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Gestação Múltipla

Especificidades da Gestação Múltipla

A gestação múltipla ocorre quando dois ou mais fetos se desenvolvem simultaneamente no útero. Embora represente uma pequena parcela das gestações, esse tipo de gravidez requer atenção redobrada devido aos riscos envolvidos tanto para a mãe quanto para os bebês.

A incidência de gestações múltiplas varia de acordo com fatores genéticos, etnia, idade materna e uso de técnicas de reprodução assistida. Estima-se que:

  • Gestação gemelar (dois fetos) ocorre em cerca de 1 a cada 80 gestações espontâneas.
  • Gestações com três ou mais fetos são mais raras e geralmente associadas a fertilização in vitro (FIV) ou uso de indutores de ovulação.

Com o avanço das técnicas de reprodução assistida, houve um aumento nas taxas de gestação múltipla, embora protocolos atuais busquem reduzir a transferência de múltiplos embriões.

Gêmeos idênticos X gêmeos fraternos

Gêmeos idênticos são frutos de gestações monozigóticas, nas quais um único óvulo é fecundado por um único espermatozoide, formando um zigoto.

Esse zigoto, por razões ainda não totalmente compreendidas, se divide em dois embriões idênticos, gerando gêmeos com o mesmo material genético.

Os bebês são do mesmo sexo e apresentam aparência física muito semelhante. Têm também o mesmo grupo sanguíneo e DNA quase idêntico.

Estas gestações representam aproximadamente 3 a 5 casos a cada 1000 nascimentos e acontecem de forma espontânea, sem relação com hereditariedade ou fertilização assistida.

Gêmeos fraternos, por outro lado, são frutos de gestações gemelares dizigóticas.  Elas acontecem quando dois óvulos diferentes são liberados pela mulher e cada um é fecundado por um espermatozoide distinto.

Essas gestações resultam em dois embriões geneticamente distintos, como irmãos comuns que apenas compartilham o útero.

Gêmeos fraternos estão associados a até 20 em cada 1.000 gestações, sendo mais comum em mulheres com antecedentes familiares de gêmeos fraternos, naquelas em uso de indutores de ovulação ou tratamento de fertilização ou com idade acima de 35 anos. Sào também mais comuns em determinados grupos étnicos.

Os bebês podem ser do mesmo sexo ou de sexos diferentes. A diferença genética comparável à de irmãos comuns, não gemelares. A placenta e as bolsas são sempre separadas (dicoriônicas, diamniótica).

Mostramos na tabel abaixo as principais diferenças entre gestações moozigóticas e gestações dizigóticas.

Característica Monozigótica (idênticos) Dizigótica (fraternos)
Origem 1 óvulo + 1 espermatozoide 2 óvulos + 2 espermatozoides
Genética Idêntica Diferente (como irmãos)
Sexo dos bebês Sempre o mesmo Pode ser diferente
Placenta e bolsa Pode ser compartilhada Sempre separadas
Frequência 3–5 por 1.000 nascimentos Varia muito (até 20 por 1.000)
Fatores influentes Aleatório Idade materna, hereditariedade, FIV

 

Corionicidade e Amnionicidade

A corionicidade (número de placentas) e a amnionicidade (número de bolsas amnióticas) são mais importantes do ponto de vista ginecológico / obstétrico do que a zigoticidade, já que são essas característics que  determinam os riscos gestacionais.

Gestações dizigóticas são sempre dicoriônicas (cada feto se desenvolve em uma placenta) e  diamnióticas (cada foto se desenvolve em uma bolsa amniótica).

Nas gestações monozigóticas, tanto a placenta como as bolsas amnióticas podem ser compartilhadas ou separadas, sendo essas característica determinada pelo momento em que ocorre a divisão do embrião. Mostramos isso na tabela abaixo.

Tipo de Gestação Gemelar Momento da divisão do embrião Placenta (Corion) Bolsa (Âmnio) Frequência entre gêmeos mono Riscos principais
Dicoriônica Diamniótica Até o 3º dia pós-fertilização 2 placentas 2 bolsas ~25% Menor risco
Monocoriônica Diamniótica 4º–8º dia 1 placenta 2 bolsas ~70% STFF, TAPS, sIUGR
Monocoriônica Monoamniótica 8º–13º dia 1 placenta 1 bolsa <2% Enovelamento de cordão, alto risco fetal
Gêmeos Siameses Após o 13º dia 1 placenta 1 bolsa Raríssimo Compartilhamento de órgãos

Riscos para a Mãe

A gestação múltipla impõe maior sobrecarga ao organismo materno, aumentando o risco de diversas condições de saúde materna. As complicações da gestante são as mesmas do que no caso de um único embrião, mas tendem a ser mais frequente e mais graves.

Mostramos na tabela abaixo um comparativo na incidência de diferentes condições maternas, em gestantes univitelinas ou gemelar.

Condição Materna Gestação Univitelina Gestação Gemelar
Hipertensão gestacional / Pré-eclâmpsia 5–8% 13–20%
Diabetes gestacional 3–7% 8–12%
Anemia 15–25% 30–50%
Hemorragia pós-parto (sobredistensão uterina) 5–10% 15–25%
Desconforto físico aumentado Comum Muito comum / Intenso

Riscos para os Fetos

Os riscos para os bebês também são significativamente maiores do que em gestações únicas.

Na tabela abaixo, mostramos a incidência de diferentes tipos de complicações fetais nas gestações univitelinas ou gemelares.

Condição Fetal Gestação Univitelina Gestação Gemelar
Prematuridade (<37 semanas) ~10% 50–60%
Baixo peso ao nascer (<2.500g) ~10% 50–70%
Restrição de crescimento intrauterino 5–10% 15–25%
Malformações congênitas 2–3% 4–6%
Morte fetal intrauterina <1% 2–4%

Além de uma maior incidência das condições listadas acima, existem também complicações que ocorrem exclusivamente em gestações múltiplas, conforme mostrado abaixo.

Condição Tipo de Gestação Gemelar Incidência Estimada
Síndrome da Transfusão Feto-Fetal Monocoriônica 10–15%
Morte Fetal de um Gêmeo com Riscos ao Sobrevivente Monocoriônica 5–10% após STFF ou outras causas
Restrição de Crescimento Seletiva Monocoriônica 10–25%
Cordão umbilical entrelaçado Monocoriônica monoamniótica ~70%
Parto discordante (>20% diferença de peso) Qualquer gemelaridade 15–25%

 

Síndrome da Transfusão Feto-Fetal (STFF)

A STFF é uma condição na qual há transferência desbalanceada de sangue entre os dois fetos que compartilham a mesma placenta (monocoriônica), por meio de anastomoses vasculares (conexões entre os vasos sanguíneos fetais).

Essas anastomoses são unidirecionais, de forma que um feto atua como doador, perdendo sangue, enquanto o outro atua como receptor, recebendo sangue em excesso. Isso leva a um desequilíbrio hemodinâmico com risco grave para ambos os fetos.

A STFF Ocorre em 10 a 15% das gestações monocoriônicas diamnióticas. Embora possa acontecer em qualquer momento da gestação, ela é mais comum entre as semanas 16 e 26 da gestação.

O diagnóstico é feito por meio do ultrassom obstétrico e a primeira linha de tratamento é por meio da ablação por laser das anastomoses placentárias. A sobrevida de pelo menos um feto com esse tratamento é de aproximadamente 85%. A sobrevida de ambos os fetos é de cerca de 60–70%.

Nos casos muito graves e assimétricos, com risco para ambos os fetos, pode ser optado pela Interrupção seletiva da gestação.

Morte fetal de um gêmeo

A morte fetal de um gêmeo é uma complicação grave que pode ter repercussões significativas tanto para o feto sobrevivente quanto para a mãe, especialmente em gestações gemelares monocoriônicas, onde os fetos compartilham a mesma placenta.

Nas gestações monocoriônicas, existe uma comunicação vascular entre os fetos. Assim, a morte de um gêmeo pode causar colapso hemodinâmico no feto vivo, devido à rápida queda da pressão no gêmeo morto e ao desvio de sangue.

Os principais riscos, nesses casos, incluem:

  • Lesão neurológica grave (por isquemia ou hemorragia cerebral)
  • Anemia aguda
  • Morte intrauterina subsequente
  • Lesões de outros órgãos (rim, intestino, coração)

Em gestações dicoriônicas, as consequências para o feto sobrevivente são bem menores. O maior risco é a parto prematuro espontâneo, desencadeado por inflamação ou complicações maternas.

O tratamento depende do momento da gestação em que isso ocorre.

Quando a morte é diagnosticada no 2º ou 3º trimestre, realiza-se uma avaliação gestacional detalhada e monitoramento intensivo do feto sobrevivente, evitando-se intervenções precipitadas. A conduta expectante é comum, se o feto estiver estável.

Em casos de sofrimento fetal agudo, pode-se indicar parto de emergência. O momento do parto deve equilibrar os riscos da prematuridade com os riscos de deterioração intrauterina.

Nas gestações dicoriônicas, o prognóstico do feto sobrevivente costuma ser bom. Já nas gestações monocoriônicas, cerca de 25% a 40% dos sobreviventes podem ter lesões neurológicas, e até 15–20% podem evoluir para óbito fetal.

Restrição de Crescimento Intrauterino

A restrição de Crescimento Intrauterino (RCIU) é uma possível complicação de gestações gemelares na qual apenas um dos gêmeos apresenta restrição de crescimento intrauterino, enquanto o outro cresce normalmente. Ela ocorre exclusivamente em gestações monocoriônicas diamnióticas.

Ela está associada a uma distribuição desigual da placenta, na qual um dos fetos recebe uma porção menor e menos vascularizada da placenta. O feto com menor território placentário recebe uma menor oferta de nutrientes e oxigênio, com consequente restrição do crescimento.

A RCIU afeta cerca de 10–15% das gestações monocoriônicas, podendo ser diagnosticada a partir da 18ª semana de gestação. Ela pode ser classificada em trˆ4es tipos pelo ultrassom:

Tipo I: Fluxo umbilical diastólico presente e constante

Tipo II: Fluxo diastólico ausente ou reverso persistente

Tipo III: Fluxo diastólico intermitente ou reverso intermitente.

No tipo I, a gestante pode ser acompanhada com vigilância intensiva, com sobrevida superior a 90% para ambos os fetos e baixo risco neurológico.

Os tipos II e III são considerados de maior risco de morte fetal (principalmente do feto pequeno) e lesões cerebrais no feto maior, caso haja descompensação hemodinâmica.

Dependendo do caso, o tratamento pode envolver ablação das anastomoses placentárias, Interrupção seletiva da gestação ou parto prematuro programado.

Cuidados Específicos na Gestação Múltipla

Dada a complexidade, a gestação múltipla exige um acompanhamento mais frequente e especializado:

  • Pré-natal de alto risco: deve ser iniciado precocemente, com mais consultas e exames.
  • Ultrassonografias seriados: para avaliar crescimento fetal, líquido amniótico e possíveis complicações.
  • Avaliação da corionicidade e amnionicidade no primeiro trimestre: essencial para o planejamento da vigilância gestacional.
  • Suplementação nutricional diferenciada: maior necessidade de ferro, ácido fólico, cálcio e proteínas.
  • Orientações sobre sinais de parto prematuro.
  • Planejamento do parto: normalmente ocorre entre 37 semanas (gêmeos) e 34-35 semanas (trigêmeos), com preferência pelo parto hospitalar em centro com UTI neonatal.