Malformações do Sistema Nervoso Central
Malformações do Sistema Nervoso Central
As malformações do Sistema Nervoso Central incluem um grupo diverso de anomalias que afetam a formação do cérebro, da medula espinhal ou de estruturas adjacentes (calota craniana, meninges, etc).
Elas geralmente se desenvolvem durante a embriogênese, especialmente entre a 3ª e 8ª semanas gestacionais. Algumas são graves e incompatíveis com a vida, enquanto outras com potencial de tratamento e reabilitação.
O exame mais importante para o diagnóstico das malformações do Sistema Nervoso Central é o ultrassom morfológico do 2º trimestre, feito entre 18 e 24 semanas de gestação.
Principais malformações
Mostramos na tabela abaixo as principais malformações do Sistema Nervoso Central que podem ser diagnosticadas durante a gestação.
Malformação | Incidência estimada | Diagnóstico pré-natal | Consequências clínicas |
Anencefalia | 1 a cada 1.000 nascimentos | USG precoce (1º trimestre); ausência de calota craniana | Letal; óbito intraútero ou poucas horas após o parto |
Espinha bífida (mielomeningocele) | 0,5–1/1.000 nascimentos | USG morfológico; sinais indiretos (lemon sign, banana sign) | Paralisia de membros inferiores, incontinência, hidrocefalia |
Hidrocefalia | 1–2/1.000 nascimentos | USG (ventrículos > 10 mm); RM fetal pode complementar | Atraso neuropsicomotor, epilepsia, necessidade de derivação ventricular |
Holoprosencefalia | 1/10.000 a 1/20.000 nascimentos | USG + RM fetal; falha na divisão cerebral anterior | Anomalias faciais, retardo grave, epilepsia; pode ser letal |
Agenesia do corpo caloso | 1–3/10.000 nascimentos | USG (linha média ausente); RM fetal é mais sensível | Variável: pode ser assintomática ou associada a retardo e epilepsia |
Malformação de Dandy-Walker | 1/25.000 a 1/35.000 | USG: cisto na fossa posterior, ausência do vermis cerebelar | Atraso motor, hidrocefalia, hipotonia; pode coexistir com outras anomalias |
Lisencefalia | Rara (síndromes genéticas) | RM fetal (difícil no USG); detecção no final da gestação | Atraso grave do desenvolvimento, crises epilépticas, microcefalia |
Polimicrogiria / esquizencefalia | Rara | RM fetal no 3º trimestre | Crises epilépticas, paralisia, retardo cognitivo |
Encefalocele | 1/10.000 nascimentos | USG: defeito no crânio com herniação de tecido cerebral | Variável: depende do conteúdo e localização; risco de déficits neurológicos |
Microcefalia | Variável (ex.: zika, genéticas) | USG (perímetro cefálico < p3); confirmação com RM fetal | Atraso global do desenvolvimento, crises, deficiência intelectual |
Anencefalia
A anencefalia é um defeito grave do tubo neural, caracterizado pela ausência total ou quase total do encéfalo e da calota craniana (crânio). Ela ocorre devido a uma falha no fechamento do tubo neural anterior, por volta do 25º dia de gestação. Com isso, o cérebro superior (telencéfalo) não se forma adequadamente e o crânio fica ausente acima das órbitas.
O diagnóstico geralmente é feito no ultrassom morfológico do 1º trimestre, por volta de 11 a 14 semanas.
Condições como a deficiência de ácido fólico, histórico de anencefalia anterior, diabetes materna ou obesidade aumentam o risco para anencefalia fetal.
A anencefalia acomete cerca de 1 a 5 casos por 1.000 nascimentos, variando conforme a região e acesso ao ácido fólico. Ela é mais comum em meninas.
Essa é uma condição incompatível com a vida. O feto pode morrer intraútero ou durante o trabalho de parto. Se nascer vivo, não sobrevive além de poucos minutos a poucas horas.
Uma vez feito o diagnóstico, deve-se fazer um esclarecimento completo sobre a condição à gestante, para a melhor tomada de decisões. O suporte psicológico também é fundamental.
No Brasil, a anencefalia é uma das poucas condições em que o aborto é permitido por decisão judicial (por ser incompatível com a vida extrauterina) – com respaldo do STF desde 2012.
Alternativamente, pode-se optar por manter a gestação até o termo, com cuidados paliativos após o nascimento, ou pela indução do parto, após o diagnóstico e decisão informada da gestante.
Hidrocefalia
A hidrocefalia fetal é caracterizada pela dilatação anormal dos ventrículos cerebrais, devido ao acúmulo excessivo de líquido cefalorraquidiano (LCR) no sistema ventricular cerebral.
Esse acúmulo pode causar aumento da pressão intracraniana, compressão do tecido cerebral e prejudicar o desenvolvimento neurológico.
Quando a dilatação é leve e sem sinais de aumento de pressão ou alterações do parênquima cerebral, o termo mais usado é ventriculomegalia. A Hidrocefalia representa os casos mais graves de venticulomegalia.
A hidrocefalia fetal acomete cerca de 1 a 2 casos a cada 1.000 nascimentos vivos, sendo mais comum no sexo masculino. Ela representa cerca de 60% dos casos de ventriculomegalia fetal diagnosticados por ultrassonografia.
Em alguns casos, ela ocorre de forma isolada, mas em outros pode fazer parte de síndromes genéticas, ou pode estar associada a infecções congênitas.
Entre as principais causas da hidrocefalia fetal, incluem-se:
- Obstrução do fluxo do LCR (hidrocefalia obstrutiva)
- Alterações do desenvolvimento cerebral
- Infecções congênitas (TORCH)
- Hemorragia intraventricular fetal
- Alterações genéticas ou sindrômicas
Diagnóstico
O diagnóstico geralmente é feito no ultrassom do segundo trimestre, podendo ser vista a partir de 18–20 semanas (às vezes antes). Uma vez identificada a hidrocefalia, o ultrassom também é importante para avaliar se há malformações associadas (cerebrais ou extracerebrais).
Uma vez confirmado o diagnóstico, a ressonância magnética permite uma melhor avaliação do parênquima cerebral e das estruturas adjacentes, devendo idealmente ser feito após a 28ª semana de gestação.
Outros exames são solicitados para investigar a causa da hidrocefalia, incluindo:
- Sorologias maternas (TORCH, zika)
- Testes genéticos (cariótipo, microarray, eventualmente exoma fetal)
- Amniocentese (quando indicado)
Tratamento
Em casos muito específicos e bem selecionados, pode-se considerar o tratamento ainda intra-utero por meio da derivação ventrículo-amniótica fetal. No entanto, as indicações são muito específicas e com resultados variáveis.
Após o nascimento, o tratamento geralmente envolve uma cirurgia de derivação ventrículo-peritoneal (DVP), na qual o LCR é drenado para a cavidade abdominal.
Prognóstico
O prognóstico da hidrocefalia depende do grau da hidrocefalia, da presença ou não de malformações associadas, da causa subjacente e da eventual progressão durante a gestação. Ela está associada a uma maior incidência das seguintes condições:
- Retardo no desenvolvimento neurológico e cognitivo
- Paralisia cerebral
- Epilepsia
- Macrocefalia progressiva
- Necessidade de intervenções cirúrgicas após o nascimento (como derivação ventricular)
Espinha Bífida
A espinha bífida é um defeito no fechamento do tubo neural, que ocorre durante as primeiras 4 semanas de gestação. Ela leva à exposição ou protrusão de estruturas neurais, podendo variar de formas leves e assintomáticas a formas graves e incapacitantes.
A espinha bífida se divide em três tipos:
- Espinha bífida oculta: forma mais leve e geralmente assintomática. A medula espinhal não está exposta.
- Meningocele: meninge, uma membrana que protege a medula, protrui através do defeito ósseo, formando uma bolsa cheia de líquor. No entanto, não há conteúdo neural no interir dessa bolsa.
- Mielomeningocele: forma mais grave da espinha bífida, na qual a bolsa da menigocele contém raízes nervosas ou a medula espinhal. Há uma exposição direta do tecido neural ao líquido amniótico, o que agrava os danos. Ela está associada a déficits neurológicos, incontinência urinária, deformidades ortopédicas e síndrome de Arnold-Chiari II com hidrocefalia.
- A espinha bífida acomete 0,5 a 2 bebês por 1.000 nascidos vivos, com grande variação regional, sendo mais comum em meninas. Essa incidência vem diminuindo com a suplementação de ácido fólico.
A Espinha bífida geralmente é detectada no ultrassom morfológico de segundo trimestre, sendo geralmente feito entre 18 e 22 semanas de gestação. Ela pode ser observada a partir da 16ª semana.
A cirurgia intrauterina pode ser considerada em casos selecionado. Na maioria das vezes, a cirurgia é feita em até 48 horas após o nascimento do bebê. Além da correção da mielomeningocele, outros tratamentos são indicados a depender das sequelas observadas em cada criança.