Identidade de gênero e Disforia de gênero
O que é a identidade de gênero?
A identidade de gênero refere-se à vivência interna, profunda e pessoal que cada indivíduo tem em relação ao seu próprio gênero.
Trata-se de uma percepção subjetiva — como cada pessoa se sente e se reconhece — que não está necessariamente ligada às características biológicas tradicionalmente associadas aos sexos masculino ou feminino.
Algumas pessoas se identificam com o mesmo gênero que lhes foi atribuído ao nascer. Nesses casos, dizemos que são pessoas cisgêneras. Outras, no entanto, podem se identificar com um gênero diferente daquele designado no nascimento — são as pessoas transgêneras, ou simplesmente pessoas trans.
É importante ressaltar que identidade de gênero não tem relação direta com orientação sexual. Uma pessoa pode ser cisgênera e se sentir atraída por pessoas do mesmo gênero (homossexualidade) ou por mais de um gênero (bissexualidade), por exemplo. Identidade de gênero diz respeito a quem a pessoa é, enquanto orientação sexual diz respeito a por quem ela sente atração.
Durante muito tempo, a vivência trans foi injustamente associada a transtornos mentais. Felizmente, essa perspectiva vem mudando com o avanço do conhecimento e o fortalecimento dos direitos humanos.
Um marco importante nessa transformação foi a retirada do termo “transtorno de identidade de gênero” do DSM-5, publicado em 2013. O DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), publicado pela Associação Americana de Psiquiatria (APA), é uma das principais referências mundiais na área da saúde mental (1). Hoje, as principais entidades médicas e científicas reconhecem que ser trans não é uma doença, mas uma expressão legítima da diversidade humana.
Qual a diferença entre transgênero e transexual?
O termo transgênero refere-se a pessoas cuja identidade de gênero não corresponde ao sexo atribuído ao nascimento. Isso significa que há uma incongruência entre o gênero com o qual a pessoa se identifica internamente e as características anatômicas com as quais nasceu.
Já o termo transexual é frequentemente utilizado para descrever pessoas transgênero que optam por realizar uma transição de gênero, com o objetivo de alinhar sua aparência física e/ou expressão de gênero à sua identidade de gênero.
Essa transição pode ocorrer de diferentes formas, incluindo:
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Modificação no estilo de vestimenta;
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Adoção de novos cuidados com a aparência e higiene pessoal;
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Uso de hormônios prescritos por profissionais de saúde;
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Cirurgias de afirmação de gênero;
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Ou uma combinação desses recursos.
É importante lembrar que cada pessoa trans vive sua identidade de maneira única. A transição, quando ocorre, deve sempre respeitar os desejos, limites e necessidades individuais.
Identidade de gênero na infância
Aos 12 meses de vida, as crianças já são capazes de determinar objetos típicos de cada gênero. Entre 17 e 21 meses, elas se autoidentificam como meninos ou meninas. Assim, podemos dizer que a identidade de gênero tem início entre 2 e 3 anos de idade.
A identidade de gênero está associada a diferentes formas de comportamento, vestimenta e cuidados com o corpo. No entanto, isso é modificável ao longo do tempo e em diferentes culturas.
- Usar saia, por exemplo, é considerado um comportamento tipicamente feminino. Mas, em países como a Irlanda ou Escócia, é normal que ela seja usada por homens, inclusive homens cis.
- O uso de saias e maquiagem, embora considerado um comportamento feminino, é considerado normal por muitos homens cis durante festas como o carnaval. Ela também é vista como um comportamento normal para homens cis em atividades como o circo ou o teatro.
- A cor rosa foi historicamente associada ao gênero feminino, enquanto o azul foi associado a meninos. Na maior parte das famílias, no entanto, o uso de vestimentas cor de rosa é normal mesmo entre homens cis.
- Pierre de Coubertin, o idealizador dos jogos olímpicos modernos, chegou a dizer que era “indecente ver mulheres torcendo-se no exercício físico do esporte”. Hoje, o esporte feminino é uma realidade indiscutível para a maior parte das pessoas no mundo.
- Jogar futebol foi proibido para mulheres no Brasil até recentemente. No entanto, a maior parte das pessoas enxergam isso como algo normal nos dias atuais.
- O Ballet continua sendo visto como uma atividade feminina pela maior parte das pessoas, embora muitos entusiastas busquem quebrar este paradigma, da mesma forma como foi feito com o futebol. Ainda que o homossexualismo seja comum no meio do Ballet, isso não significa que um homem cisgênero e heterossexual não possa praticá-lo.
Da mesma forma como a caracterização daquilo que é masculino ou feminino pode variar com o tempo ou com a cultura, ela também pode variar de família para família ou até mesmo de pessoa para pessoa.
Como caracterizar uma criança transgênero?
Identificar uma criança transgênero pode ser um desafio, especialmente nas idades mais precoces. Isso porque o desenvolvimento da identidade de gênero é um processo único e subjetivo, que varia de pessoa para pessoa e pode se manifestar de maneira sutil, sobretudo na infância.
Alguns comportamentos podem oferecer pistas sobre como a criança se percebe em relação ao próprio gênero. Em alguns casos, ela pode se identificar com um gênero diferente daquele que lhe foi atribuído ao nascer. No entanto, é essencial compreender que nem toda manifestação de comportamento associado ao “gênero oposto” indica que a criança seja transgênero ou não binária.
Durante a infância, é comum que meninos e meninas explorem uma variedade de papéis e comportamentos de gênero. Meninas podem brincar com carrinhos, meninos podem se interessar por bonecas ou gostar de usar vestidos. Essa fase de experimentação é natural e faz parte do desenvolvimento saudável da identidade.
Inclusive, algumas crianças chegam a dizer que gostariam de ser do gênero oposto. Isso, por si só, não significa necessariamente que ela seja transgênero.
Consistência, Persistência e Insistência: Três Indicadores-Chave
Um ponto fundamental para diferenciar a curiosidade infantil de uma vivência genuína de identidade transgênero é observar se o comportamento e as declarações da criança são:
- Consistentes: repetidos com clareza ao longo do tempo;
- Persistentes: mantidos por semanas, meses ou até anos;
- Insistentes: não mudam mesmo diante de resistência ou tentativas de dissuasão.
Por exemplo:
✅ Se uma criança designada como menino ao nascer diz, uma ou duas vezes, que gostaria de usar vestido ou afirma que queria ser menina, isso pode fazer parte de um processo de curiosidade ou imaginação.
✅ Por outro lado, se essa mesma criança repete de forma clara e convicta, ao longo de meses ou anos, que é uma menina — e demonstra sofrimento ou desconforto ao ser tratada como menino —, isso pode indicar uma vivência transgênero autêntica.
O Papel do Acolhimento Familiar e Social
A forma como os adultos reagem à expressão de gênero da criança faz toda a diferença. Pais, responsáveis, educadores e profissionais da saúde devem exercer uma escuta ativa, empatia e respeito diante dessas manifestações.
Estudos mostram que o apoio familiar é um dos principais fatores de proteção para o bem-estar emocional de crianças trans. Crianças acolhidas em sua identidade têm menores taxas de depressão, ansiedade e ideação suicida.
É possível mudar a identidade de gênero?
Quando crianças que se identificam como transgênero mantêm essa identidade após a puberdade, a chamada “retransição” para uma identidade cisgênera é incomum. Ou seja, aqueles que continuam se identificando como transgênero ao longo da adolescência dificilmente voltará a se reconhecer em um momento posterior com o gênero que lhe foi atribuído ao nascer.
Por outro lado, a frequência dessa “retransição” em crianças mais novas ainda é tema de intenso debate entre especialistas:
- Algumas pesquisas indicam que muitas crianças que vivenciam incongruência de gênero na infância passam, em algum momento, a se reconhecer como cisgênero — especialmente durante a puberdade (geralmente entre os 10 e 13 anos). Nessas pesquisas, as taxas de persistência da identidade transgênero até a vida adulta variaram entre 2% e 27% (1).
- Estudo recente desafia esse cenário: publicado em 2022 pela American Academy of Pediatrics, um estudo apresentou dados significativamente diferentes. Segundo essa pesquisa, 94% das crianças trans acompanhadas por cinco anos — com idades iniciais entre 3 e 10 anos — continuaram se identificando como transgênero após esse período (2).
O papel da idade na transição social
O mesmo estudo acima também observou que as retransições foram mais comuns entre crianças cuja transição social ocorreu antes dos 6 anos de idade. Isso sugere que, até essa idade, a autopercepção de gênero ainda pode estar em formação.
Em contraste, crianças que realizaram a transição social após os 6 anos mantiveram majoritariamente sua identidade trans.
Fatores que influenciam a persistência da identidade de gênero
Entre os fatores que podem explicar essas diferenças, destacam-se:
- O grau de convicção com que a criança vivencia sua identidade: aquelas que de fato mostravam maior grau de sofrimento e perseverância com sua identidade dificilmente mudaram isso posteriormente.
- O nível de apoio recebido da família e da comunidade: acolhimento familiar, o respeito à expressão de gênero e o apoio do ambiente podem desempenhar um papel fundamental nesse processo.
No estudo mais recente, inclusive, as crianças trans participantes haviam realizado uma transição social binária completa — incluindo mudança de nome, uso de pronomes afirmativos e apoio familiar estruturado —, o que pode ter contribuído para a estabilidade de suas identidades.
A importância do acolhimento durante o desenvolvimento infantil
Mesmo entre crianças que, com o tempo, passaram a se identificar como cisgênero, muitas relataram que os interesses e comportamentos de gênero considerados atípicos não desapareceram completamente.
Em diversos casos, esses jovens mais tarde se reconhecem como cisgênero e também como bissexuais ou homossexuais — o que reforça a importância de acolher com empatia e respeito todas as formas de expressão e identidade de gênero ao longo do desenvolvimento infantil.
O que é a Disforia de gênero?
Disforia de gênero é o nome dado ao sofrimento psicológico significativo vivido por algumas pessoas transgênero ou não binárias, decorrente da incongruência entre seu sexo atribuído ao nascimento e sua identidade de gênero.
Essa angústia pode afetar diversos aspectos da vida da pessoa, como autoestima, saúde mental, relacionamentos e bem-estar social.
É importante destacar que ser transgênero não é uma doença. Isso já é amplamente reconhecido pela comunidade científica internacional. Em 2013, a Associação Americana de Psiquiatria (APA) retirou o termo “Transtorno de Identidade de Gênero” do DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), substituindo-o por “Disforia de Gênero”, justamente para diferenciar a identidade trans do sofrimento que pode, ou não, acompanhá-la.
Ou seja:
🔹 A identidade trans em si não precisa de tratamento.
🔹 O sofrimento causado pela disforia, sim, pode e deve ser tratado — com respeito, empatia e cuidado especializado.
Nem toda pessoa trans tem disforia de gênero
É fundamental entender que nem todas as pessoas transgênero apresentam disforia de gênero. Muitas vivem bem com sua identidade, principalmente quando recebem apoio social e familiar adequado.
Entretanto, estudos mostram que a disforia pode ser comum em algumas populações trans, especialmente quando há forte desconexão entre o corpo e a identidade sentida. Um estudo populacional da UNESP revelou que:
- Cerca de 85% dos homens trans relataram sofrimento relacionado a características corporais associadas ao gênero.
- Aproximadamente 50% das mulheres trans também expressaram sofrimento semelhante (3).
Como identificar a Disforia de Gênero na infância
As crianças são tipicamente diagnosticadas com disforia de gênero se tiverem experimentado sofrimento significativo por pelo menos seis meses. Elas devem preencher pelo menos seis dos seguintes critérios (4):
- Forte desejo de ser do outro gênero ou uma insistência de que eles são do outro gênero.
- Forte preferência por usar roupas típicas do sexo oposto.
- Forte preferência por papéis de gênero cruzado em jogos de faz de conta ou jogos de fantasia.
- Forte preferência por brinquedos, jogos ou atividades estereotipicamente usadas ou praticadas pelo outro gênero.
- Forte preferência por colegas do outro gênero.
- Forte rejeição por brinquedos, jogos e atividades típicas de seu gênero atribuído.
- Forte antipatia por sua anatomia sexual.
- Forte desejo pelas características sexuais físicas que combinam com o gênero experimentado.
Como identificar a Disforia de Gênero em Adolescentes e Adultos
A Disforia de Gênero no adulto é caracterizada como uma marcada incongruência entre o gênero experimentado/expresso de alguém e o gênero atribuído, com pelo menos seis meses de duração, manifestada por dois ou mais dos seguintes itens (5):
- Uma incongruência marcante entre o gênero experimentado/expresso de alguém e as características sexuais primárias e/ou secundárias (ou em adolescentes jovens, as características sexuais secundárias antecipadas).
- Um forte desejo de se livrar de suas características sexuais primárias e/ou secundárias por causa de uma incongruência marcante com o gênero experimentado/expresso (ou em adolescentes jovens, um desejo de impedir o desenvolvimento das características sexuais secundárias antecipadas).
- Um forte desejo pelas características sexuais primárias e/ou secundárias do outro gênero.
- Um forte desejo de ser do outro gênero (ou algum gênero alternativo diferente do gênero designado).
- Um forte desejo de ser tratado como o outro gênero (ou algum gênero alternativo diferente do gênero designado).
- Uma forte convicção de que alguém tem os sentimentos e reações típicos do outro gênero (ou algum gênero alternativo diferente do gênero designado).
- A condição está associada a sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social, ocupacional ou em outras áreas importantes do funcionamento.
Tratamento da disforia de gênero
Quando a disforia de gênero está presente, existem diferentes abordagens terapêuticas que podem ajudar a aliviar — ou até eliminar — o sofrimento. Entre elas:
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Acompanhamento psicológico especializado, com foco em afirmação da identidade de gênero e fortalecimento emocional;
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Terapias hormonais, que ajudam o corpo a se alinhar com a identidade de gênero sentida;
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Intervenções sociais, como a adoção de um novo nome, pronome ou estilo de vida;
-
Cirurgias afirmativas, quando desejadas e indicadas.
Cada pessoa é única, e as decisões sobre tratamento devem respeitar a vontade, o ritmo e a autonomia do indivíduo, sempre com suporte profissional qualificado.\
A transição de gênero é um processo pessoal e gradual. Cada pessoa trans percorre essa jornada de maneira própria — não existe uma única forma “certa” de transicionar. Para algumas, apenas a transição social já traz bem-estar; para outras, a transição física e médica é essencial.
Transição social de gênero
A transição social é, na maioria das vezes, o primeiro passo. Ela não envolve procedimentos médicos e tem como objetivo alinhar a vivência cotidiana da pessoa com sua identidade de gênero.
Sair do armário
“Sair do armário” é o ato de compartilhar sua identidade de gênero com outras pessoas. Isso pode ser feito de forma íntima — para amigos, família ou colegas — ou de forma mais pública.
O apoio psicológico pode ser essencial para ajudar a pessoa (ou a família) a refletir sobre o melhor momento e forma de fazê-lo com segurança.
Mudanças na aparência
Muitas pessoas trans iniciam essa fase com ajustes simples na aparência:
- Mudança no corte de cabelo;
- Adaptação no estilo de roupas;
- Uso de maquiagem ou acessórios (como binders ou enchimentos);
- Mudança na postura, linguagem corporal e expressão de gênero.
Essas escolhas ajudam a pessoa a se sentir mais confortável e autêntica em sua vivência diária.
Mudança de nome e gênero em documentos
Desde 2018, pessoas trans no Brasil podem alterar seu nome e gênero em documentos oficiais diretamente no cartório, sem precisar de decisão judicial ou cirurgia de redesignação sexual.
De acordo com o Provimento nº 73/2018 do CNJ, a retificação de registro pode ser feita por:
- Maiores de 18 anos: sem necessidade de autorização ou representação;
- Menores de idade: com autorização dos pais ou responsáveis.
É possível alterar o prenome, os agnomes indicativos de gênero (como “Júnior”, “Filho”, “Neto”) e o marcador de gênero em certidões de nascimento e casamento (com autorização do cônjuge, se for o caso).
Participação em ambientes sociais e esportivos
Algumas pessoas trans encontram acolhimento e pertencimento em atividades esportivas, artísticas e sociais onde sua identidade é respeitada:
- Mulheres trans podem participar de aulas de ballet, onde geralmente são bem-vindas e valorizadas;
- Existem times e clubes esportivos LGBTQIA+, que promovem inclusão e segurança para atletas trans;
- Espaços culturais e artísticos também costumam ser mais receptivos, como o teatro e a dança.
Esses espaços permitem que a pessoa viva sua identidade com liberdade, sem medo de discriminação ou exclusão.
Uso de banheiros de acordo com a identidade de gênero
No Brasil, pessoas trans têm o direito garantido de utilizar banheiros públicos conforme o gênero com o qual se identificam.
A Portaria PGT nº 1.036, de 1º de dezembro de 2015, proíbe expressamente qualquer forma de constrangimento ou discriminação nesse contexto. Também é vedada a imposição de banheiros “exclusivos” para pessoas LGBTQIA+, pois considera-se que isso configura segregação e fere os princípios de dignidade e igualdade.
Bloqueadores da puberdade
Os bloqueadores de puberdade são medicamentos utilizados no cuidado de jovens transgêneros com o objetivo de adiar o desenvolvimento dos caracteres sexuais durante a puberdade.
O bloqueio se justifica porque, durante a puberdade, tratamentos como a terapia hormonal ou a cirurgia ainda não são legalmente permitidas.
Diferentemente da terapia hormonal, os efeitos dos bloqueadores de puberdade são completamente reversíveis. Caso a pessoa decida, em algum momento, não prosseguir com a transição, o uso do medicamento pode ser interrompido, e a puberdade seguirá seu curso natural, sem prejuízos físicos ou cognitivos conhecidos.
Os bloqueadores da puberdade só são administrados após o início da puberdade, mais especificamente quando a criança atinge o estágio 2 ou 3 de Tanner — um sistema que classifica os estágios do desenvolvimento puberal.
Esse critério existe porque, nesse ponto, a criança ou adolescente começa a vivenciar mudanças físicas relacionadas à puberdade. Com essas experiências iniciais, torna-se mais evidente se os sentimentos de disforia de gênero persistem ou não, auxiliando na tomada de decisões mais informadas e seguras.
Terapia hormonal para transgêneros
A terapia hormonal para transgêneros faz parte do processo de afirmação para muitas pessoas transgênero. Ela envolve o uso de hormônios sexuais para promover alterações corporais que alinhem a aparência física com o gênero com o qual se identifica.
- Homens trans utilizam testosterona exógena para induzir características corporais típicas da masculinidade, como engrossamento da voz, crescimento de pelos faciais e corporais, além da redistribuição de gordura corporal. A testosterona também ajuda a suprimir características feminilizantes, como a menstruação.
- Mulheres trans fazem uso de estrogênio exógeno, que contribui para o desenvolvimento de características femininas, como aumento dos seios e suavização da pele. Além disso, são utilizados antiandrógenos como adjuvantes para suprimir os efeitos dos hormônios masculinos.
Apesar dos potenciais benefícios, é importante estar ciente de possíveis efeitos colaterais indesejados. A terapia hormonal pode impactar a saúde óssea e saúde cardiovascular, especialmente em tratamentos de longo prazo. Também tem efeitos na saúde mental e na saúde sexual, entre outros problemas. Por isso, o acompanhamento médico especializado é fundamental para garantir a segurança e o equilíbrio hormonal adequado.
Mudanças nas diretrizes sobre o início do tratamento hormonal
Anteriormente, diretrizes médicas exigiam que pacientes trans passassem por um chamado “teste de vida real” antes de iniciar a terapia hormonal. Isso significava viver em tempo integral com o gênero autoafirmado por, no mínimo, 12 meses, antes de receber a prescrição hormonal.
Hoje, no entanto, as principais organizações internacionais — como a World Professional Association for Transgender Health (WPATH) e a Endocrine Society — não recomendam mais essa exigência (7, 8).
A razão para a mudança é que a exigência do “teste de vida real” pode ser contraproducente. Transicionar socialmente sem alterações físicas visíveis pode ser extremamente desafiador e aumentar o risco de estigmatização, violência ou sofrimento psicológico.
As diretrizes atuais recomendam que, quando houver desejo da pessoa e indicação clínica, a transição social e hormonal possa ocorrer de forma conjunta, respeitando o tempo e as necessidades individuais de cada paciente.
Cirurgia para mudança de sexo
A cirurgia de afirmação de gênero — também conhecida como “cirurgia de redesignação sexual” — é uma das possíveis etapas do processo de transição. Esses procedimentos têm como objetivo alinhar características corporais com a identidade de gênero da pessoa trans.
A cirurgia é uma escolha individual
É importante destacar que nem todas as pessoas trans desejam ou precisam realizar cirurgias como parte de sua transição. Para algumas, mudanças sociais e/ou hormonais já são suficientes para promover bem-estar e alívio da disforia de gênero.
Para outros, a cirurgia representa um marco fundamental no processo de autoafirmação. Quando realizada com indicação e apoio adequados, ela pode oferecer benefícios significativos para o bem-estar emocional, autoestima, funcionalidade sexual e qualidade de vida.
Estudos indicam que a realização de cirurgias varia bastante:
- Cerca de 54% dos homens trans optam por algum tipo de cirurgia de afirmação de gênero.
- Entre mulheres trans, esse número gira em torno de 28% (9).
Esses dados reforçam que a experiência trans é diversa e que cada pessoa deve ser respeitada em suas escolhas sobre o próprio corpo e identidade.
Cirurgia exige avaliação criteriosa e acompanhamento
Por se tratar de um procedimento irreversível, a cirurgia de afirmação de gênero requer cuidados especiais. É essencial que a pessoa interessada passe por uma avaliação psicológica ou psiquiátrica com profissionais experientes no cuidado de pessoas trans e no tratamento da disforia de gênero.
Além disso, o procedimento deve ser planejado e acompanhado por uma equipe multidisciplinar, incluindo profissionais da saúde mental, endocrinologia, urologia, ginecologia e cirurgia plástica, dependendo do tipo de cirurgia a ser realizada.
Critérios para indicação da cirurgia
Os critérios podem variar conforme o tipo de cirurgia:
- Para cirurgias genitais, geralmente é necessário um acompanhamento por pelo menos dois anos com uma equipe especializada, além da concordância dos profissionais envolvidos.
- Já para cirurgias mamárias (mastectomia ou implantes mamários), costuma-se exigir um acompanhamento de, no mínimo, um ano.
Esses critérios têm o objetivo de garantir que a decisão seja tomada de forma consciente, segura e alinhada com o bem-estar da pessoa.
Com qual idade é possível fazer a transição de gênero?
A transição de gênero é um processo que pode incluir diferentes etapas — social, hormonal e cirúrgica — e cada uma delas tem critérios específicos de idade e autorização, especialmente no contexto brasileiro.
Transição social: possível desde a infância
Durante a infância, é possível realizar a transição social, que envolve mudanças na forma como a pessoa se apresenta ao mundo, como o uso de nome social, pronomes, vestimenta e corte de cabelo.
No Brasil, qualquer pessoa — independentemente da idade — tem direito a utilizar o nome social em documentos oficiais. No caso de pessoas menores de 18 anos, é necessária a autorização dos responsáveis legais.
Bloqueadores hormonais: a partir do início da puberdade
Antes da adolescência, e quando os primeiros sinais da puberdade surgem (geralmente nos estágios Tanner 2 ou 3), pode-se iniciar o bloqueio hormonal da puberdade. Essa medida é reversível e visa oferecer tempo para que a pessoa explore sua identidade de gênero com menos sofrimento relacionado às mudanças corporais indesejadas.
No Brasil, esse tipo de tratamento ainda está restrito a centros universitários e serviços especializados, o que pode limitar o acesso.
Caso a pessoa desista da transição, o bloqueio pode ser interrompido, e o desenvolvimento puberal retorna ao padrão esperado do sexo atribuído ao nascimento, sem efeitos permanentes.
Transição hormonal cruzada: a partir dos 16 anos
A terapia hormonal cruzada — com testosterona ou estrogênio — só é permitida a partir dos 16 anos no Brasil. Nessa idade, é necessário ter o consentimento dos responsáveis e o acompanhamento por profissionais da saúde.
Diferentemente dos bloqueadores, o tratamento hormonal leva a mudanças corporais permanentes, como desenvolvimento mamário ou engrossamento da voz, sendo uma decisão que deve ser tomada com muito cuidado e acompanhamento médico especializado.
Cirurgia de afirmação de gênero: permitida a partir dos 18 anos
A cirurgia de afirmação de gênero só é autorizada a partir dos 18 anos, e apenas após pelo menos dois anos de acompanhamento por uma equipe multidisciplinar, que deve incluir profissionais da saúde mental, endocrinologia e cirurgia.
Essa exigência busca garantir que a pessoa esteja plenamente informada, segura e acolhida em sua decisão.