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Abordagem psicológica da Dependência Química

Abordagem psicológica da Dependência Química

A abordagem psicológica da dependência química visa a desculpabilização do indivíduo, bem como o fortalecimento da autoconfiança e da autoestima, diante do enfrentamento do desejo de consumir a substância química e diante das demais adversidades vividas no momento.

Além disso, a psicoeducação, a entrevista motivacional, a manutenção das mudanças e a construção de objetivos também entram em cena.

Neste texto, apresentamos uma série de considerações que são levadas em conta na hora de auxiliar um paciente com dependência química. Se você possui o diagnóstico, ou é amigo ou parente de quem o tem, este material pode ser um importante informativo que, talvez, auxilie nas suas reflexões. Confira!

Abordagem psicológica da Dependência Química

A abordagem psicológica da dependência química não segue um padrão rígido ou um passo a passo mágico. Afinal, cada situação é única e a dependência química pode estar muito associada às questões subjetivas de cada indivíduo.

Isso significa que muito embora existam ações que visam minimizar as recaídas, elevar o bem-estar e aumentar a qualidade de vida dos dependentes químicos, ainda existem situações adversas e singulares, que variam de caso a caso.

Contudo, elencamos alguns pontos relevantes sobre a abordagem psicológica para que você possa conhecer um pouco mais e, quem sabe, munir-se de informações que possam auxiliar no enfrentamento dessa doença.

1. Entrevista motivacional
A entrevista motivacional, desenvolvida pelo psicólogo americano William Miller, caracteriza-se como um meio de auxiliar os indivíduos no reconhecimento do problema e no traçar da possibilidade de se fazer algo a respeito do que está acontecendo.
Neste caso, o indivíduo pode reconhecer que está atravessando a dependência química e que existe a possibilidade de se pensar em mudanças e em um planejamento que vise um aumento na qualidade de vida.
Normalmente, este tipo de entrevista é ideal para casos nos quais o indivíduo ainda está ambivalente frente à mudança, isto é, quando ele ainda tem dúvidas com relação à existência do problema e à necessidade de mudar.

2. Psicoeducação
A psicoeducação, feita durante a abordagem psicológica da dependência química, consiste no esclarecimento de dúvidas e na apresentação de conceitos envolvidos com o caso clínico do paciente.
Isto é, o sujeito tem a oportunidade de entender melhor a sua doença, aprendendo sobre ela e suas características específicas; é possível tirar dúvidas sobre o diagnóstico, prognóstico, tratamento e medidas que auxiliam na redução de danos; há um processo de maior compreensão de cada etapa do tratamento, que tranquiliza o paciente e o ajuda a enfrentar a situação com a possibilidade de se ter mais motivação e autoconfiança.
Sendo assim, buscar ajuda psicológica e obter informações sobre o seu próprio quadro clínico pode ser uma ferramenta e tanto.
Ter a possibilidade de se munir com conhecimentos fundamentados e estruturados pode abrir caminhos para que você se sinta mais motivado, focado e até mesmo compreensível para consigo mesmo.
Por isso, justamente, que recomendamos a psicoterapia em casos de dependência química.

3. Processo de desculpabilização
A culpabilização de pacientes com dependência química ainda ocorre de maneira frequente na sociedade. Não é incomum ouvir discursos nos quais o indivíduo com dependência química é visto como o culpado por sua situação.
No entanto, a abordagem psicológica da dependência química visa desculpabilizar o paciente frente ao seu diagnóstico. Afinal, precisamos compreender que a dependência química é uma doença e, como tal, requer tratamento e acompanhamento profissional.
Por isso, se você sofre com a dependência química, considere-se um indivíduo digno de tratamento e apoio, e não de culpa. Ninguém escolhe ser um dependente químico. A dependência é uma doença, e não culpa de quem a tem.

4. Identificação dos gatilhos e prevenção da recaída
Durante o tratamento psicológico, os gatilhos de recaída também começam a ser analisados com mais afinco. Tanto o paciente, quanto o terapeuta, podem avaliar as situações de potencial vulnerabilidade do indivíduo.
Com esse conhecimento, é possível se apartar dos gatilhos que podem levar ao consumo da droga, bem como é possível detectar as situações de alto risco, mesmo quando estas, por algum motivo, não podem ser evitadas.
Esse processo auxilia na conscientização da realidade, fazendo com que o dependente passe a enxergar quais fatores podem levá-lo a consumir, com mais frequência, as drogas. Consequentemente, elevam-se as chances de diminuir as recaídas.

5. Criação de objetivos e metas
Nem sempre é fácil traçar planos, metas e objetivos quando se está atravessando a dependência química.
No entanto, à medida que o tratamento psiquiátrico e psicológico avançam, o paciente pode desenvolver metas e objetivos que o auxiliem na manutenção do tratamento e na minimização do consumo de drogas.
Ele pode apontar quais são as metas que deseja alcançar à medida que os tratamentos avançam. Além disso, pode pensar em estratégias e passos que contribuem para que tais metas sejam atingidas dentro do tempo estipulado.
O terapeuta, nesse processo, auxilia o sujeito na identificação de quais pontos podem ser interessantes – sem criar metas irreais, por exemplo -, e quais ferramentas internas e externas podem ser usadas para alcançar essas métricas.
Aqui, você pode pensar em quais pequenas mudanças podem ser atribuídas ao seu dia a dia, visando o fortalecimento pessoal diante do tratamento e o aumento na qualidade de vida.

6. Escuta ativa com relação às emoções e angústias
A escuta ativa é outra ferramenta que entra em prática na abordagem psicológica da dependência química. Isso porque, tanto as emoções positivas, quanto negativas, fazem parte do sujeito e, portanto, falar sobre elas, sem medo de julgamento e sem “medir as palavras” é uma forma terapêutica de proporcionar fatores como:

  • Diminuição da angústia vivida diante das emoções ruins.
  • Reconhecimento das emoções positivas na rotina.
  • Efeito terapêutico diante das palavras que são ditas e “desabafadas”.
  • Redução das chances de se desenvolver questões psicossomáticas.
  • Reconhecimento da própria situação, pois, quando colocamos nossas questões em palavras, tirando-as dos pensamentos, podemos nos ouvir e compreender melhor o que pensamos e sentimos.
  • Entre outras contribuições.

Por isso, na psicoterapia o paciente tem a oportunidade de falar sobre o que sente, quando sente e como se sente. Tudo isso pode ajudá-lo a reorganizar as emoções, além de contribuir para o autoconhecimento e a minimização de sensações negativas vividas diante do tratamento de dependência química e demais adversidades cotidianas.
O terapeuta, nesses casos, pratica a escuta ativa, intervindo com colocações que podem servir de base para insights e análises feitos pelo próprio paciente.

7. Implementação de atividades saudáveis na rotina
A implementação de atividades saudáveis na rotina também é discutida durante a abordagem psicológica da dependência química. Nas sessões, terapeuta e paciente podem analisar quais medidas podem contribuir para um aumento na qualidade de vida e para o bem-estar do sujeito.
Neste caso, analisam-se questões como:

  • Atividade física.
  • Rotina do sono.
  • Alimentação.
  • Implementação de hobbies.
  • Possibilidade de iniciar um novo curso ou aprender algo novo.
  • Desenvolver mudanças práticas na rotina que elevem o bem-estar.
  • Entre outras medidas.

Essa implementação ocorre de maneira subjetiva e singular, sempre levando em consideração as características pessoais de cada paciente.

8. Participação em grupos terapêuticos
A abordagem psicológica da dependência química também considera a participação do indivíduo em grupos terapêuticos, uma vez que estes oferecem uma série de possíveis benefícios e vantagens. Abaixo, descrevemos alguns desses pontos positivos que podem ser atingidos por intermédio dos grupos terapêuticos:

  • Identificação com indivíduos que vivem situação semelhante: Ter a possibilidade de conhecer outras pessoas que atravessam situações semelhantes é algo que pode contribuir para o tratamento. O indivíduo percebe que não está sozinho neste contexto, o que auxilia no encorajamento frente às situações adversas. Inclusive, o apoio mútuo também pode aparecer por intermédio da identificação.
  • Aumento da motivação: Ao perceber o avanço de seus pares, bem como investir na motivação de quem está à sua volta, o indivíduo, por si só, pode se sentir mais focado e motivado diante do seu próprio tratamento. Esse grupo de apoio oportuniza o fortalecimento de laços sociais e o incentivo frente às adversidades do tratamento.
  • Sentimento de pertencimento e desculpabilização: Perceber que existem situações semelhantes e outros casos de dependência química pode diminuir e até extinguir o sentimento de culpa em alguns indivíduos. Além disso, sentir-se parte de um grupo que luta pelos mesmos ideais também é algo que promove sensações agradáveis que podem contribuir para o avanço do tratamento.
  • Ambiente sem julgamentos e sem preconceito: Poder falar sobre as emoções, angústias, medos e até mesmo revoltas, sem ser julgado e sem sofrer preconceitos, é algo que pode proporcionar uma verdadeira “descarga emocional”. Ao ser acolhido dessa forma, o indivíduo pode começar a compreender melhor as emoções, aprendendo a lidar com elas.

9. Manutenção das possíveis mudanças atingidas
Durante todo o processo terapêutico, diversas mudanças podem começar a ser alcançadas pelo paciente. Porém, para que se estabeleça a qualidade de vida e o bem-estar na vida desse sujeito, a manutenção das possíveis mudanças deve acontecer.
Assim, é possível monitorar o dia a dia do indivíduo, visualizando pontos de vulnerabilidade e de fortalecimento, para que este sujeito possa, pouco a pouco, atingir a sua autonomia e o seu equilíbrio emocional frente a tudo aquilo que foi vivido até então.

10. Construção de uma rede de apoio
Não podemos deixar de lado a importância de se detectar, construir e nutrir uma rede de apoio. Na abordagem psicológica da dependência química esse fator é levado em conta, pensando tanto nas relações familiares, como com amigos, colegas de trabalho e demais pessoas que possam ser importantes para o sujeito com dependência química.
Essa rede de apoio pode ser discutida durante as sessões, até que o paciente comece, pouco a pouco, a pensar em quem ele pode contar e de quais pessoas que ama pode se aproximar para se sentir parte de um grupo social.
Afinal, como somos seres sociais, a construção de relações sólidas pode elevar a nossa autoconfiança, autoestima e bem-estar geral.

Como a família pode auxiliar um paciente com Dependência Química?

Até aqui, pudemos ver uma série de considerações importantes sobre a abordagem psicológica da dependência química. Vimos também alguns detalhes e ações que o paciente pode, em muitos casos, levar em consideração na hora de enfrentar as adversidades da doença.
Agora, discutimos, nos tópicos abaixo, alguns pontos relacionados à família e à sua atuação diante desse quadro presente no seio familiar. Acompanhe:

1. Fortalecimento do vínculo familiar
O fortalecimento do vínculo familiar é algo importante que deve ser considerado pela família. Afinal, diante de todos os problemas e dificuldades vividas em casos de dependência química, o afastamento familiar pode agravar o problema, tanto para o paciente, quanto para a própria família que sofre com o ocorrido.
Sabemos que manter esse laço existente não é a tarefa mais simples do mundo. Da mesma forma, é interessante pensar em formas de demonstrar apoio, proximidade, amor e afeto para com o indivíduo com diagnóstico de dependência química.
Lembre-se de que é este laço que poderá fomentar uma rede de apoio para o sujeito que atravessa a dependência e que pode, muitas vezes, vivenciar sentimentos de solidão e desamparo diante da doença.
Portanto, tente se aproximar do sujeito, sem querer forçar uma situação, mas demonstrar preocupação, mostrar-se disposto a ajudar e outros comportamentos afins podem ser bem relevantes.

2. Não culpar o paciente
Jamais culpe o paciente pela situação na qual ele está inserido. Embora, inicialmente, o primeiro consumo pode ter vindo a partir de uma atitude do sujeito, ainda assim ele não escolheu adoecer e ter a dependência química.
Considere o fato de que são muitos os fatores que podem levar a pessoa a consumir drogas, como por exemplo, problemas emocionais, questões psíquicas, pressão social, entre outros pontos. Portanto, culpar o paciente é injusto, além de que essa postura pode agravar o problema e elevar as questões emocionais do sujeito.

3. Apresentar possibilidades de transformações e os benefícios das mudanças
A dependência química pode, em muitos casos, fazer com que o indivíduo tenha dificuldades para enxergar as suas próprias possibilidades de mudanças. Isto é, o sujeito pode ter dificuldade para perceber que existem caminhos diferentes e mais saudáveis, e que ele é capaz de segui-los e atingi-los.
Nessas situações, a família pode apresentar a possibilidade de colocar em prática um tratamento que eleva a qualidade de vida e promove uma redução de recaídas, que contribui para o bem-estar e para a saúde geral do indivíduo.
Além disso, a família também pode buscar apresentar quais são os benefícios que esses tratamentos e essas mudanças na rotina podem proporcionar.
Por exemplo, ao apresentar a internação como uma possibilidade de mudança, é possível esclarecer que no ambiente hospitalar o indivíduo terá apoio psicológico, psiquiátrico e de outros profissionais que estarão a postos para ajudá-lo a enfrentar cada dificuldade e oferecer medidas que possam contribuir para a saúde e para a reabilitação.

4. Apoiar cada pequena etapa concluída
Durante o tratamento da dependência química, cada etapa concluída é motivo de comemoração e sentimento de vitória.
Por mais que você, saudável e com visão de fora do ocorrido, possa achar que jogar uma garrafa de bebida fora ou ausentar-se de um ambiente onde ocorre a venda de drogas é algo “pequeno”, para o dependente químico é uma atitude que demandou muita energia física e mental.
Por isso, apoiá-lo em cada pequena vitória é algo que pode motivá-lo a ir adiante e querer sempre mais e mais mudanças.

5. Estimular hábitos saudáveis
Estimule hábitos saudáveis na medida do possível.
É o caso de convidar o indivíduo para, simplesmente, sentar-se no quintal e tomar um banho de sol. Também convidá-lo para uma caminhada ao ar livre e um maior contato com a natureza. Estimulá-lo a criar uma rotina de sono que contribua para o descanso pleno, entre outras medidas.
Todo esse estímulo, quando acontece de forma natural e respeitando as mudanças gradativas na vida do paciente, podem oferecer benefícios no curto, médio e longo prazo.

6. Estimular a busca pelo acompanhamento profissional
Incentive o acompanhamento profissional. Quebre tabus e faça com que o indivíduo reflita sobre o quanto a psicoterapia e a psiquiatria têm para contribuir para a vida de qualquer pessoa. Isto é, ele não vai ao psicólogo ou psiquiatra porque “está louco”, mas sim, porque busca mais qualidade de vida e saúde.
Da mesma forma, acompanhar o paciente nas consultas, levá-lo até o local de atendimento e demonstrar esse tipo de disponibilidade também pode estimular a busca pelo tratamento.

7. Reforçar a autoconfiança e a autoestima
Sempre que possível, reforce a autoconfiança e a autoestima do sujeito. Jamais compare a trajetória dele com a de outro dependente, mas sim, sempre comemore as pequenas vitórias e demonstre o valor que o sujeito possui.
Faça-o compreender que, para você, ele é valioso e possui atributos para enfrentar a situação, mesmo quando ocorrer alguma recaída.
Quando o indivíduo se sente parte de um grupo que o acolhe, o ama e o auxilia, tendencialmente ele poderá se sentir mais confiante diante das adversidades.
Portanto, apoie, reforce a autoestima, elogie as conquistas, mostre que acredita e nunca compare a trajetória do sujeito com a de outra pessoa.

8. Aprender sobre a Dependência Química
Por fim, lembre-se de que o conhecimento é uma ferramenta muito importante na abordagem psicológica da dependência química. Sendo assim, buscar orientações com profissionais da saúde, tirar dúvidas e aprender estratégias que coincidam com a realidade do seu familiar são medidas bastante promissoras.
O conhecimento pode nos ajudar a tomar melhores decisões, bem como pode quebrar tabus, minimizar medos e fortalecer a confiança diante das situações difíceis.
Considere essas dicas e, sempre que possível, converse com um profissional da saúde para obter informações mais alinhadas à sua realidade.

Não se esqueça de que este conteúdo não exclui o acompanhamento médico e/ou psicológico. Buscar ajuda especializada é um caminho muito importante nos casos de dependência química.

Referências
CAFRUNI, K. H.; BROLESE, G.; LOPES, F. Tratamentos não farmacológicos para dependência química. Diaphora – Revista da Sociedade de Psicologia do Rio Grande do Sul. Jan/Ago – 10 – 19. v. 3 nº 1 (2014)

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Aletheia, núm. 42, septiembre-diciembre, 2013, pp. 175-185 Universidade Luterana do Brasil. Canoas, Brasil

XAVIER, M. F.; RODRIGUES, P. H. J.; SILVA, M. C. R. A percepção da família no tratamento e suporte de dependentes químicos. Revista Encontro Psicologia. Vol. 17, nº 26, ano 2014.