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Psico- Oncologia

Aspectos psicológicos do paciente oncológico

O diagnóstico do câncer impacta a vida de qualquer pessoa, embora cada um enfrente essa realidade de uma maneira única.

O luto pela perda da saúde e dos planos futuros é natural, mas pode ser influenciado por aspectos como idade ou experiência de vida prévia.

O comprometimento da aparência física tem grande impacto na autoestima de alguns pacientes, enquanto outros são mais impactados pela perda na capacidade de trabalho ou pela incerteza quanto a aspectos econômicos.

Ainda que cada vez mais pessoas voltem a ter uma vida livre da doença no futuro, o medo da morte é uma realidade inevitável. Para alguns, o prognóstico é mais reservado, o que não significa que ele não possa aproveitar o restante da vida.

A sexualidade e a fertilidade podem ser impactadas tanto pela cirurgia como por tratamentos como radioterapia e quimioterapia, sendo que muitas famílias sofrem com isso em silêncio.

Luto no câncer

Durante o desenvolvimento da nossa história de vida neste mundo, vamos criando enredos, planos e sonhos. Pensamos sobre o que faremos nas férias, no ano seguinte, nos próximos passos em nossa carreira profissional, e assim por diante.

Porém, o diagnóstico de câncer pode resultar em impactos bastante intensos na vida do indivíduo. Nesses casos, os aspectos psicológicos do paciente oncológico estão envolvidos com a quebra do “cronograma” que vinha sendo seguido.

Os planos de vida são desestruturados, e o paciente se vê diante de uma situação em que precisa mudar a rota e deixar todo esse planejamento par trás.

Muitas pessoas associam o luto à perda de um familiar ou de uma pessoa querida. Mas um processo semelhante acontece com a pessoa que recebe o diagnóstico de câncer, o que está associado à perda da saúde e dos planos futuros.

O luto pode ser dividido nas fases de Negação, Raiva, Barganha (Negociação), Depressão e Aceitação.

  1. Negação: A primeira reação, onde se contesta o diagnóstico (“Não pode ser verdade”, “Houve um erro nos exames”). Este é um mecanismo natural de auto defesa.
  2. Raiva: Quando a realidade se impõe, surge a revolta, o sentindo injustiça e irritação com a doença e o tratamento. A frase que mais marca esse período é o questionamento do “Por que eu?”.
  3. Barganha: Tentativas inconscientes de negociar com uma força superior ou consigo mesmo, prometendo mudar hábitos em troca da cura, com pensamentos como “E se eu fizesse isso, a doença iria embora?”.
  4. Depressão: ocorre quando a percepção da imutabilidade da situação gera tristeza profunda, impotência, desânimo e angústia, diante da gravidade do diagnóstico e do tratamento.
  5. Aceitação: fase de compreensão e reconhecimento da nova realidade, onde o paciente encontra maneiras para seguir em frente apesar da dura realidade.

A história de vida e a idade influenciam em como cada pessoa vive esse luto. Pessoas mais novas tendem a sofrer mais com aspectos como fertilidade, ou a incapacidade para o trabalho. Pessoas mais idosas que entendam que “já viveram bem o que tinham que viver” podem encarar esse luto de uma forma mais tranquila.

Medo da morte

O tratamento do câncer evoluiu muito nas últimas décadas e agora cada vez mais pessoas voltam a ter uma doença livre do câncer. Outros não se curam, mas vivem uma vida longa pela frente com a doença relativamente controlada. Nos casos mais avançados, infelizmente não temos tratamentos capazes de levar à cura.

Em todos esses casos, o  medo da morte é recorrente.  O processo de aceitação do quadro clínico pode ser prolongado em alguns casos, e esse medo de morrer pode ser bem latente.

A forma como cada um encara esse medo da morte é diferente. O grau de satisfação com a vida, especialmente em pacientes mais velhos, pode impactar na perspectiva sobre a morte.

Aqueles indivíduos que se sentem mais satisfeitos com a história de vida que construíram podem se sentir mais “tranquilos” com relação à possibilidade de morrer por conta da enfermidade.

Já indivíduos que têm a sensação de que ainda não cumpriram tudo o que desejavam, ou nem mesmo uma parte desse desejo, podem demonstrar maior medo, revolta e aversão à ideia de pensar sobre a morte.

Aspectos religiosos e o significado que cada pessoa dá à morte também podem fazer a diferença.

Nas pessoas mais jovens, o medo da morte carrega ainda o medo de não ver os filhos crescerem, se formarem, se casarem e de conhecer os netos. A preocupação de deixar a família desamparada também pode ser impactante.

Angústia e temor aos efeitos colaterais

O tratamento do câncer pode ser bastante assustador. Não é de hoje que ouvimos relatos de pacientes que, durante o tratamento, atravessam efeitos colaterais desconfortáveis. Faz parte do processo.

Esse conhecimento comum de que o tratamento é “agressivo” pode resultar em uma forte angústia e temor aos efeitos colaterais. Em alguns casos, inclusive, o paciente pode demonstrar uma certa resistência para com o tratamento, não querendo fazê-lo devido ao medo dos efeitos colaterais.

No caso de mulheres diagnosticadas com câncer, o medo da perda de sua feminilidade pode aparecer. Afinal, há impactos nos cabelos, na pele, na aparência como um todo.

impactos na vida sexual e na fertilidade

O tratamento do câncer pode, em muitos casos, impactar na libido e na autoimagem que o indivíduo tem de si mesmo. Ambos os casos contribuem para o nascimento de problemas na vida sexual, caso não sejam escutados e elaborados de algum modo.

A pessoa pode sentir culpa ao não ter interesse sexual no dia a dia, com o parceiro, por exemplo. Embora isso seja injusto, uma vez que a situação que está sendo atravessada justifica a falta de interesse sexual.

Além da sexualidade, a infertilidade é resultado inevitável de muitos dos tratamentos para câncer, com um impacto emocional muito ruim especialmente para pessoas mais novas e sem filhos.

Efeitos na autoestima devido às mudanças físicas

As mudanças físicas podem ser consideráveis devido ao tratamento e às mudanças que ocorrem na rotina e no dia a dia do paciente. Essas mudanças, muitas vezes, podem impactar profundamente a autoestima do indivíduo.

Ele passa a se ver “por outros olhos” diante do espelho, e isso pode ocasionar problemas de baixa autoestima, dificuldade de autoaceitação, ausência da autoconfiança, e assim por diante.

O processo de “quebra” da aparência anterior, abrindo caminhos para um “novo eu externo” pode ser bastante doloroso.

Insegurança financeira

Muitos casos de câncer na família podem impactar a vida financeira de maneira severa. Esse impacto acontece de forma direta (pelos custos do tratamento) e indireta, pela perda de produtividade laboral.

A pessoa pode também se sentir culpada por conta dos efeitos da perda de poder aquisitivo para a família – por exemplo, quando não consegue pagar a escola do filho e esse precisa mudar de escola.

Sentimento de solidão

O fato de vivenciar o diagnóstico também pode provocar o sentimento de solidão no indivíduo adoecido. Ao mesmo tempo, a família também pode experimentar esse tipo de sentimento, uma vez que se sente solitária diante de um diagnóstico que a desestrutura de uma ou de várias formas.

Especialmente em famílias mais novas, o companheiro precisa dividir o tempo entre os cuidados com a pessoa amada e as necessidades de trabalho e de cuidados com filhos. Com isso, a pessoa doente pode se sentir sozinha quanto mais precisa de apoio.

Como lidar com os aspectos psicológicos do paciente oncológico?

Lidar com os aspectos psicológicos do paciente oncológico pode parecer bastante desafiador. Nenhum câncer é igual a outro e nem todos os pacientes reagem ao câncer da mesma forma. A psicologia pode ter um papel importante nesse processo de enfrentamento.

  1. Suporte emocional para expressar sentimentos

Tanto a família, quanto os amigos, podem servir de suporte emocional para o paciente oncológico poder expressar os seus sentimentos.

Neste momento, é importante tomar cuidado para não anular as queixas do paciente. Isto é, solicitar que o paciente deixe de lado as angústias e tente “focar no positivo” pode ser mais doloroso do que permitir que ele fale sobre o que sente.

Demonstrar presença, empatia e escuta pode ser um caminho mais relevante nesse caso. O indivíduo, que atravessa muitos aspectos psicológicos frente ao diagnóstico, precisa de espaço para falar e chorar livremente os seus medos, problemas e angústias.

Esse processo pode auxiliar na hora de “gastar” as dores, elaborando-as de uma forma gradativa e minimizando os sentimentos negativos presentes.

  1. Apoio para uma melhor compreensão das dificuldades vividas

O paciente oncológico pode se deparar com uma série de dificuldades na sua vida. A mudança na rotina, as dores e os efeitos colaterais da doença e do tratamento, as mudanças na vida profissional, os impactos no relacionamento, a mobilidade que pode ser reduzida em alguns casos, entre outros fatores podem ser bem assustadores.

Sendo assim, a família e os amigos podem auxiliar na hora de ressignificar cada mudança e cada dificuldade, dando o apoio necessário para que, aos poucos, o paciente possa se adaptar à sua nova realidade.

É o caso de instalar dispositivos que melhorem a mobilidade dentro de casa, por exemplo. Ou oferecer a construção de uma nova rotina que minimize a sensação de angústia do sujeito, incluindo atividades que possam distraí-lo e fazê-lo bem.

Essas ações em prol da criação de uma nova vida menos nociva é algo que contribui para a saúde mental do sujeito. Afinal, além de ter auxílio no enfrentamento das dificuldades, perceberá o carinho e o cuidado da família, sendo estes fatores importantes no processo de tratamento e enfrentamento dos aspectos psicológicos do paciente oncológico.

  1. Auxiliar na obtenção de soluções para as situações que o deixam emocionalmente abalado

Muitas situações podem abalar as emoções do sujeito enfermo. Ele pode ter medo do tratamento, ter medo do que acontecerá com sua vida sexual, medo do que acontecerá na vida profissional, e assim por diante.

Nesses casos, a família e os amigos podem ajudá-lo a enxergar as perspectivas e os acontecimentos que poderão ser postos em prática em seguida. Por exemplo, poderão trazer mais informações, colhidas de fontes confiáveis, sobre como funciona o tratamento, quais efeitos colaterais são esperados e quais medidas já podem ser colocadas em prática para minimizá-los.

Quanto à vida sexual, o parceiro ou a parceira pode desenvolver, em conjunto com o sujeito, novos significados para a vida sexual do casal, buscando alternativas para manter a conexão física, mesmo quando não há o ato da penetração, por exemplo.

Quando à vida profissional, é preciso ressignificar. Se houver a possibilidade de trabalhar de casa, sem forçar a situação e garantindo o maior conforto ao indivíduo, é possível buscar essa possibilidade na empresa do paciente. Caso não seja possível, é necessário dar o apoio emocional para que o indivíduo atravesse o luto da perda do seu trabalho, especialmente se for algo muito significativo em sua vida cotidiana.

Esses são apenas alguns exemplos de soluções que podem ser apresentadas nas situações que abalam o indivíduo emocionalmente. Cabe à família e aos amigos enxergarem quais possibilidades podem ser pertinentes ao paciente em questão.

  1. Auxílio no processo de luto e aceitação da situação

A família e os amigos podem auxiliar no processo de aceitação da situação. É preciso dar espaço para o choro, para a revolta, angústia, tristeza e demais manifestações comuns de um processo de luto.

Ao mesmo tempo, é possível oferecer escuta, acolhimento, apoio e palavras de afeto que demonstrem que o indivíduo não está sozinho nesse caso.

A aceitação pode não acontecer da noite para o dia. Por isso, respeitar o tempo do indivíduo é muito importante. Afinal, ele pode necessitar de tempo para assimilar todas as mudanças que ocorreram e que estão prestes a acontecer.

  1. Buscar conhecimento e apoio psicológico para lidar com o paciente

A própria família e amigos podem procurar mais conhecimentos sobre o caso do paciente em específico. Afinal, o conhecimento pode ser a base para lidar com todas as questões que vão surgindo no decorrer do tratamento.

Além disso, a busca por apoio psicológico também pode ser importante. Se a família e os amigos cuidarem da sua saúde mental, poderão ter um suporte a mais na hora de oferecer apoio ao indivíduo com diagnóstico de câncer.

Isso porque, todos os envolvidos podem sentir impactos na saúde mental, nas emoções e na rotina, que resultam em questionamentos, medos, angústias, etc., que merecem uma escuta qualificada.

  1. Apoio na busca de novos significados sobre o processo de viver

Apoiar o indivíduo na busca de novos planos e sentidos para o processo de viver também pode ser relevante.

Pois, infelizmente, muitos indivíduos com o diagnóstico de câncer podem se sentir sem esperança ou sem perspectivas para o futuro. Consequentemente, podem anular sonhos e objetivos que vinham construindo, sem remodelá-los de acordo com a realidade.

Sendo assim, apoiar o indivíduo na hora de buscar novos projetos para o processo de viver é importante. Incentivar a busca de sonhos, o traçar de objetivos que respeitem os limites do enfermo, entre outras medidas, cabem nessa situação em específico.

Por exemplo, voltando ao exemplo da pessoa escrever um livro, incentivá-la a ir adiante nesse sonho, ajudando-a a contatar editoras ou ghostwriters pode ser um caminho promissor e que estimule a busca por novos projetos de vida.

  1. Apoio à busca da psicoterapia

Apresentar a importância da busca pelo apoio psicológico oferecido por profissionais também é um caminho relevante.
Mostre à pessoa quais podem ser as vantagens do processo terapêutico, e ajude-a a compreender a importância dessa prática no dia a dia de qualquer indivíduo.

Considere quebrar paradigmas relacionados à psicoterapia, deixando claro que o processo de terapia não é algo voltado apenas aos “loucos”, como o senso comum pode dizer muitas vezes.

Além disso, acompanhar a pessoa nas idas às sessões e demonstrar disponibilidade nesse sentido pode ser mais uma forma de incentivar a busca por apoio psicológico profissional.

Toda doença envolve-se com a subjetividade

Lembre-se de que em se tratando de uma enfermidade, como o câncer, não existe um passo a passo de como lidar com os aspectos psicológicos do paciente oncológico. Afinal, cada indivíduo atravessa o diagnóstico com base em sua história de vida, subjetividade, emoções e pontos de vista.

Respeitar isso é muito importante. Para isso, considere a premissa de que não existe fórmula mágica para ajudar, porém, oferecer apoio, demonstrar consideração e incentivar a busca por ajuda profissional podem ser medidas bastante construtivas.

Em caso de dúvidas, converse com um psicólogo e com os médicos do paciente. Quanto mais conhecimentos relevantes e que contribuam com os cuidados oncológicos em casa, melhor poderá ser.

Referências

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BORGES, A. D. V. S.; SILVA, E. S.; MAZER, S. M.; TONIOLLO, P. B.; VALLE, E. R. M.; SANTOS, M. A. Percepção da morte pelo paciente oncológico ao longo do desenvolvimento. Dossiê – Psicologia e Saúde. Psicol. Estud. 11 (2) • Ago 2006.

CHRISTO, Z. M.; TRAESEL, E. S. Aspectos psicológicos do paciente oncológico e a atuação da psico-oncologia no hospital. Disc. Scientia. Série: Ciências Humanas, S. Maria, v. 10, n. 1, p. 75-87, 2009.