Futebol na infância e na adolescência
Aspectos Médicos do futebol na Infância e na Adolescência
O futebol é um dos esportes mais praticados durante a infância e a adolescência no mundo e especialmente no Brasil.
Quando feito de forma recreativa, é uma excelente atividade para o desenvolvimento físico, mental e social.
Uma parcela considerável dessas crianças, no entanto, atua no futebol com objetivos voltados para o desempenho esportivo, dos quais uma parcela menor atua com foco no alto rendimento. Nestes casos, há um risco crescente de lesões por sobrecarga articular.
O futebol competitivo na infância precisa considerar também aspectos peculiares dessa faixa etária em relação a aspectos nutricionais e à saúde mental do atleta.
O treino, mesmo no alto rendimento, precisa ser adaptado a depender da faixa etária.
Rotina de treinos
Um dos principais erros no treinamento do jovem talento esportivo é a tentativa de transpor para essas crianças ou adolescentes aquilo que se faz com o futebol adulto e especialmente ao futebol profissional.
O Conselho de Medicina Esportiva e Fitness da Academia Americana de Pediatria (AAPCSMF) publicou diretrizes de como evitar lesões por uso excessivo ou o burnout em todos os esportes juvenis.
Ela recomenda limitar uma atividade esportiva específica (no caso, o futebol) a um máximo de 5 dias por semana com pelo menos 1 dia de folga após qualquer atividade física organizada. Além disso, as crianças devem ter pelo menos 2 a 3 meses de folga dos treinos organizados de futebol ao longo de um ano (1).
Ainda que o objetivo final possa ser a profissionalização e o altíssimo rendimento, é preciso entender que a criança ainda não está pronta. Enquanto as equipes profissionais concentram a maior parte do esforço nas partes físicas e táticas, crianças e adolescentes precisam de mais tempo no desenvolvimento técnico.
A tática e o físico são introduzidos de forma gradativa de acordo com a faixa etária. Aqui mais uma vez os treinos também precisam ser adaptados para as necessidades específicas da idade.
Outra diferença é que o foco no início é mais em treino e menos em competição. Com o avanço da idade, o foco de ir mudando de forma gradativa mais para a competição e menos no treino.
O foco excessivo na competição, sem uma base sólida para isso, pode levar a um sucesso momentâneo que não será mantido no longo prazo. O fenômeno do “bom jovem, mau velho” tem como uma de suas causas principais justamente o foco excessivo na competição e no resultado em uma idade ainda precoce.
Estudiosos do Canadá desenvolveram um programa bem estruturado que visa guiar o treinamento esportivo durante a infância, denominado de “long Term Athletic Development” (desenvolvimento atlético no longo prazo), ou LTAD. Este programa é dividido em seis etapas:
- Iniciação ativa (0 a 6 anos)
- Fundamentos (6 a 8 anos)
- Aprender a treinar (9 a 12 anos)
- Treinamento (12 a 16 anos)
- Treinar para competir (15 aos 21 anos)
- Competir para vencer (a partir dos 18 anos)
Discutimos mais a respeito em um artigo sobre o Treinamento do Jovem Talento Esportivo.
Risco de lesões
O esqueleto ainda imaturo é mais frágil do que o osso adulto, o que aumenta o risco de lesões.
Algumas lesões acontecem especialmente durante a infância ou a puberdade, como as fraturas por avulsão e a osteocondrite de Osgood-Schlatter, uma condição muito comum no futebol infantil, caracterizada por dor na parte da frente do joelho, sobre a Tuberosidade da Tíbia.
Outra preocupação é com o risco de concussão, termo que se refere a uma perturbação temporária no funcionamento do cérebro, como resultado de um movimento repentino e anormal do mesmo.
No futebol, pode acontecer pelo trauma da cabeça contra um adversário ou mesmo contra a bola.
As crianças habitualmente apresentam técnica esportiva menos acurada, favorecendo a ocorrência desses traumas. Além disso, possuem musculatura cervical proporcionalmente mais fraca, implicando em um maior risco de concussão cerebral.
A concussão em crianças é preocupante devido ao risco de complicações neurológicas futuras e devido à maior vulnerabilidade das crianças a estas lesões.
O rápido desenvolvimento físico especialmente durante a puberdade faz com que os desequilíbrios físicos e funcionais sejam bastante comuns nessa fase da vida. O corpo cresce em tamanho, muda a composição corporal, desenvolve-se do ponto de vista neurológico e está sob ação de novos hormônios.
No futebol, o chute fica mais forte, os contatos físicos mais intensos, a velocidade aumenta.
Por outro lado, é comum que passe a cometer erros técnicos que não eram comuns até um ano antes. Isso acontece porque ele precisa “reaprender” a usar seu corpo. É como dar uma Ferrari nas mãos de um recém habilitado. O risco de acidentes e lesões é maior.
Aspectos nutricionais
aspectos nutricionais também precisam ser considerados com cuidado, especialmente quando o futebol é praticado ao ar livre em condições climáticas inapropriadas.
Comparado com adultos, a criança desidrata mais rapidamente e tem menor tolerância à desidratação, de forma que alguns cuidados específicos precisam ser adotados:
- Deve-se evitar o futebol nos dias de calor excessivo, especialmente nos horários mais quentes do dia;
- O tempo de jogo deve ser menor do que o de adultos (menor quanto mais jovem a criança);
- As crianças devem ser estimuladas a pararem frequentemente para se reidratar.
- Cuidados com as vestimentas ou mesmo o uso de bonés, além da proteção solar, devem ser enfatizados
Do ponto de vista nutricional, a puberdade é um período em que o corpo sofre grandes transformações, com o menino se transformando em um homem e a menina em uma mulher. Esse rápido desenvolvimento tem uma demanda energética elevada, que compete com uma demanda igualmente alta de energia por conta da prática esportiva. As deficiências nutricionais são mais comuns do que nos adultos, além de terem consequências ainda mais sérias em quem ainda está em uma fase de desenvolvimento físico.
Saúde mental
O futebol profissional é um sonho para muitas crianças e também para seus pais. Com isso, muitos acabam sofrendo uma pressão excessiva no sentido que caso não se dediquem 100% ao futebol, elas ficarão para trás.
O treinamento infantil não pode ser um treino resumido daquilo que se faz com adultos. A criança precisa de estímulos variados, inclusive com outras modalidades esportivas, para que possa desenvolver uma gama mais ampla de habilidades.
Quando o foco é voltado 100% ao futebol, o risco de lesões aumenta e o risco de burnout aumenta.
Burnout é um termo em língua inglesa que pode ser traduzido como “a chama que se apaga”. Se refere ao esgotamento físico e mental por conta desse foco excessivo.
Condições como transtornos de ansiedade e transtornos depressivos também podem se desenvolver ou ser potencializados devido à pressão excessiva e eventualmente à sensação de fracasso, pelo medo de não corresponder às expectativas de terceiros.
O excesso de dedicação paterna, em alguns casos, pode afastar algumas crianças do sucesso, ao invés de aproximá-las.