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Abordagem psicológica nos transtornos compulsivos

Abordagem psicológica nos transtornos compulsivos

A abordagem psicológica nos transtornos compulsivos considera a história de vida do sujeito e a sua relação com os próprios sintomas, visando detectar questões emocionais, psíquicas e do desenvolvimento que possam ter relação com o desenvolvimento desse quadro clínico.

A partir disso, uma série de medidas podem ser colocadas, com foco em oferecer a minimização ou remissão de sintomas, quando possível, sempre considerando a singularidade de cada indivíduo.

Neste texto, apresentamos informações gerais sobre esse processo para que você possa compreender quais caminhos, muitas vezes, podem ser considerados nos tratamentos de transtornos compulsivos. Continue lendo e saiba mais.

Tipos de transtornos compulsivos

Antes de nos aprofundarmos na abordagem psicológica nos transtornos compulsivos, é interessante termos em mente que não existe apenas o Transtorno Obsessivo-compulsivo, como muitas pessoas podem crer. Na realidade, segundo o DSMV, são diversos os transtornos compulsivos que podem ser detectados.

Abaixo descrevemos brevemente alguns deles para esclarecer potenciais dúvidas iniciais:

  • Transtorno Obsessivo-compulsivo: Nesse transtorno o indivíduo apresenta comportamentos e/ou pensamentos impulsivos recorrentes e persistentes, que podem levar o sujeito a colocar em prática determinados comportamentos que perturbam o seu bem-estar e sua rotina. Por exemplo, acender e apagar a luz da casa 50 vezes antes de sair, pois sente uma angústia extrema se não fizer isso.
  • Transtorno Dismórfico Corporal: Nessa compulsão, o sujeito pode mostrar uma preocupação excessiva com o seu corpo, enxergando defeitos que, para as outras pessoas, são quase “invisíveis” ou pouco significativos. O indivíduo pode passar horas na frente do espelho analisando os “defeitos”, de maneira recorrente e repetitiva.
  • Transtorno de Acumulação: Nesse caso, a pessoa pode apresentar uma grande dificuldade para se desfazer de pertences e objetos, mesmo quando estes não possuem nenhum valor real. Nessa compulsão, o indivíduo acumula uma série de itens, objetos e materiais de maneira descontrolada, perturbando a sua vida, rotina, etc. Caso descarte um item, o sofrimento psicológico é bastante intenso.
  • Transtorno de Arrancar o Cabelo: Nesse transtorno, o sujeito demonstra um comportamento repetitivo de arrancar os cabelos, a ponto de ocasionar problemas de saúde capilar. Além disso, há as tentativas de interromper o comportamento, mas sem sucesso, a ponto de gerar culpa e sofrimento para o indivíduo.
  • Transtorno de Escoriação: Nesse tipo de situação, o indivíduo belisca a pele de forma compulsiva, ocasionando lesões que o prejudicam e causam angústia/mal-estar. Além disso, a pessoa pode tentar parar de beliscar a pele, mas sem sucesso, denunciando um quadro de transtorno mental.
  • Compulsão Alimentar: Embora não esteja na categoria de transtornos obsessivos, mas sim de transtornos alimentares, a compulsão alimentar também demonstra um comportamento incontrolável do sujeito. Este ingere uma quantidade exagerada de alimento e sente que não consegue controlar essa ingestão, ocasionando sentimentos de culpa, aumento excessivo de peso, etc.

Perceba que existem muitos tipos de transtornos compulsivos. Por isso, quando pensamos na abordagem psicológica nos transtornos compulsivos, devemos ter em mente que cada situação pode necessitar de uma intervenção específica.

Por exemplo, nos casos de transtorno dismórfico corporal, o sujeito pode necessitar de um trabalho focado na sua autoestima e na sua visão sobre si mesmo. Já no caso do transtorno de escoriação, é necessário avaliar a história de vida e potenciais gatilhos envolvidos com o quadro.

Contudo, descrevemos essas e outras intervenções no próximo tópico, para que você possa saber mais sobre o assunto.

Abordagem psicológica nos transtornos compulsivos

Iniciaremos este tópico trazendo à luz a ideia de que a abordagem psicológica nos transtornos compulsivos visa oferecer mais qualidade de vida, minimização dos sintomas, saúde e bem-estar para o paciente.

Desse modo, é necessário colocar em prática intervenções que se alinhem com a história de vida do sujeito, com os impactos que os sintomas provocam em sua vida, com as emoções envolvidas com as crises de compulsão, etc.

Sendo assim, não existe um passo a passo rígido a ser seguido, nem na terapia, nem em casa. Mas sim, existem medidas que, quando alinhadas à realidade do sujeito, podem contribuir para um aumento da qualidade de vida.

Essas medidas estão descritas a seguir, com algumas observações importantes. Adquirir esse conhecimento pode ser interessante na hora de conquistar insights, seja como paciente, seja como familiar. Veja:

1. Reconhecimento do caso
Muitas vezes, o processo de reconhecimento de um quadro de transtorno compulsivo pode ser bastante doloroso para o sujeito. Embora este tenha consciência de que, ao longo do dia, possa estar diante dos sintomas, ainda assim receber o “título” de transtorno mental pode ser algo intenso.
Primeiro porque, infelizmente, ainda vivemos em uma sociedade que cria estigmas relacionados aos sintomas e aos transtornos mentais. Segundo porque o sujeito pode se sentir “perdido” frente ao diagnóstico, com medo do que pode vir a acontecer.
Além disso, receber um diagnóstico é atravessar um luto. É deixar para trás uma visão que se tinha da própria saúde e reconhecer um “rótulo” que pode sobrecarregar emocionalmente.
Por isso, inicialmente é importante viver essa aceitação do caso, reconhecendo o diagnóstico para, depois disso, iniciar medidas que minimizem os sintomas e aumentem a qualidade de vida, sempre considerando os limites emocionais do sujeito.

2. Desculpabilização
O processo terapêutico também visa trazer uma abertura para que o paciente fale de suas questões emocionais, deixando de lado a culpabilização que, muitas vezes, surge.
Afinal, no senso comum podemos encontrar discursos como “é só parar de comer” ou “é só parar de lavar as mãos e pronto”, como se uma obsessão compulsiva pudesse, de uma hora para outra, “ser arrancada” da vida da pessoa.
Pelo fato de existir esse tipo de discurso, um indivíduo com transtorno compulsivo pode se sentir culpado, por isso, a terapia visa iniciar um processo de desculpabilização.
Por meio da psicoeducação, por exemplo, o sujeito começa a compreender melhor o seu quadro clínico, entendendo os seus sintomas, as impulsividades, o possível prognóstico, e assim por diante, sem enxergar-se como uma pessoa culpada pelo ocorrido, mas sim, como um indivíduo com um quadro clínico que merece tratamento, como qualquer outra doença física seria vista.
Até porque, pare e reflita: alguém culpa uma pessoa por ter um problema de visão? Por ter diabetes? Então por que culpar uma pessoa com transtorno mental?

3. Análise dos gatilhos por trás dos comportamentos compulsivos
Muitas vezes, os comportamentos compulsivos podem estar ancorados a alguns gatilhos mentais e ambientais que levam o indivíduo a cometer tais atos obsessivos.
Sendo assim, analisar esses gatilhos, quando são detectáveis, pode ser uma das formas de minimizar os sintomas e as repetições vividas no dia a dia.
Primeiro porque o indivíduo pode descartar alguns gatilhos do dia a dia. Segundo porque, ao detectá-los, pode ser mais fácil enfrentá-los com maior racionalidade e consciência do que está acontecendo.
Por exemplo, se a pessoa tem consciência de que tocar um talher sujo a faz lavar as mãos diversas vezes, ela mesma poderá criar exercícios mentais para lavar a sua mão apenas uma vez, pois já tocou o talher e já sabe que sujou e, agora, que existe um método adequado que higieniza as mãos.
Claro que esse é apenas um exemplo ilustrativo, mas ter conhecimento sobre o que acontece na própria mente e dos reflexos que isso gera no dia a dia pode, à medida que o tempo passa, oferecer um controle da situação, mesmo que seja gradativo e, inicialmente, um pouco difícil.
O mesmo vale para os gatilhos que podem ser descartados do dia a dia, ou seja, que não têm o menor papel funcional na rotina. Por exemplo, se uma pessoa tem compulsão por doces, reduzir o número de guloseimas em casa pode diminuir o gatilho da exposição aos alimentos.

4. Análise da história de vida do sujeito e angústias relacionadas às compulsões
Cada caso de transtorno compulsivo é único e singular. Por isso, analisar a história de vida do sujeito, suas relações nutridas na infância e demais questões emocionais singulares, são medidas que podem propiciar insights, quebras de paradigmas e de crenças, entre outros efeitos terapêuticos importantes e alinhados à singularidade do indivíduo.

5. Fortalecimento da autoestima e autoconfiança
Os transtornos compulsivos, muitas vezes, geram sentimentos de vergonha, culpa e desvalia, devido à dificuldade de se controlar os comportamentos obsessivos.
Sendo assim, a psicoterapia também visa oferecer um suporte que fortaleça a autoestima e a autoconfiança do sujeito frente aos sintomas.
Para isso, trabalha-se o autoconhecimento, o reconhecimento dos próprios atributos, a compreensão das limitações como algo comum do ser humano – e não como defeito, entre outras ações semelhantes.

6. Análise de crenças e pensamentos distorcidos
Muitas vezes, pensamentos distorcidos estão associados aos comportamentos compulsivos.
Por exemplo, um indivíduo pode querer lavar as mãos diversas vezes por medo de se contaminar e adoecer por conta disso. Contudo, neste caso, é possível refletir sobre o comportamento de familiares e amigos: Será que eles estão doentes? Se não estão, eles têm lavado as mãos dessa forma? Será que existe diferença entre lavar a mão uma só vez, com atenção, e lavar diversas vezes?
Esses são apenas alguns exemplos de questionamentos, pautados em reflexões mais racionais, que podem ser feitos em alguns casos.

7. Planejamento de hábitos e mudanças saudáveis
A psicoterapia também pode servir de base para o planejamento de ações, mudanças e implementação de hábitos mais saudáveis.
O sujeito pode começar a planejar pequenas mudanças, expondo-se às transformações aos poucos. Mesmo que isso gere impactos emocionais, como momentos de angústia, ainda assim poderá ser trabalhado, na terapia, a exposição gradual a esse tipo de situação, para que se minimizem os sintomas compulsivos.

8. Planos e ações de acordo com cada caso
Vale ressaltar que a abordagem psicológica nos transtornos compulsivos leva em consideração cada caso, o que pode resultar em planos de ação bastante diferentes entre uma situação e outra.
Sendo assim, não existe um processo melhor ou pior, o que existem são mecanismos que serão postos em prática na terapia à medida que o paciente avança em seu próprio tratamento.
Para um indivíduo, o plano de ação de compreender o medo de perder a família, associado ao comportamento de trancar a casa muitas vezes antes de sair, é uma coisa. Já para outro, o plano de reduzir o foco na aparência e nos detalhes mínimos do corpo, olhando-se para os atributos mais amplos e para o ser inteiro, será outro plano de ação.

9. Trabalho focado nos sintomas de ansiedade
Muitas vezes, os pacientes com transtornos compulsivos também apresentam sinais intensos de ansiedade, relacionados ou não aos comportamentos obsessivos.
É o caso de uma pessoa sentir uma ansiedade extrema ao não verificar se fechou, de verdade, a janela do quarto, por exemplo.
Por isso, o terapeuta também poderá buscar ferramentas que minimizem a ansiedade, como técnicas de relaxamento, escuta ativa, análise das emoções, foco no que está sob controle, etc.

Orientações para a família ajudar uma pessoa com transtorno compulsivo

Além da abordagem psicológica nos transtornos compulsivos, também existem medidas que podem ser colocadas em prática, no seio familiar, para criar uma atmosfera mais saudável e respeitosa para com o paciente. Veja:

1. Não “forçar” que a pessoa pare com a compulsão, mas sim, acolher
Lembre-se sempre de que a pessoa tem um transtorno compulsivo, e que seus comportamentos não são meramente uma escolha.
Isso quer dizer que tentar forçá-la a parar determinado comportamento pode ser algo cruel e doloroso. Respeite o tratamento do indivíduo e acolha-o.

2. Escutar as emoções e dar apoio
Escute as emoções da pessoa e dê apoio. Isso pode criar uma atmosfera mais tranquila emocionalmente, na qual o indivíduo se sinta encorajado a ir adiante rumo ao seu tratamento e ao aumento da qualidade de vida.
Sendo assim, jamais invalide ou diminua o que o outro sente, mas sim, procure mostrar respeito, presença e disponibilidade para ouvir, caso seja possível.

3. Incentivar o tratamento psiquiátrico e psicológico
Incentive a busca por ajuda. Mostre que o tratamento pode aumentar a qualidade de vida e o bem-estar. Encoraje a pessoa a enfrentar a situação, mas sem forçar ou diminuí-la caso ela sinta dificuldades de ir adiante.
Além disso, se possível, acompanhe o indivíduo nas consultas, caso este seja o desejo dele. Demonstrar essa disponibilidade pode criar uma atmosfera emocional mais segura.

4. Incentivar hábitos saudáveis
Incentivar hábitos saudáveis também é um caminho para oferecer um equilíbrio maior para a saúde mental como um todo.
Por isso, estimular a prática de exercícios, o autocuidado, hobbies, uma boa alimentação e etc., são caminhos relevantes.

5. Nunca comparar o paciente
Jamais compare um paciente com outro que possa ter vivido algo semelhante. Lembre-se sempre do que mencionamos diversas vezes neste texto: cada caso é único e possui características singulares. Logo, é impossível comparar resultados e manejos psicológicos. Cada situação exige um tratamento, um caminho a ser seguido e, consequentemente, um tempo diferente de recuperação.

6. Evite seguir os rituais obsessivos
Evite entrar nos jogos obsessivos do sujeito. Isto é, não comece a repetir os comportamentos obsessivos apenas para agradar o outro, pois isso poderá agravar o caso.
Converse de forma respeitosa e franca, impondo limites para a situação e demonstrando que você não fará parte desses rituais.

7. Busque orientação psicológica para si mesmo
Não se esqueça de que você também pode buscar apoio psicológico diante dessa situação. Assim, o profissional da saúde poderá orientar de acordo com a sua realidade, respeitando as limitações vividas na sua família, etc.
Além disso, você mesmo poderá lidar com as suas emoções, angústias e anseios relacionados ao quadro clínico do familiar.
Jamais descarte o acompanhamento profissional em casos de transtornos compulsivos.

Referências
American Psychiatric Association (APA). Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.

BLOC, L. G.; NAZARETH, A. N. P.; MELO, A. K. S.; MOREIRA, V. Transtorno de compulsão alimentar: revisão sistemática da literatura. Revista Psicologia e Saúde, vol. 11, núm. 1, 2019, Janeiro-Abril, pp. 3-17.

MATTA, R. M. A utilização da terapia do sandplay no tratamento de crianças com Transtorno Obsessivo-compulsivo. São Paulo: PUC, 2016.