Nutrição na Gestação
Cuidados Nutricionais na Gestação
A gestação é um período de profundas transformações no corpo da mulher e de intenso desenvolvimento para o bebê. Durante essa fase, a nutrição desempenha um papel crucial tanto para garantir o crescimento saudável do feto como para preservar a saúde da gestante.
Alimentar-se de forma equilibrada, suprir as necessidades energéticas e atender à demanda aumentada de micronutrientes são desafios fundamentais desse período.
Desafios Nutricionais da Gestação
Durante a gravidez, o corpo da mulher precisa fornecer nutrientes suficientes para ela mesma e para o bebê que está se desenvolvendo. Isso exige um aumento no consumo energético e na ingestão de vitaminas e minerais.
Por outro lado, aversões alimentares, enjoos, refluxo ou constipação são problemas comuns que podem dificultar a manutenção de um bom padrão alimentar.
Entre os principais desafios nutricionais estão:
- Aversões alimentares e enjoos: comuns no primeiro trimestre, podem dificultar a ingestão adequada de alimentos.
- Ganho de peso: deve ser monitorado para evitar riscos como diabetes gestacional e hipertensão.
- Alterações digestivas: como constipação e refluxo, que podem impactar na escolha e na frequência dos alimentos.
- Necessidades energéticas variáveis: que aumentam progressivamente ao longo da gestação, exigindo ajustes na dieta.
Aversões Alimentares na Gestação
As aversões alimentares na gestação são reações de repulsa, náusea ou até mesmo vômito diante do cheiro, sabor ou aparência de determinados alimentos.
Elas são diferentes dos enjôos matinais clássicos, embora muitas vezes estejam associadas. Em geral, as aversões surgem de forma repentina e podem envolver alimentos que antes eram bem tolerados.
As aversões são altamente individuais. No entanto, alguns alimentos estão mais comumente envolvidos, incluindo:
- Carnes vermelhas (principalmente mal passadas);
- Peixes e frutos do mar;
- Alimentos muito temperados ou condimentados;
- Ovos;
- Alimentos fritos ou gordurosos;
- Café ou chás com sabor forte;
- Certos vegetais, como brócolis e couve-flor.
As causas exatas das aversões alimentares ainda não são totalmente compreendidas. No entanto, as alterações hormonais e o aumento da sensibilidade aos cheiros parecem estar envolvidos.
As aversões alimentares podem comprometer a ingestão adequada de proteínas, ferro, vitaminas do complexo B e outros nutrientes essenciais. Isso é particularmente preocupante quando envolvem grupos alimentares importantes, como as carnes ou os vegetais folhosos.
Algumas estratégias que podem ajudar a lidar com as aversões incluem:
- Substituição de alimentos: Quando possível, substituir os alimentos rejeitados por outros com perfil nutricional semelhante. Por exemplo:
- Se há aversão a carne vermelha, optar por carnes brancas, leguminosas (feijão, lentilha, grão-de-bico) e ovos (se tolerados).
- Suplementar ferro ou proteína, sempre sob orientação.
- Preparações alternativas: Às vezes, mudar a forma de preparo ajuda. Por exemplo: Cozinhar bem as carnes, evitar frituras ou usar ervas suaves no lugar de temperos fortes.
- Consumir vegetais em sopas ou caldos em vez de cozidos puros.
- Evitar gatilhos olfativos: Cozinhar em ambientes ventilados, usar exaustores, ou pedir para outra pessoa preparar as refeições.
- Fracionar as refeições: Comer pequenas porções ao longo do dia reduz náuseas e evita picos de fome ou saciedade que podem piorar as aversões.
Náuseas e vômitos
As náuseas e os vômitos são sintomas muito comuns no início da gravidez, especialmente no primeiro trimestre.
Eles atingem até 70% a 85% das gestantes. Geralmente entre a 5ª e a 6ª semana de gestação, com pico por volta da 9ª semana. Em mais de 90% dos casos, os sintomas desaparecem até a 20ª semana.
Embora geralmente sejam leves e autolimitados, em alguns casos podem ser intensos, podem comprometer a qualidade de vida da gestante e podem levar a complicações tanto para o feto como para a mãe, exigindo avaliação e tratamento adequado.
Mulheres com náusea ou vômitos na gestação podem controlar os sintomas por meio de algumas medidas comportamentais, incluindo:
- Fracionar a alimentação (refeições pequenas e frequentes).
- Evitar jejum prolongado.
- Consumo de alimentos secos e de fácil digestão (biscoitos, torradas).
- Evitar cheiros e alimentos que desencadeiam os sintomas.
- Boa hidratação.
Quando essas medidas não forem suficientes, poderá ser considerado o uso de medicação antiemética, incluindo:
- Doxilamina + vitamina B6 (primeira escolha).
- Metoclopramida, dimenidrinato e ondansetrona podem ser usados com critério.
constipação na gestação
A constipação intestinal, ou prisão de ventre, é uma condição comum durante a gravidez, caracterizada por evacuações infrequentes, dificuldade para evacuar e fezes endurecidas e evacuações infrequentes.
Geralmente, a constipação fica caracterizada quando a gestante apresenta 3 ou menos evacuações por semana. Mais do que isso, é preciso valorizar mudanças expressivas nos hábitos intestinais.
Cerca de 11% a 38% das gestantes apresentam esse problema em algum momento da gestação.
várias alterações fisiológicas e hormonais contribuem para uma maior incidência de constipação:
- Aumento da progesterona
- Compressão do intestino pelo útero
- Alterações dietéticas
- Redução da atividade física
- Uso de suplementos de ferro
- Desidratação.
A alimentação rica em fibras alimentares e a hidratação ajudam na melhora da constipação, bem como a prática regular de atividades físicas. Já os alimentos ultraprocessados, cafeína e alimentos ricos em açúcar e gordura devem ser evitados.
Quando as medidas acima não forem suficientes, o uso de medicamentos pode ser indicado, sempre sobre orientação do ginecologista.
Refluxo Gastroesofágico na Gestação
O Refluxo Gastroesofágico (RGE) é o retorno involuntário do conteúdo gástrico para o esôfago, que pode causar sintomas como azia, regurgitação e desconforto torácico.
Quando os refluxos acontecem de forma recorrente, fica caracterizada a Doença do Refluxo Gastroesofágico (DRGE).
Na gestação, a DRGE é bastante comum, principalmente com o avanço da gravidez:
- 1º trimestre: cerca de 22%
- 2º trimestre: cerca de 39%
- 3º trimestre: até 72%
Diferentes fatores contribuem para a alta incidência da Doença do Refluxo Gastrosofágico na gestação, incluindo:
- Alterações hormonais: a progesterona, hormônio que aumenta durante a gestação, promove o relaxamento do músculo liso, inclusive do esfíncter esofagiano inferior (EEI), facilitando o refluxo.
- Alterações anatômicas: o crescimento do útero comprime o estômago, aumentando a pressão intra-abdominal e favorecendo o refluxo do conteúdo gástrico para o esôfago.
- Retardo do esvaziamento gástrico: a motilidade gastrointestinal pode estar diminuída, contribuindo para a retenção do alimento no estômago.
A maior parte das gestantes com DRGE podem ser tratadas por meio de medidas comportamentais e dietéticas. Quando isso não for suficiente, o tratamento medicamentoso pode ser considerado, sempre sob orientação do ginecologista.
Controle de peso na gestação
Durante a gravidez, o aumento de peso é esperado e necessário. Ele reflete não apenas o crescimento do bebê, mas também adaptações fisiológicas do corpo da mulher, como o aumento do volume sanguíneo, do líquido amniótico, da placenta e dos tecidos maternos.
Manter um ganho peso adequado durante a gestação é fundamental para garantir o bem-estar da gestante e o desenvolvimento saudável do bebê. Isso não significa que qualquer ganho de peso seja normal e desejável.
Tanto o ganho de peso excessivo quanto a restrição calórica inadequada podem trazer riscos importantes. Por isso, o controle do peso deve ser feito de forma cuidadosa e orientada por profissionais da saúde.
Mostramos na tabela abaixo as metas para ganho de peso em cada etapa da gestação, de acordo com o Índice de Massa Corporal (IMC) do início da gestação.
Classificação | IMC Pré-Gestacional | Ganho Total Esperado | 1º Trimestre (0–13 semanas) | 2º e 3º Trimestres (por semana) |
Baixo peso | < 18,5 | 12,5 – 18 kg | ~2,0 kg | 0,45 – 0,59 kg/semana |
Peso normal | 18,5 – 24,9 | 11,5 – 16 kg | ~1,6 kg | 0,36 – 0,45 kg/semana |
Sobrepeso | 25 – 29,9 | 7 – 11,5 kg | ~1,0 kg | 0,23 – 0,32 kg/semana |
Obesidade | ≥ 30 | 5 – 9 kg | ~0,5 – 1,0 kg | 0,17 – 0,27 kg/semana |
Principais Deficiências Nutricionais na Gravidez
Mesmo com uma alimentação saudável, algumas deficiências nutricionais são frequentes durante a gestação, devido à maior demanda por certos nutrientes.
Além disso, considerando a importância dos nutrientes para o desenvolvimento fetal, a falta de certos nutrientes pode ter consequências muito mais sérias do que teria uma mulher não gestante.
Dessa forma, toda gestante deve ser cuidadosamente monitorada para a identificação e tratamento precoce das eventuais deficiências.
As deficiências nutricionais mais comuns na gestação incluem:
- Ácido fólico (vitamina B9)
- Ferro
- Cálcio e Vitamina D
Deficiência de Ácido Fólico
O ácido fólico é a forma sintética da vitamina B9, uma vitamina hidrossolúvel essencial ao organismo. Na sua forma natural (folato), está presente em vegetais verdes escuros, fígado, feijões, frutas cítricas e cereais fortificados.
Ele é fundamental para diversos processos metabólicos, incluindo:
- Síntese e reparo do DNA
- Formação de células sanguíneas
- Divisão celular
- Desenvolvimento fetal, especialmente do sistema nervoso central
Durante a gravidez, a demanda por ácido fólico aumenta significativamente, especialmente no primeiro trimestre, quando ocorre a formação do tubo neural do feto.
A falta de ácido fólico está associada a maior incidência de malformações fetais, como espinha bífida, anencefalia, parto prematuro, atraso no crescimento intrauterino, descolamento prematuro da placenta ou pré-eclâmpsia.
Estudos mostram que a suplementação adequada de ácido fólico pode reduzir em até 70% a incidência de DTN.
No Brasil e em diversos países, a fortificação obrigatória de farinhas com ácido fólico contribuiu para reduzir a incidência de DTN, mas não eliminou o problema.
Estima-se que, mesmo com políticas de fortificação, cerca de 10 a 30% das gestantes podem apresentar níveis subótimos de folato.
Considerando-se a importância do ácido fólico logo no início da gestação, todas as mulheres que planejam engravidar ou estão no início da gestação devem fazer a suplementação do ácido fólico de forma preventiva.
Deficiência de Ferro na Gestação
A deficiência de ferro é a principal causa de anemia. Ela é comum na população em geral e ainda mais comum na gestação.
Durante a gravidez, contribuem para a maior demanda por ferro:
- O crescimento fetal e placentário
- O aumento do volume sanguíneo materno
- A formação das reservas de ferro do feto
A deficiência de ferro é ainda mais comum em certos grupos de gestantes, incluindo:
- Gravidez múltipla
- Intervalo curto entre gestações
- Adolescência
- Baixo nível socioeconômico
- Dieta vegetariana ou vegana
Na gestante, a falta de ferro pode levar a sintomas como fadiga intensa, redução da imunidade, maior risco para infecções, maior risco de hemorragia no parto e até mesmo depressão pós-parto.
Para o feto, a deficiência de ferro aumenta o risco para restrição de crescimento intrauterino (RCIU), prematuridade, baixo peso ao nascer e déficits cognitivos e motores no desenvolvimento infantil. Doses mais altas de reposição ou até mesmo o ferro intravenoso podem ser considerados no caso de deficiência diagnosticada.
Deficiência de Cálcio
A deficiência de cálcio é uma condição silenciosa, que se desenvolve sem qualquer sinal perceptível, mas que pode ter impacto na saúde tanto da mãe como do feto.
O cálcio é um mineral essencial para a formação dos ossos e dentes do feto, além de sua importância para a contração muscular, transmissão nervosa, coagulação sanguínea e função cardíaca. Durante a gestação, há um aumento significativo na demanda por cálcio, especialmente no terceiro trimestre, quando ocorre a maior parte da mineralização óssea fetal.
Para suprir essa demanda, a gestante precisa de uma maior absorção de cálcio no intestino e uma redução na excreção urinária. A vitamina D tem papel fundamental na absorção do cálcio, de forma que uma vitamina D deficiente pode contribuir para uma maior deficiência de cálcio.
Quando o cálcio da dieta não for suficiente, ele passa a ser removido dos ossos para o sangue materno.
A perda gradual de cálcio ósseo pode levar a um quadro de osteopenia ou osteoporose gestacional. Nos casos mais graves, a deficiência de cálcio pode levar a outras complicações tanto para a mãe como para o feto.
Na gestante, ela pode causar Cãibras, formigamento, hipertensão arterial e pré-eclâmpsia.
No feto, pode levar a uma formação deficiente do esqueleto e baixa densidade mineral óssea ao nascimento.
Para a maior parte das gestantes, um cuidado extra com a ingesta alimentar é suficiente para suprir as demandas. Caso não seja suficiente, a suplementação poderá ser considerada.
Deficiência de Vitamina D
A vitamina D é um hormônio lfundamental para a homeostase do cálcio e consequentemente para a saúde óssea. Além disso, ela também participa de diversas outras funções, como modulação do sistema imunológico e controle da inflamação.
A falta de vitamina D tem consequências negativas tanto para a mãe como para o feto:
- Consequências para a mãe: maior risco de Pré-eclâmpsia, Diabetes gestacional, infecções e osteopenia / osteoporose.
- Consequências para o feto/recém-nascido: Risco aumentado para restrição de crescimento intrauterino, baixo peso ao nascer, raquitismo e desenvolvimento neurológico prejudicado.
A vitamina D é formada principalmente na pele, a partir da exposição a luz solar. Assim, o principal fator de risco para a deficiência está relacionado à baixa exposição ao sol. Pessoas obesas ou com a pele escura apresentam risco aumentado para a deficiência de vitamina D.
A exposição solar é a principal forma de prevenir a deficiência, sendo recomendada para a maioria das gestantes.
Além disso, toda gestante deve dosar de rotina a Vitamina D, com suplementação sempre que identifique uma deficiência.
Dieta Vegetariana na Gestação
A dieta vegetariana pode ser perfeitamente compatível com uma gestação saudável, desde que sejam garantidos os nutrientes críticos por meio da alimentação e/ou suplementação adequada.
Se bem orientada, a dieta vegetariana pode trazer diversos benefícios para a gestante, incluindo:
- Maior ingestão de fibras, vitaminas e antioxidantes, devido ao alto consumo de frutas, verduras, legumes, grãos e oleaginosas.
- Menor consumo de gorduras saturadas e colesterol.
- Redução do risco de doenças crônicas, como hipertensão, diabetes gestacional e obesidade.
- Menor risco de constipação intestinal, comum na gestação, devido ao alto teor de fibras.
Uma dieta vegetariana mau conduzida, por outro lado, pode levar a deficiências nutricionais com riscos tanto para a mãe como para o feto.
Quando uma mulher está habituada à dieta vegetariana de longa data, faz acompanhamento regular e não tem nenhum ponto de atenção do ponto de vista nutricional, a dieta vegetariana ou vegana pode ser mantida na gestação, desde que com acompanhamento rigoroso por profissionais com experiência no vegetarianismo.
Para aquelas que nunca fizeram uma dieta vegetariana ou que ainda não estejam bem adaptadas à dieta, a gestação não é o melhor momento para iniciar.
Principais pontos de atenção na gestante vegetariana
A dieta vegetariana é uma forma de dieta restritiva, que impõe maior dificuldade na oferta de certos nutrientes – dificuldades essas que podem ser superadas por pessoas comprometidas e com bom nível de conhecimento quanto a aspectos nutricionais.
Da mesma forma, a gestação também impõe certas dificuldades do ponto de vista nutricional. Primeiramente, porque sintomas como náusea e vômitos, intolerância alimentar, constipação e outros dificultam a manutenção de uma dieta saudável. Além disso, as demandas por certos nutrientes aumentam significativamente na gestação, para dar suporte ao desenvolvimento fetal.
Os principais nutrientes de atenção para a gestante vegetariana incluem:
- Proteínas: fontes vegetais devem ser combinadas (ex: arroz + feijão) para garantir a ingestão de todos os aminoácidos essenciais.
- Vitamina B12: não está presente em alimentos vegetais de forma biodisponível, de forma que a suplementação é obrigatória em todas as gestantes vegetarianas.
- Ferro: presente em vegetais mas na forma não heme, de menor absorção. A Suplementação com ferro pode ser necessária, conforme avaliação obstétrica individualizada.
- Cálcio: também tem a absorção reduzinda na dieta vegetariana.
- Ácidos graxos ômega-3: Importantes para o desenvolvimento cerebral fetal. Gestantes vegetarianas devem considerar suplementos de DHA derivado de microalgas.