Pesquisar

Transformação vocal em transgêneros

Como a voz humana é produzida?

Antes de discutir sobre a Transformação Vocal em Transgêneros, é preciso compreender como a voz humana é produzida.

A voz é produzida a partir da passagem do ar expirado do pulmão pelas vias aéreas.

Inicialmente, o ar  atravessa as cordas vocais, formada por duas dobras de músculo e de mucosa que se localizam na laringe, na garganta.

Se as pregas vocais estiverem relaxadas, o ar passa livremente através delas sem produzir qualquer som.

Para produzir a voz, o cérebro envia comandos nervosos para os músculos que controlam a tensão das cordas vocais. Com isso, o ar passa vibrando as pregas.

Por fim, o som será amplificado e modificado a partir dos movimentos da cavidade bucal, incluindo língua, lábios e palato mole. 

A principal diferença entre a voz masculina e feminina está relacionada à frequência de vibração das cordas vocais.

No homem, as pregas vocais são mais grossas e mais elásticas e vibram em torno de 125 vezes por segundo (125Hz). Isso faz com que sua voz seja grave (“grossa”).

Já na mulher, as pregas são habitualmente mais finas e mais tensas, de forma que vibram com maior freqüência (250Hz). Isso faz com a sua voz seja mais aguda (“fina”).

Importância da voz para a identidade de gênero

A voz é uma característica central da identidade de uma pessoa. Ela influencia profundamente a forma como nos expressamos, como somos percebidos e como nos reconhecemos. Por isso, durante o processo de redesignação sexual, a voz pode se tornar uma importante fonte de desconforto ou insatisfação para muitas pessoas transgêneras.

Mais do que uma questão estética ou funcional, a voz deve refletir quem você é e como deseja ser percebido no mundo. A transformação vocal pode contribuir significativamente não só para o reconhecimento pessoal e a autoestima, mas também para a integração social e profissional.

Nem todas as pessoas trans desejam modificar a voz

A voz e o estilo de fala são altamente pessoais. Nem todas as pessoas transexuais ou de gêneros diversos sentem desconforto com sua voz atual. Nesses casos, nenhuma intervenção se faz necessária.

Já para aquelas que desejam adaptar sua voz à sua identidade de gênero, existem duas possibilidades principais:

  • Terapia fonoaudiológica (ou terapia vocal);
  • Cirurgia de feminização ou masculinização vocal.

Essas abordagens podem ser utilizadas de forma complementar, sempre respeitando os objetivos individuais de cada pessoa.

O melhor momento para a intervenção

Quando a cirurgia vocal é indicada, os melhores resultados geralmente são observados quando ela ocorre precocemente, idealmente no início do processo de redesignação sexual.

Estudos mostram que mulheres pessoas com menos de 30 anos, que vivenciam o desconforto com sua voz desde a infância, tendem a ter uma resposta mais favorável aos tratamentos de transformação vocal, quando comparadas com pessoas que iniciam esse processo mais tardiamente.

Isso ocorre porque a maior flexibilidade da musculatura laríngea e a menor cristalização dos padrões vocais favorecem a adaptação.

Masculinização da voz

A masculinização da voz é muitas vezes alcançada em nível satisfatório devido aos efeitos da testosterona sobre as pregas vocais.

Sendo uma estrutura formada por músculo, a corda vocal fica hipertrofiada sob o efeito da testosterona. Esse é o motivo pelo qual os adolescentes engrossam a voz durante a puberdade.

A terapia vocal pode ser útil para ajustar os padrões de fala, sendo que a maioria dos homens trans se sente satisfeita com isso. A cirurgia, ainda que seja uma opção, é realizada com frequência muito menor do que entre as mulheres trans.

Feminização da voz

Diferentemente do que acontece com homens trans, a terapia hormonal feminizante não promove mudanças nas características da voz. Mesmo com a Terapia, muitas mulheres trans seguem não se reconhecendo em suas vozes, podendo então optar pelo tratamento cirúrgico.

A terapia de voz e a cirurgia são tratamentos que agem de forma conjunta para transformação da voz. Mesmo que a cirurgia esteja sendo considerada, a terapia de voz será uma parte fundamental do tratamento, tanto antes quanto após a cirurgia.

Terapia de Voz

A terapia vocal para afirmação de gênero, feita por um fonoaudiologista, ajuda pessoas trans e com diversidade de gênero a ajustarem suas vozes aos padrões de comunicação compatíveis com sua identidade.

A cirurgia tem como objetivo principal ajustar o tom da voz. No entanto, muito do que torna uma voz mais “feminina” ou “masculina” tem pouco a ver com o tom da voz, de forma que não será corrigido com a cirurgia, e sim com a fonoterapia.

As mudanças nos estilos de comunicação relacionados à identidade de gênero e que podem ser trabalhadas pelo fonoaudiologista podem incluir:

  • ritmo das palavras;
  • Fluidez;
  • forma como as palavras são enfatizadas;
  • melodia e emoção da fala;
  • Contato visual;
  • Gestos com a cabeça;
  • Tempo ou mudança de direção em uma conversa.

Esses aspectos de gênero são sutis e exigem que você seja capaz de torná-los uma parte habitual da sua comunicação.

Cirurgia para Transformação Vocal

Existem dois tipos de cirurgias para mudança vocal: a tireoplastia e a glotoplastia

Tiroplastia

A tiroplastia é uma cirurgia realizada por meio de uma pequena incisão na parte frontal do pescoço. Durante o procedimento, são feitas alterações nas cartilagens da laringe, com o objetivo de modificar a voz, de acordo com as necessidades específicas de cada paciente.

Na maioria dos casos, o procedimento é feito com anestesia local, mantendo o paciente acordado, o que permite um controle mais preciso dos efeitos imediatos da cirurgia sobre a voz.

Tipos de Tiroplastia

Existem quatro tipos principais de tiroplastia, cada um com indicações específicas:

  • Tipo I: promove a medialização da prega vocal. É indicada para pessoas com paralisia unilateral das cordas vocais, ajudando a restaurar a voz e evitar aspiração de alimentos.
  • Tipo II: realiza a lateralização da prega vocal, sendo indicada para casos de disfonia espasmódica (um distúrbio neurológico que causa espasmos involuntários nas cordas vocais).
  • Tipo III: reduz a tensão nas cordas vocais e encurta sua extensão, tornando a voz mais grave. É indicada para homens cis e trans que sentem desconforto com uma voz aguda.
  • Tipo IV: aumenta a tensão e o comprimento das cordas vocais, elevando a frequência fundamental da voz, tornando-a mais aguda. É indicada para mulheres trans que desejam uma voz mais feminina.

Pós-operatório e Recuperação

A alta hospitalar costuma ocorrer no mesmo dia do procedimento. No entanto, recomenda-se repouso vocal por cerca de 7 dias. Após esse período, inicia-se o acompanhamento com um fonoaudiólogo, que ajudará no ajuste fino da nova voz.

A recuperação completa leva cerca de dois meses.

Considerações Finais sobre a cirurgia de Tiroplastia

A tiroplastia, especialmente o tipo IV, tem sido usada por muitas mulheres trans como ferramenta para alcançar uma voz mais alinhada à sua identidade de gênero. No entanto:

  • O procedimento é reversível, e pode ser refeito após seis meses caso o resultado não seja satisfatório.
  • No longo prazo, os resultados podem perder efeito gradualmente, com a voz voltando a se masculinizar — especialmente se não houver manutenção com fonoterapia.
  • Por esse motivo, a glotoplastia (cirurgia que atua diretamente nas pregas vocais) tem ganhado preferência entre os profissionais e pacientes, por oferecer resultados mais duradouros e consistentes.
Glotoplastia de Wendler

A glotoplastia de Wendler, também conhecida como encurtamento endoscópico das pregas vocais, é atualmente o procedimento mais utilizado para feminização vocal em mulheres transgênero.

Durante a cirurgia, o terço anterior das pregas vocais é suturado, reduzindo a área de vibração das cordas vocais. Com isso, os dois terços posteriores passam a vibrar sozinhos, o que resulta em uma voz com frequência mais aguda, característica das vozes femininas.

A glotoplastia pode reduzir o volume da voz, dificultando ações como gritar ou projetar a voz em ambientes barulhentos.

Muitas vezes, a cirurgia é combinada com a redução do pomo de Adão (proeminência laríngea), por meio de um procedimento chamado condrolaringoplastia. Neste caso, é feita uma pequena incisão na parte frontal do pescoço, geralmente discreta e de boa cicatrização.

Como a cirurgia é realizada

O procedimento é feito com anestesia geral e o acesso é feito pela boca, sem necessidade de cortes externos ou cicatrizes visíveis.

A alta hospitalar costuma ocorrer no mesmo dia da cirurgia.

Cuidados Pós-Operatórios

Um dos pontos mais importantes do pós-operatório é o repouso vocal absoluto por 14 dias — ou seja, não falar em nenhuma hipótese durante esse período. Esse cuidado é essencial para o sucesso da cirurgia e para garantir que as suturas cicatrizem corretamente.

  • Essa fase pode ser angustiante e ansiosa para muitas pacientes, sendo fundamental estar preparada emocionalmente para esse desafio.
  • Após as duas semanas iniciais, inicia-se o acompanhamento com um fonoaudiólogo especializado, que irá auxiliar na adaptação e no aperfeiçoamento da nova voz.
  • Inicialmente, a voz pode soar rouca ou enfraquecida, devido ao inchaço nas cordas vocais, mas esse quadro costuma melhorar com o tempo.
  • A voz definitiva é geralmente alcançada após cerca de seis meses do procedimento.

Glotoplastia de Wendler Vs Tireoplastia Tipo IV

Segue na tabela abaixo as principais diferenças ente a Glotoplastia de Wendler e a Tireoplastia do Tipo 4, principais cirurgias realizadas para a transformação vocal em mulheres transgênero.

Característica Glotoplastia de Wendler Tireoplastia Tipo IV
Objetivo principal Elevar a frequência da voz (feminização vocal) Elevar a frequência da voz (feminização vocal)
Técnica utilizada Encurtamento endoscópico das pregas vocais Tensão das pregas vocais por aproximação das cartilagens da laringe
Acesso cirúrgico Pela boca (endoscópico, sem cortes externos) Incisão externa no pescoço (geralmente pequena)
Anestesia Geral Local (paciente acordado)
Cicatriz visível Não Sim, pequena cicatriz no pescoço
Tempo de repouso vocal 14 dias de silêncio absoluto 7 dias de repouso vocal moderado
Recuperação da voz definitiva Em torno de 6 meses Em torno de 2 a 3 meses
Durabilidade do resultado Mais estável a longo prazo Maior risco de perda gradual do efeito com o tempo
Risco de insatisfação Menor (cirurgia mais padronizada) Maior risco de reversão ou reoperação necessária
Indicação ideal Mulheres trans jovens ou com bom preparo vocal prévio Mulheres trans mais velhas ou com contraindicações para anestesia geral