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Passaporte Biológico do Atleta

O que é o passaporte biológico do atleta?

Algumas das substâncias proibidas pelas leis antidoping eram até recentemente especialmente atrativas para o atleta pela dificuldade de sua identificação nos testes antidoping. Isso acontece por dois motivos:

Algumas substâncias são rapidamente eliminadas do corpo, mas seus efeitos sobre o rendimento esportivo permanecem por mais tempo;

Algumas substâncias são naturalmente produzidas pelo organismo, o que dificulta a diferenciação entre aquilo que foi produzido pelo próprio atleta e aquilo que foi fruto de doping.

O passaporte biológico do atleta, desta forma, foi introduzido para facilitar a identificação destes casos. Ele consiste em um arquivo eletrônico onde dados fisiológicos do atleta são registrados após coletas de urina e sangue dos competidores. O que se busca é a identificação de flutuações anormais dos parâmetros fisiológicos e de alguns biomarcadores, que possam ajudar a confirmar o uso de uma substância ou método proibido.

O passaporte é dividido em dois módulos de análise: o sanguíneo (hematológico) e o esteroidal (urinário). O processo exige, no mínimo, quatro coletas de cada atleta para se detectar variações com validade técnica e científica.

A mira se volta para alvos importantes do corpo humano, conhecidos como “The Big 3” ou “Os 3 Grandes”: as células vermelhas, o hormônio do crescimento e a testosterona.

Módulo sanguíneo

A variação da quantidade de células vermelhas, responsáveis pelo transporte de oxigênio no sangue é um fator determinante nos esportes que exigem grande capacidade aeróbica. Algumas formas de doping buscam elevar a quantidade de células vermelhas e pode ser difícil diferenciar casos em que este aumento é decorrente do treinamento esportivo daqueles em que algum método ilícito foi utilizado.

A eritropoietina (EPO) é um hormônio peptídeo produzido 90% pelos rins e 10% pelo fígado e que tem a função de estimular a produção das células vermelhas do sangue. A eritropoetina recombinante humana é um análogo sintético da eritropoetina com uso clínico em pacientes com anemia decorrente de insuficiência renal, mas que tem sido há longa data utilizada por atletas na busca pela melhora no rendimento.

O principal método de dopagem com eritropoetina é através da aplicação repetitiva de microdoses, de forma a manter os parâmetros sanguíneos dentro dos limites aceitos. Soma-se a isso que o período de detecção do uso da EPO é bastante curto, ainda que os benefícios ergogênicos perdurem por mais tempo.

Outro método ilegal utilizado para aumentar as células vermelhas é pela retirada e reinfusão das células vermelhas. Durante o período de treinamento, o atleta retira um volume aproximado de 500ml de sangue, o que faz com que o número de células vermelhas caia instantaneamente e levando o organismo a entender que é necessário produzir mais dessas células. Com o sangue retirado, se prepara um concentrado que é reinfundido na véspera da competição.

Tanto o uso de eritropoietina como a retirada e re-infusão do sangue produzem variações anormais nos parâmetros sanguíneos que podem ser identificados e punidos por meio do passaporte biológico.

Esteroides anabolizantes

Testosterona

Os esteróides anabolizantes são derivados sintéticos do hormônio masculino Testosterona. Eles são divididos em dois grupos: endógenos e exógenos. Os anabolizantes endógenos são substâncias produzidas naturalmente pelo corpo. O principal deles é a testosterona, responsável pelos efeitos androgênicos e anabólicos observados no corpo masculino. Já os anabolizantes exógenos são compostos sintéticos que não são produzidos naturalmente pelo corpo humano.

Quando o teste antidoping identifica um anabolizante exógeno, o doping fica facilmente caracterizado. No caso dos endógenos, além da detecção do composto na urina, a origem exógena precisa ser demonstrada para declarar um evento analítico adverso.

Uma forma de se fazer isso é a partir da mensuração da proporção de testosterona em relação à epitestosterona, outro composto também produzido naturalmente pelo corpo. Em média, as pessoas têm uma relação testosterona/epitestosterona (relação T/E) de 1, sendo que 99% da população possui T/E menor do que 6 (1). O uso de testosterona faz com que a testosterona aumente, mas não a epitestosterona, de forma que a relação T/E também aumenta. O Comitê Olímpico Internacional adotou um valor de T/E superior a 10 como indicativo do uso exógeno e superior a 4 como suspeito, sendo indicado a investigação nestes casos (2).

Este é o ponto em que o passaporte biológico entra em jogo. Nos casos suspeitos, avalia-se ao menos três outras amostras do atleta, sejam elas previamente coletadas ou analisadas a partir de testes futuros sem aviso prévio. Se a variação entre os resultados for inferior a 30% para homens e 60% para mulheres, é indicativo que a razão T / E está naturalmente aumentada. Variações acima destes valores são indicativos de uso exógeno, caracterizando o doping.

Passaporte biológico e GH

Métodos para a identificação do abuso de GH por meio do passaporte biológico estão em desenvolvimento, devido às dificuldades com os métodos atualmente disponíveis. Duas formas de testes estão atualmente disponíveis: a mensuração das isoformas do GH e avalaliação dos marcadores associados ao uso do GH.

Isoformas:

A maioria das moléculas de GH produzidas pelo nosso corpo contém 22 quilodaltons de tamanho, mas também produzimos uma forma outra forma com 20 quilodaltons. Já o produto feito em laboratório consiste apenas na molécula de 22 quilodaltons. Ao tomar o hormônio do crescimento exógeno, a produção natural do hormônio do crescimento pela hipófise fica bloqueada, de forma que deixamos de ter esta outra isoforma. Assim, identificar as diferentes isoformas do GH permite caracterizar o doping por GH. 

Mas interpretar a proporção tem seus desafios. Embora cada indivíduo tenha uma proporção estável de isoformas e desvios sinalizem que o doping é provável, esses desvios são de curta duração, já que a produção de hormônio do crescimento endógeno é rapidamente retomada na glândula pituitária após o doping, proporcionando apenas uma janela curta de 12 a 24 horas para as autoridades detectarem o uso indevido.

Marcadores associados ao uso de GH:

Uma forma alternativa desenvolvida para a detecção do abuso de GH se beseia nos marcadores associados ao uso de GH, mais especificamente o IGF-1 e o P-3-NP. Estes marcadores se elevam com o uso do GH e permanecem elevados por até um mês após o uso. Estes marcadores possuem grande variabilidade de pessoa para pessoa, mas variam pouco em diferentes mensurações de um mesmo indivíduo.

Frente a esta dificuldade, estão sendo desenvolvidos métodos para a inclusão do IGF-1 e P-3-NP no passaporte biológico, com o objetivo de encontrar um padrão de normalidade para cada indivíduo. Um dos principais entraves para isso é que o teste precisa ser feito a partir do sangue, e não da urina, e que o custo dele é elevado.