrões impostos para a mulher pode ser algo extremamente difícil. Por isso, quando pensamos nos aspectos psicológicos da mulher atleta, não podemos deixar de mencionar o quanto esse papel de feminino e de fragilidade pode impedir que a mulher venha a se desenvolver da forma que gostaria.
A todo momento a mulher é cobrada pelos “seus modos”, sua aparência, seus cuidados com a beleza, seu desejo de ser mãe, e assim por diante. Em contrapartida, a aparência e as questões relacionadas à paternidade não são cobranças recorrentes na rotina da maior parte dos homens. Embora existam exceções, sabemos que essas cobranças recaem mais sobre a vida das mulheres.
Sendo assim, quando uma mulher escapa desse padrão, dizendo que não quer ser mãe ou simplesmente não performando no feminino, pode ser acusada e apontada de diversas formas, sendo diminuída de uma maneira machista, como se ela fosse “menos mulher” devido a essas características.
Logicamente, esses fatores podem impactar a autoconfiança, a autoestima e a saúde mental da mulher atleta, que se vê constantemente pressionada para seguir padrões que, para ela, não fazem sentido e não deveriam existir.

5. Aspectos relacionados à feminilidade
A feminilidade é algo que costuma ser cobrado das mulheres, e isso é bastante perceptível. Quando uma mulher escapa dessa performance feminina, passa-se a questionar a sua sexualidade, os seus gostos, o seu estilo de vida, a sua beleza, entre outros fatores.
Sem dúvidas, são fatores extremamente machistas que recaem sobre a vida das atletas, resultando em efeitos na saúde mental, na autoestima e na autoimagem.
Desde a infância, as mulheres são expostas a roupas delicadas, maquiagem, esmalte, sapatos que realçam a beleza – mesmo que sejam desconfortáveis – entre outros pontos.
Já os homens não passam por esse tipo de situação. Assim sendo, quando crescem, as mulheres ainda são cobradas para que performem no feminino, pois se isso não acontecer, recebem apelidos como “machorra” ou “mulher macho”, por exemplo.
É como se, para ser mulher, todas precisassem gostar de maquiagem, cuidar excessivamente do cabelo e ter assuntos fúteis como única fonte de conversa, como no caso de conversar apenas sobre compras, sapatos, roupas, procedimentos estéticos, etc.
Em paralelo a isso, é muito comum vermos matérias que focam exatamente nisso. São fotos do bumbum das jogadoras que estampam notícias, matérias que falam da beleza de determinada atleta, e assim por diante. Em contrapartida, o número de matérias, que possam ter esse teor, no universo do esporte masculino, são muito menores.
Essa pressão sobre as mulheres, para que sejam femininas para serem consideradas como, simplesmente, mulheres, é algo que mexe com a autoestima e até mesmo com a auto percepção das atletas.
Por serem julgadas como “menos” mulheres, devido à falta de feminilidade, se vêem diante de anulamentos feito pelas outras pessoas – sendo que estas se sentem, simplesmente, no direito de dizer o que a mulher deve ou não fazer com sua aparência e sua vida.

6. Culturalmente pode haver mais espaço para demonstrar emoções
A mulher, socialmente, pode ser associada a um ser mais sensível, emocional e, inclusive, desequilibrado por conta disso.
Sendo assim, há um espaço maior para que a mulher demonstre as suas emoções dentro do esporte.
Embora a demonstração das emoções seja algo que realmente é interessante e pode promover benefícios para a saúde mental do sujeito, ainda assim vemos que esse “privilégio” é marcado por uma dose de preconceito e estereotipação da mulher.
Ela é vista como frágil e que é por isso que chora. Logo, é caracterizada como alguém que não tem a mesma força e a mesma potência que um homem pode vir a ter dentro do esporte.
Essa questão também promove efeitos na saúde da mulher, que pode se sentir diminuída pelo simples fato de demonstrar o que sente. E ainda, ser “obrigada” a atuar de forma mais sensível e emocional, pois o papel do feminino é muito atrelado a isso.

7. Comparações com os homens que levam a questões emocionais
As comparações entre o desempenho das atletas mulheres, em detrimento aos atletas homens, é totalmente injusta, porém, ocorre de forma recorrente.
É o caso de comparar os resultados e a performance dos homens da Seleção Brasileira de Futebol Masculino e da Seleção Brasileira de Futebol Feminino.
Embora sejam dois universos distintos, ainda assim as pessoas insistem em fazer comparações, como se isso fosse possível.
De forma geral, as comparações não são justas nem quando ocorrem dentro do mesmo grupo de gênero e de contexto social, pois cada indivíduo possui a sua própria história de vida, visões de mundo, questões físicas e emocionais, etc.
Sendo assim, a comparação entre os esportes femininos e masculinos é algo que jamais deve ocorrer, pois se trata de um comportamento injusto que apenas impulsiona fatores negativos que impactam a autoestima e a autoimagem da mulher.
Afinal, podemos ver que essa comparação pode ocorrer, na maior parte das vezes, com uma visão negativa. Ou seja, com o propósito de minimizar os ganhos das mulheres.
Comentários como “o futebol feminino é mais fácil” acontecem, dando a entender que as mulheres só o vencem porque se trata de uma categoria esportiva mais simples do que a masculina.

8. O não reconhecimento da mulher atleta
Não é raro vermos o foco das manchetes na beleza e no corpo da atleta. Quando buscamos informações sobre isso em artigos científicos, fortalecemos ainda mais essa ideia de que o não reconhecimento da mulher atleta é bastante recorrente.
Isto é, muitas vezes ocorre o reconhecimento de um corpo bonito, atraente e que chama a atenção, sem dar à devida consideração a performance esportiva da mulher. Ou seja, ela pode ser vista como um “objeto bonito” que enfeita as quadras, e não como uma profissional qualificada que está ali para buscar os próprios objetivos e desejos para com o esporte.
Essa falta de reconhecimento é outro fator que pode resultar em impactos na autoestima da mulher, ou seja, tem ligação direta com os aspectos psicológicos da mulher atleta.
A mulher poderá se sentir diminuída a um mero objeto de apelo sexual diante das câmeras e das entrevistas.
Começar a quebrar com esse tipo de visão é extremamente importante. Para isso, podemos pensar em formas de quebrar diálogos que associem as mulheres atletas a meros corpos bonitos e que são feitos para serem “apreciados”, associando-as, assim, a atletas de alto rendimento, com habilidades e com conhecimentos sobre o mundo esportivo.

9. Sexualização da mulher
Quando paramos para analisar as roupas das mulheres em alguns esportes, em detrimento às roupas folgadas e confortáveis dos homens, podemos ver que ainda existe muita cultura de sexualização da mulher dentro do esporte.
Essa sexualização fere o emocional, diminui a capacidade da mulher – no sentido de reduzi-la a um objeto sexual, ao invés de vê-la como uma esportista qualificada -, ocasionando efeitos, inclusive, no desempenho da mulher.
O assédio pode agravar questões emocionais na vida da mulher. Por isso, denunciar esse tipo de postura é muito importante.
As manchetes que sexualizam as mulheres não devem ser veiculadas e as pessoas não devem dar audiência para esse tipo de conteúdo. E os comentários sexistas e machistas que são proferidos pelas pessoas devem receber repreensão, para que não ocorram novamente no futuro.

Conclusão

Sabemos que os aspectos psicológicos da mulher atleta podem estar muito associados a como a sociedade enxerga e impõe o papel das mulheres. Isso quer dizer que podemos ter um árduo caminho pela frente, mas que é muito importante para que todas possam receber um tratamento digno no esporte e livre da violência de gênero.

Da mesma maneira, recomendamos que as mulheres atletas busquem ajuda psicológica caso se sintam impactadas emocionalmente devido às condições que o mercado esportivo pode impor sobre elas.

Assim, torna-se possível encontrar mecanismos internos para enfrentar questões emocionais que vão surgindo no desenvolvimento da carreira.

E lembre-se: a mulher pode ser o que ela quiser ser. Se ela quer ser uma atleta de alto rendimento, ela pode. E ninguém tem o menor direito de negar isso!
Em casos de violência e assédio, denuncie!

Referências
CAPITANIO, A. M. Contexto social esportivo: fonte de stress para a mulher? Revista Digital – Buenos Aires – Año 10 – N° 78 – Noviembre de 2004.

PAIM, Maria Cristina Chimelo. Violência contra a mulher no esporte sob a perspectiva de gênero. 2006. 121 f. Tese (Doutorado em Psicologia) – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006.