Hemorragia pós-parto
O que é a Hemorragia pós-parto?
A hemorragia pós-parto é definida pela perda sanguínea ≥500 mL após parto vaginal ou ≥1000 mL após cesariana, ou qualquer sangramento que cause instabilidade hemodinâmica.
Ela é classificada como primária, quando ocorre nas primeiras 24 horas pós-parto (mais comum) ou secundária, quando ocorre entre 24 horas e até 12 semanas após o parto.
Embora na maior parte das vezes a hemorragia se resolva com o tratamento adequado, essa é a principal causa de morte materna no mundo, que pode acontecer por conta de complicações como o choque hemorrágico e coagulação intravascular disseminada (CIVD).
Quais as causas da Hemorragia pós-parto?
A Hemorragia pós parto pode ter diferentes causas, que podem ter maior ou menor gravidade.
Entre as causas primárias de hemorragia, nas quais a perda acontece nas primeiras 24h pós parto, a causa mais comum é a Atonia Uterina (contração insuficiente da musculatura uterina). Outras causas relativamente comuns são os traumas intra-parto e a retenção de restos placentários ou da membrana. Embora pouco comum, os distúrbios de coagulação são bastante preocupantes, podendo levara a hemorragias graves e de difícil controle.
As causas secundárias de hemorragia que ocorre após 24 horas e em até 12 semanas após o parto, são menos comum que a hemorragia primária, mas pode ter impacto clínico significativo. Entre as principais causas de hemorragia secundária, incluem-se:
- Retenção de restos ovulares ou placentários;
- Subinvolução do leito placentário;
- Infecção puerperal (endometrite);
- Transtornos de coagulação;
- Trauma de canal de parto não diagnosticado ou não cicatrizado;
- Placenta Acreta Focal (residual);
- Uso de contraceptivos hormonais precoces.
Mostramos na tabela abaixo as principais causas de hemorragia pós-parto primárias ou secundárias.
Tipo | Causa | Incidência aproximada | Método de diagnóstico | Tratamento |
Primária (≤24h após o parto) | Atonia uterina | ~70–80% das hemorragias primárias | Avaliação clínica: útero amolecido, aumento do sangramento vaginal | Massagem uterina, ocitocina EV/IM, misoprostol, ergometrina, balão de tamponamento, cirurgia (se refratária) |
Lacerações de canal de parto (cérvix, vagina, períneo) | 10–20% | Inspeção detalhada do canal de parto após o nascimento | Sutura imediata, hemostasia cirúrgica | |
Retenção de placenta ou fragmentos | 5–10% | Avaliação clínica, inspeção da placenta, USG pélvico se dúvida | Revisão uterina manual, curetagem, antibióticos profiláticos | |
Inversão uterina | Rara (<0,1%) | Inspeção física (útero não palpável, massa no colo ou fora da vagina) | Reposição manual imediata, ocitocina após reposição, correção cirúrgica se necessário | |
Coagulopatias (pré-existentes ou adquiridas) | <1% | Hemograma, coagulograma, histórico clínico | Correção da coagulopatia, reposição de hemoderivados, suporte hemodinâmico | |
Secundária (>24h até 12 semanas pós-parto) | Infecção uterina (endometrite) | 2–5% | Febre, dor uterina, loquiação fétida, USG para exclusão de retenção | Antibióticos de amplo espectro, controle do sangramento |
Retenção de restos ovulares/placentários | 1–3% | USG pélvico com doppler (imagem ecogênica intrauterina) | Curetagem ou aspiração uterina, antibióticos se infecção associada | |
Subinvolução uterina | Incidência exata desconhecida | Útero maior que o esperado, loquiação prolongada | Uterotônicos (ocitocina, ergometrina), tratamento de infecção associada | |
Coagulopatias tardias (ex. doença de Von Willebrand, anticoagulação) | Rara | História de sangramento, exames de coagulação | Correção da coagulopatia, reversão de anticoagulação se indicada |
Avaliação e tratamento inicial
Frente a uma Hemorragia pós-parto, o primeiro passo é avaliar os sinais vitais da mãe (incluindo frequência cardíaca, frequência respiratória), a monitorização hemodinâmica (pressão Arterial, saturação de oxigênio, débito urinário) e a avaliação do nível de consciência.
O exame físico e os exames laboratoriais ajudam tanto a identificar a causa como a estimar o volume perdido, o que será fundamental para o planejamento terapêutico.
O exame físico deve incluir a palpação uterina, inspeção do canal de parto e a verificação da placenta.
Já os exames laboratoriais devem incluir o hemograma, coagulograma, fibrinogênio e provas cruzadas para transfusão.
No caso de instabilidade hemodinâmica, no entanto, o tratamento com reposição volêmica com cristaloides ou com transfusão sanguínea deve ser iniciado
de imediato, antes mesmo do resultado dos exames.
A partir da identificação da causa, tratamentos adicionais serão indicados.
Atonia uterina (mais comum)
70% a 80% dos casos de Hemorragia pós-parto estão associados à Atonia Uterina, ou seja, a um útero que não se contrai adequadamente após o parto. A contração da musculatura uterina leva normalmente a uma compressão mecânica dos vasos sanguíneos, evitando com isso o sangramento. Quando o útero não se contrai adequadamente, os vasos sanguíneos ficam abertos favorecendo a hemorragia.
A Atonia uterina é mais comum em casos de sobredistensão uterina, por conta de condições como gestação múltipla, polidrâmnio ou macrossomia. Pode também estar associado a trabalho de parto prolongado ou muito rápido ou uso excessivo de ocitocina.
O tratamento da Atonia Uterina deve envolver massagem uterina bimanual imediata, combinado com o uso de medicamentos que aumentam o tônus uterino. Entre esses medicamentos, incluem-se:
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- Ocitocina IV contínua.
- Metilergometrina (contraindicada em hipertensas).
- Carboprost trometamina (contraindicada em asmáticas).
- Misoprostol (via retal ou sublingual).
Quando isso não for suficiente, podem ser usadas técnicas mecânicas para a contenção do sangramento, como o balão de tamponamento intrauterino (Bakri) ou a compressão uterina (sutura de B-Lynch), que podem ser seguidas pela ligadura de artérias uterinas ou hipogástricas. Em casos de excessão, a histerectomia poderá ser considerada.
Trauma
Lesões traumáticas intra-parto são responsáveis por 10% a 20% dos casos de Hemorragia pós-parto. Isso inclui lacerações cervicais, vaginais ou perineais, rotura uterina ou Inversão uterina.
Toda mulher com sangramento pós-parto deve ser submetida a uma revisão no canal de parto para a identificação de eventuais lesões traumáticas que exigirão tratamentos específicos para cada situação.
Retenção de tecidos
Em aproximadamente 10% dos casos, a hemorragia pode acontecer por conta da eliminação de restos placentários ou membranas que ficaram retidas no útero após o nascimento do bebê.
Isso poderá ser identificado a partir de uma revisão uterina manual. Em alguns casos, poderá ser indicada a curetagem para remoção de restos placentários.
Distúrbios de coagulação
Embora responsável por apenas 1% dos casos de Hemorragia pós-parto, os distúrbios de coagulação geram grande preocupação. Entre eles, incluem-se a coagulação intravascular disseminada (CIVD) e os distúrbios plaquetários e dos fatores de coagulação.
As causas para esses distúrbios podem variar, desde condições hereditárias como doença de von Willebrand até complicações obstétricas como síndrome HELLP ou descolamento prematuro da placenta.
O tratamento desses casos envolve duas frentes: a reposição volêmica, feito da mesma forma que nas demais causas de hemorragia, e o tratamento da condição específica.
Dependendo do tipo de distúrbio de coagulação, isso pode envolver o uso de antifibrinolíticos, como o ácido tranexâmico, reposição de fatores de coagulação específicos, transfusão de plaquetas ou de fibrinogênio, entre outras possibilidades.
Subinvolução uterina
A subinvolução uterina é uma condição em que o útero não retorna ao seu tamanho e tônus normais após o parto no tempo esperado.
Geralmente, espera-se que, nas primeiras duas semanas pós-parto, o útero já tenha reduzido significativamente de volume, tornando-se um órgão predominantemente pélvico, e por volta de seis semanas esteja próximo ao tamanho pré-gestacional.
Na subinvolução, essa regressão é lenta ou incompleta, podendo causar sangramento uterino anormal.
Entre as possíveis causas para subinvolução uterina, incluem-se:
- Retenção de restos placentários ou membranas – fragmentos impedem a contração adequada.
- Infecção uterina (endometrite) – inflamação reduz o tônus uterino.
- Miomas uterinos
- Amamentação inadequada (redução do estímulo de ocitocina endógena).
O Tratamento envolve o manejo da hemorragia combinado com a identificação e remoção da causa subjacente, o que pode envolver, curetagem, aspiração uterina ou uso de antibióticos. Além disso, são usadas medicações que aumentam o tônus uterino, como a ocitocina, ergometrina ou misoprostol.