Malformações geniturinárias
Malformações genitourinárias
As malformações genitourinárias congênitas incluem um conjunto de condições relacionadas ao desenvolvimento dos rins, ureteres, bexiga, uretra ou órgãos genitais externos.
Elas são mais comuns no sexo masculino e representam até 20–30% das anomalias fetais diagnosticadas por ultrassonografia, podendo acometer cerca de 1 a cada 500 a 1000 nascimentos.
O principal exame de triagem é o ultrassom morfológico do 2º trimestre, feito entre 18 e 24 semanas de gestação. Além da avaliação direta das estruturas genitourinárias, o ultrassom permite avaliar sinais indiretos de comprometimento genitourinário, incluindo:
- Volume de líquido amniótico (indicador indireto da função renal)
- Distensão das vias urinárias (pielocaliectasia, ureterectasia)
- Espessura da bexiga e sua capacidade de esvaziamento
Quando não há um diagnóstico claro por trás desses achados, eles podem indicar a realização de outros exames para prosseguimento da investigação diagnóstica.
Malformações genitourinárias mais comuns
Mostramos na tabela abaixo as malformações genitourinárias mais comuns.
Malformação | Descrição | Consequências clínicas | % Detecção no USG morfológico | Incidência estimada |
Hidronefrose fetal | Dilatação da pelve renal (uni/bilateral) | Pode ser transitória ou indicar obstrução/refluxo | 60–90% | 1–5 por 100 gestações |
Duplicação do sistema coletor | Dois sistemas pieloureterais no mesmo rim | Infecções urinárias, hidronefrose, refluxo | 30–60% | 1 em 125 nascidos vivos |
Agenesia renal unilateral | Ausência de um rim; geralmente assintomática | Normalmente compensada pelo rim contralateral | 70–90% | 1 em 1.000 nascidos vivos |
Agenesia renal bilateral | Ausência de ambos os rins; oligoâmnio grave | Letal (associada à sequência de Potter) | >95% | 1 em 3.000 a 10.000 nascidos vivos |
Displasia renal multissística | Rim com múltiplos cistos não funcionais | Unilateral: bom prognóstico; bilateral: letal | 80–95% | 1 em 4.000 nascidos vivos |
Rins policísticos (autossômico recessivo) | Rins aumentados, hiperecogênicos | Insuficiência renal neonatal; pode ser letal | 80–90% | 1 em 20.000 nascidos vivos |
Obstrução da junção ureteropiélica (JUP) | Obstrução da transição pelve-ureter | Pode causar hidronefrose significativa | 60–80% | 1 em 750 a 1.000 nascidos vivos |
Válvula de uretra posterior (VUP) | Obstrução infravesical em meninos | Grave: risco de insuficiência renal e oligoâmnio | 80–95% | 1 em 5.000 a 8.000 meninos |
Extrofia de bexiga | Exteriorização da bexiga por defeito abdominal | Requer cirurgia complexa neonatal | 70–90% | 1 em 30.000 a 50.000 nascidos vivos |
Ambiguidade genital / genitália indeterminada | Incongruência entre genitália externa e sexo genético | Associa-se a distúrbios do desenvolvimento sexual (DSD) | 50–70% | 1 em 4.500 a 5.000 nascidos vivos |
Hidronefrose Fetal
A hidronefrose fetal se refere à dilatação da pelve renal, que é a região do rim que coleta a urina. Ela pode afetar um ou ambos os rins e variar de grau leve a grave.
Essa é a anormalidade urinária mais comum no pré-natal, acometendo até 1 a cada 100 gestações. Ela é mais comum em bebês do sexo masculino.
Entre 70% e 90% dos casos são detectados ainda durante os exames pré natais, geralmente com o ultrassom mofológico do secundo trimestre, feito entre 18 e 24 semanas de gestação. No entanto, formas leves, transitórias ou unilaterais podem não ser visíveis ou não cumprir critérios diagnósticos durante a gestação, sendo diagnosticados apenas após o nascimento.
A maior parte dos casos leves é considerada fisiológica, quando não há uma causa obstrutiva ou estrutural por trás. Esses casos se resolvem expontaneamente, sem tratamento.
Já os casos mais graves estão geralmente associados a alterações genitourinárias estruturais ou funcionais, sendo então considerados patológicos. As principais causas para isso incluem:
- Obstrução da junção ureteropiélica (JUP): causa mais comum; obstrução entre pelve renal e ureter.
- Refluxo vesicoureteral (RVU): urina retorna da bexiga para os ureteres/rins.
- Duplicação do sistema coletor: Pode causar hidronefrose no sistema superior ou inferior.
- Válvula de uretra posterior (VUP): obstrução grave da uretra, exclusiva de meninos.
- Ureterocele: dilatação do ureter terminal dentro da bexiga.
As consequências para o bebê dependem da gravidade e da localização da obstrução. Casos leves a moderados tendem a ser transitórios e desaparecem expontaneamente, sem quaisquer consequências para o bebê. Já os casos graves ou bilaterais apresentam risco de dano renal progressivo, com infecções urinárias e insuficiência renal. Por fim, casos de obstrução baixa podem causar oligoâmnio e displasia pulmonar, com risco de óbito neonatal.
Durante a gestação, o bebê deve ser monitorado com ultrassonografias seriadas, geralmente a cada 4–6 semanas. Exames como a amniocentese ou ressonância magnética fetal podem ser indicados em casos suspeitos de anomalias associadas.
O tratamento intrauterino (ex: shunt vesicoamniótico) é raríssimo e reservado para casos muito graves (como VUP com oligoâmnio e disfunção renal).
Após o nascimento, o tratamento pode variar de observação à necessidade de correção cirúrgica, indicada especialmente quando há obstrução comprovada.
Duplicidade do Sistema Ureteral
A duplicidade ureteral é uma variação congênita em que um rim possui dois sistemas coletores (cálices + pelve renal + ureter).
O sistema coletor do rim é responsável por recolher e transportar a urina dos néfrons até a pelve renal, de onde ela é conduzida para o ureter e, posteriormente, para a bexiga. Ele é composto por:
- Cálices renais: Pequenas estruturas em forma de cálice que recebem a urina dos ductos coletores.
- Pelve renal: estrutura em forma de funil que recebe a urina dos cálices renais e a direciona para o ureter.
- Ureteres: Tubos musculares que transportam a urina da pelve renal para a bexiga urinária.
A duplicidade pode ser completa ou imcompleta. Na duplicidade completa, cada sistema excreta urina por um ureter independente, que pode ter inserção própria na bexiga. Eventualmente, um dos ureteres se insere fora da bexiga (ectópico). Já a duplicidade Incompleta acontece quando os dois sistemas coletores se fundem em um único ureter antes de chegar à bexiga.
A duplicidade ureteral Ocorre em 1 a 2% da população geral, com maior prevalência em meninas. Na maioria dos casos, é assintomática e descoberta incidentalmente. Por outro lado, cerca de 10% dos casos sejam detectados ainda no pré-natal, geralmente no ultrassom morfológico do segundo trimestre. O diagnóstico pré natal geralmente é feito na presença de complicações associadas.
As complicações mais comuns incluem:
- Hidronefrose: Mais comum no sistema superior, por obstrução da uretra ectópica ou ureterocele
- Ureterocele: Dilatação do ureter distal dentro da bexiga, por conta de obstrução do sistema superior
- Refluxo vesicoureteral (RVU): Mais comum no sistema inferior; pode causar infecções urinárias
- Infecções urinárias de repetição (ITU): Especialmente em crianças pequenas
- Incontinência urinária: Se houver inserção ectópica ureteral abaixo do esfíncter (mais comum em meninas)
O tratamento depende da presença e gravidade das complicações, variando de observação clínica até cirurgia corretiva, conforme o caso.
Agenesia Renal
A agenesia renal se refere à ausência congênita de um ou ambos os rins, devido à falha no desenvolvimento embrionário da estrutura que formaria o rim. O diagnóstico geralmente é feito por meio do ultrassom morfológico do segundo trimestre.
A agenesia unilateral acomete aproximadamente um em cada 1.000 a 2.000 nascidos vivos, sendo geralmente bem tolerada. O rim remanescente compensa a falta do outro rim, embora com risco aumentado para hipertensão, proteinúria ou disfunção renal leve na vida adulta.
Alguns casos podem estar associados a outras anormalidades geniturinárias, de forma que uma avaliação completa se faz necessária. Após o nascimento, o bebê deve ser monitorado pelo nefrologista pediátrico. É preciso também Incentivar hábitos de vida saudáveis para preservar o rim remanescente.
Já a agenesia bilateral acomete um em cada 3.000 a 10.000 nascidos vivos, sendo incompatível com a vida fora do útero.
Ela leva a uma redução grave no volume de líquido amniótico (oligoâmnio), o que leva à hipoplasia pulmonar severa, em muitos casos com evolução letal ainda no período neonatal, por insuficiência respiratória. Nos bebês que nascem com vida, não há tratamento específico além dos cuidados paliativos.
Displasia Renal Multicística
A Displasia Renal Multicística (DRM) é uma malformação congênita do rim caracterizada pela substituição do parênquima renal normal por múltiplos cistos não comunicantes, de tamanhos variados. Ela ocorre em 1 a cada 1.000 nascimentos., sendo mais comum no sexo masculino.
A causa da DRM é desconhecida, mas parece estar relacionada à uma obstrução completa do trato urinário antes das 10 semanas de gestação, o que compromete a indução e o desenvolvimento normal do parênquima renal pelo broto ureteral.
O diagnóstico pode ser feito ainda na vida intrauterina, a partir da 18ª semana, sendo que a doença pode ser unilateral (em 80% dos casos), bilateral ou segmentar.
O rim acometido é não funcional, de forma que a evolução do bebê depende de ter um rim presenvado.
- DRM unilateral: quando apenas um dos rins é acometido e o outro funciona bem, o prognóstico é bom e o feto se desenvolve sem maiores problemas.
- DRM Bilateral: quando ambos os rins são acometidos, ela é associada a anidrâmnia (ausência de líquido amniótico). Essa é uma condição letal, já que a ausência de líquido amniótico impede o desenvolvimento pulmonar. O óbito pode ocorrer intra útero ou pós-natal.
A DRM pode ser um problema isolado ou pode estar associada a outras condições. As Trissomias do cromossomo 18 (Síndrome de Edwards) e 21 (Síndrome de Down), são encontradas em 3% das lesões unilaterais e em 15% das lesões bilaterais. Outras síndromes são encontradas em 10% dos casos.
Além disso, anormalidades do rim contralateral podem ocorrer em 25% dos casos, com duplicação da pelve renal, obstrução pélvico-ureteral, agenesia (ausência do rim contralateral), ectopia (rim fora do local habitual, por exemplo na região pélvica) ou refluxo vesico-ureteral.
A gestante deve ser acompanhada com ultrassonografia a cada 4 semanas, examinando atentamente o rim normal e volume de líquido amniótico, o que assegura um bom prognóstico. É preciso ficar atento para a possibilidade de hidronefrose de início tardio. Em alguns casos, pode haver regressão e reabsorção do rim acometido, com evolução para um quadro de agenesia renal unilateral.
Obstrução da Junção Ureteropiélica (JUP)
A obstrução da JUP é um bloqueio parcial ou completo no ponto de transição entre a pelve renal e o ureter proximal, dificultando o escoamento da urina do rim para a bexiga.
Ela ocorre em aproximadamente 1 para cada 750 a 1.500 nascidos vivos, sendo mais comum em meninos. Essa é a causa mais comum de hidronefrose congênita.
O diagnóstico pré-natal pode ser feito geralmente no ultrassom morfológico do segundo trimestre, entre 18 e 24 semanas da gestação.
Obstruções leves a moderadas podem regredir expontaneamente e tendem a ter boa evolução. O tratamento nesses casos envolve acompanhamento clínico e ultrassonográfico regular.
Casos mais graves no qual o fluxo urinário normal é impedido podem comprometer a função renal progressivamente. As principais complicações nesses casos incluem a hidronefrose (acúmulo de urina no rim), infecções urinárias recorrentes, danos renais e, em casos severos, perda da função renal.
Intervenção intrauterina é um tratamento de exceção, reservado para casos graves de obstrução bilateral com função renal comprometida ou oligoâmnio severo precoce. Nesses casos raros, pode-se considerar colocação de shunt vesicoamniótico, um procedimento controverso e com benefícios limitados.
Após o nascimento, o tratamento pode variar de acompanhamento a cirurgia, a depender do funcionamento dos rins e eventuais complicações.