Luxação da Patela em crianças
Quais as causas da Luxação da Patela na Infância?
A luxação da patela pode acometer tanto o público infantil quanto os adultos.
Ela pode estar associada a traumas de maior ou menor energia. Entretanto, a presença de certas características anatômicas que favorecem o deslocamento da patela é quase uma regra entre estes pacientes.
Isso acontece porque, em um joelho anatomicamente normal, a energia necessária para provocar a luxação é muito grande. Assim, outras lesões acontecem antes que a patela se desloque. Entre elas, incluem-se a lesão dos ligamentos do joelho ou as fraturas ao redor da articulação.
Frente a uma criança com luxação da patela, desta forma, o primeiro passo é identificar quais os motivos que estão levando a patela a se deslocar.
Anatomia relevante
A patela é um osso localizado na parte da frente do joelho. Ela fica apoiada na tróclea, um sulco do fêmur. Está presa acima no tendão do quadríceps e abaixo no tendão patelar.
Tendão quadríceps, patela e tendão patelar formam o que se denomina de mecanismo extensor do joelho, responsável pelo movimento de esticar o joelho.
A patela é mantida no lugar devido à sua congruência com a tróclea femoral e, também, por um conjunto de estruturas capsulo-ligamentares, principalmente o Ligamento Patelo Femoral Medial.
Em um joelho normal, é muito difícil que a patela se desloque em relação à tróclea. A articulação é tão estável que mesmo na ausência de estruturas capsuloligamentares competentes a força necessária para deslocar a patela em relação à tróclea é muito grande.
Existem, entretanto, um conjunto de alterações anatômicas que podem facilitar com que a patela se desloque.
Displasia da Tróclea
Displasia da Tróclea é um termo que se refere a uma tróclea com o sulco mais raso do que o habitual. Quando isso acontece, o joelho passa a depender mais destas estruturas capsuloligamentares para manter a patela no lugar.
Muitas pessoas têm displasia de tróclea sem instabilidade patelar. Isso acontece justamente porque os ligamentos, em especial o Ligamento Patelofemoral Medial (LPFM), encontra-se competente.
Quando esta pessoa sofre um trauma, porém, o LPFM pode se romper, permitindo que a patela se desloque para fora da tróclea.
A Displasia da Tróclea é um problema quase universal, presente em 97% dos pacientes com histórico de luxação da Patela. Entretanto, outros problemas anatômicos também podem contribuir para a luxação da Patela, conforme discutiremos abaixo.
Patela alta
A patela alta se refere a uma condição na qual o tendão da patela é mais longo do que o habitual. Isso faz com que a patela fique apoiada na parte mais alta da tróclea, que é naturalmente mais rasa. Assim, ela pode se deslocar mesmo no caso de um paciente que tenha a profundidade da tróclea dentro dos padrões considerados normais.
A patela alta é responsável pelos poucos casos nos quais a luxação ocorre na ausência da Displasia da Tróclea.
Desalinhamento do aparelho extensor
O alinhamento do aparelho extensor é determinado pela posição do quadríceps e do tendão patelar em relação à patela. Estas estruturas normalmente formam um ângulo que faz com que a patela seja tracionada lateralmente, denominado de ângulo Q.
Quando o ângulo Q é excessivo, a força de tração lateral também aumenta, o que contribui para um maior risco de luxação da patela.
O ângulo Q aumentado não é suficiente isoladamente para provocar a luxação da patela. Entretanto, na presença de uma tróclea displásica, o desalinhamento pode assumir um papel importante na perpetuação da instabilidade.
Avaliação da criança com luxação da patela
A avaliação da criança com luxação da patela segue o mesmo padrão do que é feito com adultos.
A Radiografia e a Tomografia Computadorizada são os melhores exames para avaliar a anatomia e os fatores de risco para a luxação da patela.
Já a Ressonância Magnética pode ser solicitada para a avaliação da Cartilagem Articular, que pode ser comprometida no momento da luxação da patela.
A Displasia da Tróclea pode ser classificada em quatro tipos, conforme a Classificação de DeJour, mostrada abaixo.
Existem diferentes critérios para a mensuração da altura patelar. Um dos mais utilizados, conforme a imagem abaixo, é o método de Catton Deschamps.
O desalinhamento do aparelho extensor pode ser avaliado por uma medida denominada de TAGT, conforme mostrado na figura abaixo. Ela é feita sobrepondo-se um corte do sulco da trócela com um corte da Tuberosidade da Tibia, avaliando-se a distância horizontal entre estas duas estruturas.
Tratamento do primeiro episódio de Luxação da Patela
A maior parte dos pacientes pode ser tratada sem cirurgia após o primeiro episódio de luxação da patela. Exceção a isso ocorre na presença de uma avulsão do Ligamento Patelofemoral Medial ou na presença de outras lesões concomitantes que precisem de tratamento cirúrgico, especialmente as lesões da cartilagem articular.
O tratamento inicial após uma luxação da patela envolve o uso de gelo, medicações anti-inflamatórias e, eventualmente, imobilizadores.
A mobilização do joelho deve ser iniciada o mais cedo possível, para evitar que o joelho perca mobilidade.
A fisioterapia poderá lançar mão de recursos para estimular a cicatrização do ligamento, para recuperar a mobilidade do joelho, reduzir o edema e recuperar a função da musculatura ao redor do joelho.
O uso de imobilizador de joelho ou tapes por curto período (especialmente nas duas primeiras semanas após a luxação) pode ser considerada por alguns especialistas, embora não existam evidencias no benefício desta conduta (1).
Qual o risco de a patela voltar a deslocar após uma primeira luxação?
Considerando-se todos os pacientes com luxação da patela, aproximadamente 50% dos pacientes voltam a deslocar a patela e vêm a desenvolver um quadro de luxação recidivante.
Isso significa que a cápsula e os ligamentos se tornam incompetentes e não conseguem mais impedir a patela de se deslocar. Assim, a patela passa a sair do lugar de tempos em tempos.
Existem diversos fatores que determinam um maior ou menor risco para a patela voltar a deslocar. São considerados pacientes de alto risco aqueles mais jovens (especialmente abaixo dos 14 anos), com displasia troclear mais grave, patela alta e histórico de luxação da patela no joelho contralateral.
Na presença de todos estes fatores de risco, a ocorrência de uma nova luxação pode chegar a 90%. Nos casos com risco excepcionalmente elevado para uma nova luxação é válida a discussão a respeito do tratamento cirúrgico já após este primeiro episódio de luxação da patela.
cerca de 40% dos pacientes que desenvolvem Luxação recidivante da patela apresentam um segundo episódio de luxação dentro de 6 meses do primeiro episódio e 62% dos pacientes apresentariam no primeiro ano (2).
A idade, isoladamente, já é considerada um fator de risco. Além disso, os outros fatores de risco são muito mais frequentes nos pacientes mais jovens, o que contribui para um risco ainda maior (3).
Estudos mostram que, no geral, mais de 70% dos pacientes com primeiro episódio de luxação da patela antes dos 16 anos de idade vêm a desenvolver luxação recidivante da patela (4).
Tratamento sem cirurgia da Luxação Recidivante da Patela
Quando um paciente desenvolve Luxação Recidivante da Patela, nenhuma forma de tratamento sem cirurgia será capaz de impedir que a patela volte a se deslocar.
Por outro lado, é comum que o tratamento sem cirurgia seja considerado em um primeiro momento nos pacientes com esqueleto imaturo, adiando-se a cirurgia até que o osso pare de crescer.
Isso se justifica pelo fato de que, ao se usar as técnicas cirúrgicas tradicionalmente indicadas para os adultos, existe o risco de comprometimento da área de crescimento do osso, podendo levar a deformidades ósseas à medida em que o osso cresce.
O problema desta conduta é que, com novos deslocamentos da patela, há um risco crescente de lesão da cartilagem articular. Em alguns casos, estas lesões podem ser muito mais difíceis de tratar do que a própria instabilidade patelar, levando a uma sequela definitiva no joelho.
Considerando-se isso, podemos dizer que, como regra geral, o tratamento da Luxação Recidivante da Patela deve ser cirúrgico, mesmo no paciente pediátrico. Para evitar as potenciais complicações, algumas adaptações na técnica cirúrgica podem ser adotadas, com excelente resultado.
Como é avaliada a maturidade esquelética no joelho?
A maturidade esquelética se caracteriza pelo fechamento da placa de crescimento ósseo (placa fisária).
Isso acontece durante a puberdade, período de intensa transformação no corpo da criança, que passa a assumir as características de uma pessoa adulta.
No joelho, esta maturidade é atingida por volta dos 12 ou 13 anos nas meninas e entre os 14 e 15 anos nos meninos. Neste momento, o joelho para de crescer, embora possa haver algum crescimento remanescente em outras partes do corpo.
O problema é que esta idade pode variar de pessoa para pessoa. Como exemplo, um menino de 14 anos pode ainda ter a aparência de uma criança e ter um esqueleto de criança, enquanto outro de 13 anos pode já apresentar o desenvolvimento físico de um adulto.
A avaliação do desenvolvimento físico e esquelético é fundamental para a escolha do melhor tratamento da Lesão do Ligamento Cruzado Anterior em crianças. A melhora forma de se fazer isso é por meio dos estágios de Tanner, conforme as imagens abaixo (5).
A preocupação com a placa de crescimento deve estar presente principalmente nos estágios I e II de Tanner. A partir do Estágio III, o joelho já atingiu uma maturidade esquelética que proporciona maior segurança para a Reconstrução ligamentar do joelho.
A maturidade esquelética também pode ser avaliada por meio de uma radiografia da mão e punho esquerdos para a avaliação da idade óssea (6).
A mão e o punho possuem diversas placas de crescimento que se fecham em uma sequência previsível. Assim, esta radiografia permite estimar em que fase de desenvolvimento esquelético que o paciente se encontra, ao que se denomina de idade óssea”. A idade óssea não necessariamente coincide com a idade cronológica.
Tratamento cirúrgico da Luxação da Patela na infância
Da mesma forma que nos adultos, a cirurgia para a Luxação Recidivante da Patela na infância deve buscar corrigir todos os fatores que contribuem para a luxação da patela, conforme discutido acima.
Entretanto, algumas adaptações nas técnicas devem ser consideradas para evitar a violação da placa de crescimento ósseo.
A Reconstrução do Ligamento Patelofemoral Medial é a técnica mais utilizada no tratamento. Ela pode tranquilamente ser feita no público infantil, desde que utilizando-se de técnicas adequadas a este público para a fixação do enxerto no fêmur.
A osteotomia da Tuberosidade da tíbia não deve ser feita na criança. Esta técnica é habitualmente indicada em pacientes com a patela alta ou com o TAGT aumentado. Entretanto, ela pode ser substituída por uma técnica de transferência subperiosteal do tendão patelar (7).
A trocleoplastia de fato não é um procedimento adequado para um esqueleto imaturo. Entretanto, esta é uma cirurgia raramente indicada, mesmo em adultos.