Diagnóstico de câncer e o medo da morte
Diagnóstico de câncer e o medo da morte
O diagnóstico de câncer e o medo da morte caminham lado a lado em muitas situações. Primeiro, porque vemos muita relação entre a morte e os casos de cânceres terminais, por exemplo. Segundo, porque o desconhecido, vivenciado diante de um diagnóstico, pode ocasionar esse tipo de temor.
Pensar nessa temática, portanto, é lançar um olhar mais atento às emoções e aos aspectos psicológicos do paciente oncológico. No decorrer deste texto, apresentamos informações que podem contribuir para reflexões nesse sentido. Acompanhe.
Aspectos envolvidos com o medo da morte
O medo da morte pode ser bastante amplo. Cada indivíduo pode experimentar esse medo à sua maneira. Há quem tema por conta da sua religiosidade, e quem tema por receio de não saber o que pode acontecer.
São muitos os medos, ideias e crenças por trás da morte. Cada pessoa, com sua história de vida, pode enxergá-la de uma maneira singular e única. Abaixo apresentamos 5 pontos de reflexão sobre isso:
1. Medo do desconhecido
A morte é algo desconhecido para qualquer ser humano. Embora existam crenças e ideias do que pode ocorrer no falecimento, ainda assim as pessoas temem esse desconhecido. Isto é, elas podem até criar um enredo para o que ocorre durante o processo de falecimento, mas como ainda não viveram tal situação, podem temer o desconhecido.
É muito comum o ser humano ter medo do desconhecido e da falta de controle. Praticamente, qualquer situação que provoque uma angústia por não sabermos o que pode acontecer, e por não haver ninguém que possa esclarecer com coesão, pode nos provocar esse tipo de medo.
No caso de dificuldades vividas em vida, ainda podemos receber o conselho e o direcionamento de pessoas que viveram algo parecido. Porém, no caso da morte, não temos contato com nosso amigo que faleceu para entender o seu ponto de vista sobre a passagem. Isso nos coloca diante de um desconhecido que assusta, causa repulsa, medo e angústia.
Porém, é importante ter em mente que esses sentimentos são comuns na natureza do ser humano. Pensar sob essa perspectiva pode ser uma fonte de início de alívio, afinal, esse medo faz parte do processo de existência humana.
2. Medo de sofrer antes de morrer
O medo do sofrimento também pode estar envolvido com o medo da morte. Um paciente com diagnóstico de câncer, neste caso, pode apresentar medo da dor e do sofrimento que o seu corpo e a sua mente atravessarão antes que a morte realmente aconteça.
Assim sendo, a angústia de vivenciar momentos dolorosos e difíceis de serem atravessados podem provocar uma aversão intensa à morte. Afinal, o que a pessoa sentirá? Em qual intensidade? Será possível sentir algum alívio antes de morrer? Ou a partida será sofrida?
Esses questionamentos tendem a tornar o processo assustador.
3. Medo do que acontece depois da morte
Independentemente da religiosidade do indivíduo, muitos podem temer a morte por conta do que pode vir a acontecer depois dela. É o caso de pessoas que acreditam em céu e inferno e temem que não sejam dignos do paraíso ao lado de Deus, por exemplo.
Do mesmo modo, pessoas que não acreditam em espíritos e religiosidade também podem experimentar o medo do que acontece depois da morte. Alguns podem temer mais intensamente, enquanto outros podem encontrar mecanismos que minimizem a angústia nessa situação.
4. Medo de deixar a família desamparada diante da sua morte
Em muitos casos, o medo da morte pode estar associado com a angústia de deixar a família desamparada ou de promover sofrimento emocional para as pessoas que ama.
O indivíduo, que se vê diante de um diagnóstico de câncer, pode sentir culpa por promover sofrimento à família. Esse medo pode ser ainda mais intenso caso a pessoa se sinta responsável pelo sustento familiar e, caso morra, a família poderá ficar desamparada financeiramente.
No entanto, é importante ter em mente que não existe uma culpa para a situação. Além disso, pensar em alternativas para reconstruir a vida financeira da família, gradativamente e respeitando o tempo de recuperação pós-diagnóstico, são ações que podem minimizar o medo da morte nesse sentido.
Obviamente, é possível que o medo perdure mesmo após a construção de alternativas para a família, afinal, ainda estamos falando de uma marca intensa no seio familiar. Contudo, a psicoterapia, que atende tanto o paciente, quanto os familiares, pode auxiliar na ressignificação dessa visão sobre a morte e a partida de uma pessoa importante no grupo familiar.
Embora a dor da perda realmente seja intensa e existente, ainda assim existem mecanismos que podem ajudar a colocar para fora os sentimentos que serão atravessados no luto.
Ter consciência dessas possibilidades pode aliviar o medo de morrer relacionado ao possível “desamparo” que a família possa atravessar.
5. Medo da morte prematura
Quando pensamos no diagnóstico de câncer e o medo da morte, não podemos deixar de citar o medo da morte prematura que pode ser vivido tanto pela família, quanto pelo paciente enfermo.
Nos casos de diagnósticos em idades precoces, o medo de morrer cedo pode se tornar algo intenso dentro do lar.
Nessas situações, as sensações de mudanças na rota da vida e a quebra da idealização de sonhos podem ser bastante dolorosas.
Contudo, é importante encontrar apoio emocional e psicológico para atravessar o luto do diagnóstico e pensar em alternativas de planos para o futuro.
Pode ser necessário encontrar novos sentidos e perspectivas diante do que está acontecendo, encontrando novos significados e caminhos para seguir, mesmo quando o caso é de câncer terminal ainda na juventude.
Afinal, a morte só chega quando a vida acaba, e ancorar a mente nisso pode servir de alicerce na hora de enxergar alternativas para o presente que ainda existe.
Isso porque, se pararmos para pensar na morte, perceberemos que todas as pessoas podem morrer, a qualquer momento. Por isso, a vivência do presente, respeitando as emoções e encontrando caminhos que tragam bem-estar e prazer de viver, mesmo que dentro de limites, é algo muito interessante.
Se focarmos na possibilidade de viver o aqui e agora, deixando de lado os possíveis “e se” que a nossa mente cria, talvez tenhamos uma trajetória mais saudável em vida. E isso vale tanto para pessoas enfermas, quanto para pessoas saudáveis.
O contato com a morte de outros pode impactar na visão do paciente
Muitas vezes, o diagnóstico de câncer e o medo da morte podem se relacionar com diversas situações de falecimento que já foram vivenciadas pelo paciente.
É o caso de ter perdido um ente querido para o câncer, e ter presenciado situações de sofrimento físico e mental bastante intensos.
O medo de repetir a situação e de experimentar a dor que foi vista no outro é algo que pode abalar o emocional do paciente.
Nesse caso, o ideal é conversar com a equipe médica para ter o máximo de informações possíveis sobre o prognóstico e sobre os métodos mais eficazes para evitar o agravamento da doença e o aparecimento de sintomas mais intensos.
Quanto mais informação é possível ter sobre o quadro clínico, maiores são as chances de entendê-lo de uma maneira clara.
Afinal, o medo da morte e do desconhecido não diz respeito apenas ao falecimento, mas sim, pode estar associado a tudo que será vivido até que o corpo dê o seu último suspiro.
Por isso, minimizar o desconhecido nessa situação, aprendendo mais sobre o quadro, entendendo quais medidas podem auxiliar na redução de dores e desconfortos, entre outras questões, podem ser ações que diminuam a angústia frente ao diagnóstico.
Munir-se de conhecimentos que agregam no dia a dia e que produzem mais tranquilidade e clareza sobre o que está acontecendo pode ser um caminho muito relevante. E isso vale tanto para a família, que pode aprender mais sobre o caso e oferecer um suporte mais alinhado às necessidades do paciente, quanto para o próprio enfermo, que poderá compreender melhor as reações do seu organismo e da sua mente, encontrando formas de lidar com sintomas, efeitos colaterais e afins.
Toda essa aprendizagem pode elevar a autoconfiança do indivíduo e a confiança da família, criando uma atmosfera que, tendencialmente, pode ser menos assustadora, reduzindo os pensamentos persistentes voltados à morte e ao desconhecido envolvido no escopo do diagnóstico de câncer.
O medo da morte está presente em todos os seres humanos
Outro ponto de extrema relevância que deve ser considerado é que, quando pensamos no diagnóstico de câncer e o medo da morte, não estamos pensando em um medo exclusivo.
Obviamente, os pacientes com câncer podem ter um contato mais próximo com informações e situações que remetem ao risco de morte, porém, é preciso ter consciência de que o medo da morte faz parte de todos os seres humanos.
Alguns podem temer mais profundamente, enquanto outros podem ter um medo mais brando. De todo modo, o medo dessa fragilidade, de perder a vida, faz parte do processo de lutar pela sobrevivência da espécie.
Sendo assim, o paciente oncológico não precisa ter vergonha ou angústia de sentir medo da morte. Mas sim, pode respeitar as próprias emoções, falando sobre elas e dando espaço para sentir e ressignificar os conceitos que possui sobre a morte.
Não existe um ser humano que não sinta nenhuma aversão à morte. Caso contrário, as pessoas não praticariam nenhum tipo de autocuidado, não é mesmo?
Portanto, respeite o fato de ter medo. Ele é muito comum a todo e qualquer ser humano. E no processo de diagnóstico do câncer, ele pode aparecer de uma forma mais frequente e intensa. Nessa situação, falar sobre isso, respeitar as emoções e dar tempo ao tempo, para elaborar o luto da “perda da saúde”, são ações que podem contribuir na hora de minimizar a angústia causada pelos pensamentos de medo da morte.
Diagnóstico de câncer e o medo da morte - como lidar com o medo da morte? Como ajudar alguém com medo da morte?
Sem dúvidas, o diagnóstico de câncer e o medo da morte caminham lado a lado, em muitos casos. A angústia do desconhecido, o medo de deixar a família desamparada, e outros medos que citamos no decorrer deste artigo, podem surgir.
Embora não existe uma fórmula mágica ou uma pílula que “remova” esse tipo de medo, ainda assim existem ações que podem contribuir para a criação de novas perspectivas sobre a morte.
Elencamos algumas delas abaixo, para que você reflita conosco e, quem sabe, encontre estratégias pertinentes para a sua vida ou a de seu familiar/amigo que está vivenciando o medo da morte?
1. Entender que o ser humano teme qualquer fragilidade
Compreender que o ser humano teme qualquer fragilidade pode reduzir o sentimento de culpa ao pensar sobre a morte.
Isto é, criar consciência de que todos os seres humanos temem a morte, afinal, ela impacta a sobrevivência da espécie, pode reduzir os pensamentos persistentes sobre a temática.
Afinal, é possível compreender a situação como algo normal e que acontece com todo mundo. Portanto, não há necessidade de encarar como algo que deve ser excluído de nossas vidas a todo custo.
Quanto ao auxílio de algum amigo ou familiar, ajudá-lo a compreender que o medo da morte é comum e que faz parte da vida humana pode auxiliar na hora de criar novas perspectivas sobre as sensações sentidas.
2. Ressignificação do conceito de morte
Falar e pensar sobre o conceito de morte também pode ser um caminho que auxilie na ressignificação do que é sentido.
Por exemplo, se a pessoa encara a morte como algo extremamente terrível e assustador, é possível conversar sobre o assunto para que possamos quebrar esse paradigma de que a morte é algo extremamente doloroso.
Podemos, assim, mostrar que a morte é mais um dos ciclos da vida, e que representa o fim de um ciclo importante, que deixa o seu legado e a sua história.
Minimizar a visão negativa sobre a morte, sem torná-la algo pouco importante, claro, são ações interessantes também.
Se a pessoa tem uma religião e confia que algo específico acontecerá depois da morte, é possível conversar sobre isso para que ela venha a se sentir mais segura.
3. Apoio emocional de familiares e amigos
O apoio emocional também é importante. Se você sente medo da morte diante do diagnóstico de câncer, não tenha medo de comunicar isso às pessoas que você confia. Afinal, colocar em palavras pode ser bem interessante.
Em contrapartida, se você está acompanhando uma pessoa com câncer, permita-a falar sobre o que sente, sobre os medos que têm, as angústias, e assim por diante. Dar apoio emocional é extremamente importante.
4. Falar e desabafar ajuda na elaboração dos temores
Colocar em palavras ou lágrimas as suas angústias e medos pode ser uma forma de gastá-los e elaborá-los.
Isto é, colocar em palavras aquilo que estamos sentindo pode, inclusive, nos ajudar a entender o que se passa em nossa mente.
Isso porque, às vezes, não conseguimos nomear as sensações de angústia e de medo, e quando começamos a nomeá-las, podemos pensar em soluções ou caminhos mais interessantes.
Por exemplo, se você tem medo do que pode acontecer com a sua família depois da morte, é possível conversar sobre planos e estratégias que a ampare antes que alguma coisa aconteça. Logo, ao nomear o medo da morte como medo de faltar algo à família, abre-se o caminho para encontrar soluções.
Caso você seja um familiar diante de uma pessoa com medo da morte, considere ajudá-la a colocar em palavras as causas desses medos e angústias. Nomear pode ser difícil, mas pode ser extremamente terapêutico e pode, ainda, ajudar a pessoa a organizar as suas questões internas.
5. Busca pelo apoio psicológico
A psicoterapia pode ser uma medida bastante interessante nos casos de diagnóstico de câncer e o medo da morte. Essa medida pode auxiliar tanto a família, quanto o paciente.
Ambos poderão praticar o autoconhecimento, lidar com o que sentem, poderão falar sem censura ou medo de ser julgado, e assim por diante.
O processo respeita o tempo e as emoções de cada um, dando voz, permitindo a construção de novos planos e a ressignificação diante do conceito de morte e do diagnóstico da doença.
6. Construção de uma rotina que priorize o bem-estar e qualidade de vida
Preparar uma rotina que seja capaz de elevar o bem-estar e a qualidade de vida também é um caminho interessante.
O paciente pode procurar elencar quais atividades costumam oferecer boas sensações e mais bem-estar, como atividades físicas, hobbies, etc.
Já a família, pode construir um lar acolhedor, confortável e que forneça uma estrutura que beneficie o paciente, deixando-o à vontade. Além disso, oferecer atividades que possam contribuir para um aumento do bem-estar e do relaxamento também é interessante.
Os hábitos saudáveis também devem ser mantidos, dentro das necessidades e limites de cada diagnóstico, obviamente.
Considere hábitos relacionados aos cuidados com o sono, com a alimentação, higiene, atividades físicas, leitura e aprendizagem, etc.
7. Pensamentos focados no aqui e agora
O diagnóstico de câncer e o medo da morte é uma realidade de muitas pessoas. Contudo, um modo de agir que pode ser relevante, diante das angústias vividas na repetição de pensamentos voltados à morte, é criar a consciência do aqui e agora.
Fazer um exercício mental para focar no que acontece no exato instante em que estamos é uma forma de minimizar a ansiedade e o medo do que pode acontecer no futuro.
Pensar na roupa vestida, na temperatura ambiente, nos cheiros e na atividade que está sendo feita neste exato momento pode contribuir para uma visão mais focada no presente, e menos focada na ideia do “e se…”.
Falar para si mesmo ou para a pessoa adoecida “pense no aqui e agora” pode tirar o foco mental do que pode vir a acontecer, e trazer um olhar mais atento para todas as características ambientais deste momento vivido no presente.
Esperamos que esse conteúdo possa ter contribuído. Mas lembre-se: é importante considerar o acompanhamento profissional de psicólogo e médico durante todo o tratamento do câncer.
Referências
VISENTIN, L. E. M. A angústia e o medo da morte após o diagnóstico de câncer: uma revisão da literatura. Universidade Estadual de Maringá / Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Disponível em: http://www.eaic.uem.br/eaic2019/anais/artigos/3183.pdf. Acesso em 25 out. 2022.
Morte e desenvolvimento humano / Maria Júlia Kovács coordenadora. – São Paulo: Casa do Psicólogo, 1992. Bibliografia. ISBN 85-85141-21-2.