Homofobia internalizada: o preconceito do homossexual contra si mesmo
Homofobia internalizada: o preconceito do homossexual contra si mesmo
A homofobia internalizada pode ser uma consequência do contexto social e dos estigmas criados em torno da figura do homossexual. Trata-se de uma questão que gera sofrimento, estresse e angústia, por isso, necessita de acompanhamento psicológico e de mudanças de crenças para restabelecer a qualidade de vida do sujeito.
No decorrer deste texto, apresentamos algumas informações pertinentes sobre o assunto. Confira lendo-o até o fim.
O que é a homofobia internalizada?
Em linhas gerais, podemos dizer que a homofobia internalizada nada mais é do que uma espécie de preconceito contra si mesmo. Isto é, o homossexual, ciente dos seus desejos sexuais, pode reprimi-los crendo que tais vontades são “ruins” e “defeituosas”.
Além disso, a homofobia internalizada pode fazer com que o sujeito apresente ódio aos gays e demonstre uma postura preconceituosa com relação à homossexualidade.
Sendo assim, trata-se de um conjunto de crenças cognitivas que fazem com que o indivíduo enxergue que a homossexualidade é um defeito, um problema e algo vergonhoso, embora não seja.
Vale ressaltar que essa homofobia pode aparecer tanto em gays assumidos, quanto naqueles que ainda “estão no armário”. Afinal, mesmo que o indivíduo tome a decisão de “colocar para fora” os seus desejos homossexuais, ele ainda pode se ver como uma pessoa ruim, “estragada” e “defeituosa” por sentir atração por indivíduos do mesmo sexo.
Sem dúvidas, é um quadro complexo que pode desencadear uma série de efeitos na saúde do sujeito. Inclusive, há situações nas quais o homossexual usa uma verdadeira “máscara social” para tentar esconder a sua sexualidade. É o caso de indivíduos que fingem que são heterossexuais, até mesmo mantendo relacionamentos dessa forma, mas, possui comportamentos homossexuais de forma “escondida”.
Como saber se tenho homofobia internalizada? Quais os sinais do autopreconceito?
Muitas vezes, a homofobia internalizada acontece e o indivíduo, na prática, nem se dá conta disso.
Por isso, tanto o homossexual quanto as pessoas à sua volta podem avaliar alguns sinais e sintomas de que essa homofobia está instaurada. A seguir, listamos alguns pontos que podem ser observados:
1. Baixa autoestima e sentimento de desvalia
De maneira geral, um indivíduo que possui homofobia internalizada pode apresentar sentimentos relacionados à baixa autoestima e a um sentimento de desvalia.
Ele acredita que não é bom o suficiente e pode, ainda, usar termos como “defeituoso”, “estragado”, “ruim”, “decepcionante”, entre outros, para falar de si mesmo.
É como se ele acreditasse que o fato de ser gay diminuísse qualquer atributo que possa possuir. Sendo assim, costuma ser um sinal claro de que o sujeito pode estar construindo uma visão deturpada da homossexualidade.
2. Construção de máscara social
Em muitos casos, o indivíduo pode criar a máscara social que mencionamos anteriormente. Isto é, ele pode ter comportamentos heterossexuais em público e, inclusive, pode se casar e construir uma família com base na heterossexualidade para tentar “esconder” os seus desejos.
No entanto, na vida privada pode ter comportamentos homossexuais, com amantes ou não. Assim, tenta sanar os seus desejos sem que outras pessoas fiquem sabendo – exceto o amante, claro.
3. Sentimento de insatisfação relacionado à sexualidade
O sentimento de insatisfação relacionado à própria sexualidade também pode aparecer. O indivíduo pode se sentir triste, irritado e insatisfeito com o fato de não ser heterossexual. Pode usar frases como “queria ser heterossexual”, “se eu fosse heterossexual seria melhor”, entre outras, para designar a sua insatisfação com os seus desejos intrínsecos.
4. Cobranças excessivas
Pelo fato de ter problemas com a autoaceitação e com a autoestima, o homossexual com homofobia internalizada pode apresentar um comportamento de cobranças excessivas.
Ao se ver como uma pessoa “com problemas” e “defeituosa”, pode tentar, a todo custo, atingir resultados perfeitos em tudo o que faz. Ou seja, pode desencadear comportamentos perfeccionistas, que impactam na qualidade de vida, na saúde mental e no bem-estar do sujeito.
Inclusive, mesmo quando os resultados são extremamente elevados, ele pode, ainda, imaginar que poderia ter sido melhor. Logo, a insatisfação e a baixa autoestima podem continuar operando.
5. Visão estigmatizada da homossexualidade
A visão estigmatizada da homossexualidade também pode ser um dos sinais da homofobia internalizada. Isto é, o indivíduo gay pode associar a homossexualidade a uma postura estereotipada, de pessoas “escandalosas”, que não têm limites e que têm trejeitos extremamente extravagantes.
Dito de outra forma, mesmo que o gay saiba que ele mesmo não tem essas características, ainda assim pode ter reações exageradas quando está perto de quem sabe que ele é assumido, por crer que a homossexualidade é carregada por esses estigmas que a sociedade tenta implantar.
6. Tentativas de mudar a própria orientação sexual
Sem dúvidas, esse é um dos sinais mais intensos de homofobia internalizada. A pessoa tenta, de diversas formas, mudar a própria orientação sexual. Ela pode buscar na religiosidade, em simpatias, em atitudes que “forçam a barra” – como ficar com um heterossexual para “testar” e tentar gostar -, entre outras situações.
Mesmo que os resultados dessas práticas sejam infrutíferas, ainda assim há uma insistência nesse tipo de tentativa e, inclusive, o gay pode dizer que realmente se “curou” – embora, no seu lado mais íntimo, isso seja uma inverdade, uma vez que a homossexualidade não é uma doença e não pode ser mudada ou “curada”.
7. Práticas sexuais inseguras e/ou veladas
Por conta do medo de trazer à tona as suas práticas sexuais, um indivíduo com homofobia internalizada pode ter comportamentos de risco.
É o caso de buscar parceiros desconhecidos para sanar os desejos sexuais, sem se dar conta de que pode estar se expondo a doenças ou a indivíduos de má índole.
Embora esse também seja um sinal do problema, é mais difícil de ser detectado pelas pessoas que estão em volta do sujeito. Nesse caso, possivelmente apenas o indivíduo poderá refletir sobre os seus comportamentos sexuais.
Por que a homofobia internalizada ocorre?
Embora não exista apenas uma causa para a homofobia internalizada, podemos pensar em alguns cenários que podem contribuir para esse tipo de problema. A seguir, descrevemos alguns pontos de reflexão para que você possa pensar conosco sobre o assunto. Sigamos.
1. Pressão religiosa
Não é de hoje que ouvimos discursos homofóbicos relacionados à religiosidade de algumas pessoas. Sendo assim, indivíduos que crescem em famílias muito religiosas podem ter dificuldades para aceitar a sua própria orientação sexual.
Realmente acreditam que são “defeituosos” ou que a homossexualidade é uma obra do “diabo”. Logo, podem enxergar a si mesmo como alguém indigno da graça do deus que acredita, o que gera sofrimento e, em muitos casos, a homofobia internalizada.
2. Estigmas relacionadas à figura do homossexual
A sociedade, de maneira geral, costuma reforçar o estigma relacionado à figura do homossexual. De acordo com Antunes (2016), os homossexuais são, normalmente, considerados pessoas transtornadas, imaturas, carentes, dramáticas, fúteis, vaidosas, imorais, perversas, entre outras características.
Sendo assim, um indivíduo que cresce em um contexto social que fortalece essa ideia, pode se sentir extremamente reprimido com relação aos próprios desejos, uma vez que começa a acreditar que todas as estigmas são verdadeiras – e não uma projeção errônea da sociedade.
3. Visão de que as minorias são “ruins”
Ter uma visão de que as minorias são ruins e indignas também pode ocasionar a homofobia internalizada. Afinal, o sujeito, ao se ver como uma minoria ou um “desvio do padrão”, pode compreender que está errado, pouco adaptado e inadequado para a sociedade.
Logo, pode começar a apresentar comportamentos de preconceito consigo mesmo.
4. Preconceito vivido no contexto social (bullying, discriminação)
Durante o desenvolvimento humano, muitas etapas são vividas em contextos sociais diversos. O apoio ou a discriminação que vamos recebendo nesses contextos podem impactar a forma como nos enxergamos na vida adulta.
Por exemplo, se um adolescente, que pode ser visto como “mais afeminado” pelo grupo no qual está inserido, sofre bullying por conta das suas características que remetem à homossexualidade, do ponto de vista alheio, certamente essas questões vivenciadas nesta fase poderão fortalecer a homofobia internalizada.
Ao mesmo tempo, adultos que sofrem constantemente com a discriminação social também podem desenvolver uma visão deturpada de si mesmo, crendo que realmente é uma pessoa ruim e que não está encaixada na sociedade.
5. Tentativa de “blindar” a própria identidade
Por fim, também podemos pensar na homofobia internalizada como uma forma de tentar “blindar” a própria identidade.
Como o sujeito pode ter um conhecimento aprofundado acerca da discriminação que os gays sofrem em sociedade, ele pode tentar esconder, a todo custo, a sua orientação, como medida para proteger a sua integridade física.
No entanto, infelizmente essa postura pode gerar impactos na saúde mental, o que significa que embora ele possa estar tentando esconder que é gay para se “salvar” do preconceito, o estresse e a pressão emocional podem minar o bem-estar nesse caso.
Sendo assim, a busca pela ajuda profissional é extremamente relevante para evitar o agravamento de questões emocionais neste cenário.
Como lidar com a homofobia internalizada?
Apesar de não haver uma fórmula mágica para lidar com a homofobia internalizada, existem algumas ações e tomadas de decisão que podem contribuir para uma melhora emocional nesses casos.
Sabemos que o processo exige paciência e tempo, especialmente em casos nos quais a pessoa não tomou a decisão de “sair do armário”.
Se antes ela demonstrava um comportamento de ódio aos gays e, agora, sente-se instigada a colocar para fora os próprios desejos, pode sentir vergonha de ter ofendido a classe enquanto, no seu lado mais íntimo, fazia parte dela.
Porém, nunca é tarde para aceitar a si mesmo e para mudar as perspectivas sobre a vida. Nós temos o direito de mudar e de aprender com os nossos erros, para buscarmos mudanças significativas para nós e que aumentem a nossa qualidade de vida.
A seguir, destacamos alguns pontos que podem contribuir nesse caso. Acompanhe-nos.
1. Buscar ajuda psicológica
Primeiramente, é relevante pensarmos na possibilidade de buscar ajuda psicológica para enfrentar os desafios da homofobia internalizada.
Durante a terapia, será possível quebrar as crenças que têm relação com os estigmas sobre a sexualidade do indivíduo. Além disso, é viável encontrar formas de aumentar a autoestima e fortalecer a autoconfiança frente à situação vivida.
Tudo isso enquanto o processo de autoconhecimento também pode acontecer, sempre com o acompanhamento de um profissional qualificado e pronto para ouvir, acolher, orientar, questionar e proporcionar insights.
2. Afastar-se de relacionamentos tóxicos
Muitos relacionamentos podem estar minando a forma como o homossexual enxerga a si mesmo. Infelizmente existem pessoas que ainda têm comportamentos homofóbicos, que dificultam a autoaceitação dos indivíduos.
Se você está vivenciando relacionamentos desse tipo, não tenha medo de afastar-se deles. É um direito seu preservar a sua saúde mental, portanto, afastar-se daqueles que fazem mal a você é uma atitude genuína e que pode ajudar na hora de lidar com a homofobia internalizada.
Se você preferir um afastamento gradual, tudo bem! Apenas não se sinta forçado a permanecer perto daqueles que não aceitam quem você realmente é.
3. Priorizar o seu bem-estar e a sua qualidade de vida
Você é a pessoa mais importante da sua vida. Então, por que não se priorizar? Colocar-se em primeiro lugar é uma forma de cuidar da sua saúde e da sua qualidade de vida, lidando de uma forma mais equilibrada com a homofobia internalizada.
Você poderá perceber que não existe nada de errado em você e, pelo contrário, existem muitos atributos que o tornam uma pessoa especial.
Além disso, colocar-se em primeiro lugar é indispensável quando pensamos na prática de autocuidado e autoaceitação, que relacionam-se à autoestima.
4. Praticar o autoconhecimento e fortalecer a autoestima
Você realmente conhece quem você é? Sabe quais são as suas verdadeiras características? Pense um pouco sobre isso.
Possivelmente existem atributos e qualidades adormecidos dentro de você, que a prática de autoconhecimento pode ajudá-lo a descobrir.
Assim, é possível fortalecer a sua autoconfiança e a sua autoestima, aceitando quem você é e percebendo as suas qualidades e forças – que devem ser inúmeras.
Por isso, comece a se questionar mais: quem eu sou? Quais as minhas habilidades? O que eu realmente gosto de fazer? O que me ajuda a ir adiante? Quais são as minhas maiores qualidades? O que as pessoas elogiam em mim? Será que eu mostro tudo o que pode ser elogiado?
Essas e outras questões, sem dúvidas, podem nos ajudar a pensar nos pontos positivos que possuímos, trazendo à tona as nossas verdadeiras qualidades e mostrando o quanto somos especiais para nós mesmos – e para aqueles que nos amam.
5. Manter uma vida social próxima de pessoas positivas
Além de se afastar das pessoas que têm comportamentos tóxicos com relação à sua orientação sexual, procure se aproximar daquelas que têm atitudes positivas e que não são homofóbicas.
Cercar-se de pessoas que aceitam quem realmente somos é uma forma de lutar contra a homofobia internalizada. Afinal, você terá a chance de perceber que existem pessoas que realmente amam você, e que não estão ali para tentar mudar quem você é.
Foque nesses relacionamentos e estreite os laços com as pessoas que você ama e que existe reciprocidade.
6. Compreender que orientação sexual não é transtorno
Lembre-se sempre de que, segundo a ciência e milhares de estudos psicológicos e médicos, a homossexualidade não é um transtorno, um defeito ou um problema. É, simplesmente, algo normal que faz parte da vida dos seres humanos.
Assim como uma pessoa nasce e é heterossexual, uma pessoa nasce e é homossexual. Simples assim.
Quebrar o estigma de que a homossexualidade é uma doença ou problema é muito importante para construir uma nova visão sobre a sua própria orientação sexual.
7. Mudanças de conceitos relacionados à homossexualidade
Assim como é importante compreender que a homossexualidade não é um transtorno e tampouco uma doença, também é imprescindível mudar os conceitos relacionados à homossexualidade.
Sabe aqueles estigmas deturpados de que os gays são escandalosos ou desequilibrados, por exemplo? Então… Eles são mentira. Sim, pode haver indivíduos que se caracterizem dessa forma, mas isso não quer dizer que todo homossexual será igual.
Refletir sobre todos os estigmas que temos acerca da homossexualidade, pensando de forma racional e quebrando esses preconceitos enraizados em nós, é muito importante para lidar com a homofobia internalizada.
E lembre-se: além dessas medidas que citamos, buscar ajuda psicológica e, em casos de depressão e ansiedade, psiquiátrica é muito importante. A sua vida e a sua saúde mental merecem esse investimento.
Referências
ALVES, Raquel Ávila Kepler et al . Alterando crenças centrais: um relato de caso de homofobia internalizada. Rev. bras.ter. cogn., Rio de Janeiro , v. 13, n. 1, p. 12-19, jun. 2017 . Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-56872017000100004&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 07 dez. 2022. http://dx.doi.org/10.5935/1808-5687.20170004.
ANTUNES, Pedro Paulo Sammarco et al. Homofobia internalizada: o preconceito do homossexual contra si mesmo. 2016.