Como sair do armário
Como sair do armário
Muitas pessoas se perguntam como “sair do armário” da melhor forma possível ou se existe alguma maneira de expressar a sua sexualidade sem sofrer com isso.
Porém, infelizmente, assim como a vida não possui um manual de instruções, nessa situação também não podemos contar com um passo a passo impecável e infalível.
Contudo, existem ações e medidas que podem contribuir nesse momento, visando proporcionar um momento mais tranquilo para o indivíduo.
Nesse sentido, desenvolvemos este conteúdo com uma série de apontamentos e reflexões. Acompanhe-nos e venha refletir conosco.
Conceito de sair do armário
Antes de qualquer coisa, é interessante refletirmos sobre o conceito de “sair do armário”. De maneira geral, associamos esse conceito com o ato de assumir a sua sexualidade para as outras pessoas.
Porém, esse ato de “assumir” não quer dizer que o indivíduo “sairá do armário” para todo mundo. Isto é, existem pessoas que assumem apenas para o seu círculo de amigos e familiares, enquanto outros deixam claro para a sociedade, de uma forma pública.
Cada indivíduo analisa o que pode ser melhor para a sua vida, e com a ajuda psicológica essa reflexão pode ocorrer de modo mais expressivo.
Além disso, é válido pensarmos que existem dois tipos de “saídas do armário”: a voluntária e a involuntária. A seguir, descrevemos cada uma delas. Continue lendo.
Saída involuntária
A saída involuntária consiste, basicamente, quando a pessoa é “expulsa do armário” por intermédio de quem está à sua volta. É o caso de um homem que possui “traços afeminados” ser julgado como gay e homossexual pela sociedade. As pessoas que estão por perto podem chamá-lo, de forma pejorativa, de “bicha”, “mulherzinha” e outros tipos de termos.
Embora o indivíduo possa negar a sua sexualidade durante um tempo, ainda assim a sociedade já o vê e o aponta como um homossexual. De certa forma, para as outras pessoas ele não está no armário, embora o indivíduo ainda não tenha declarado ser homo ou bissexual, por exemplo.
Saída voluntária
A saída voluntária, como o nome nos dá a entender, consiste no ato de o indivíduo, por livre e espontânea vontade, assumir a sua sexualidade, seja para as pessoas próximas, seja para toda a sociedade.
Esse processo não ocorre da noite para o dia e, muitas vezes, pode colocar o indivíduo diante de conflitos emocionais significativos. Por isso, sempre sugerimos que a busca por auxílio psicológico seja cogitada nesses casos.
Fatores envolvidos com a ação de sair do armário
São muitos os fatores que podem estar envolvidos com a ação de sair do armário ou não. Afinal, cada indivíduo está inserido em um contexto social, e esse contexto tem um poder significativo na construção da personalidade e dos pontos de vista da pessoa.
Isto é, o local em que ela vive e se desenvolve tem um papel importante nas percepções que ela constrói ao longo de sua vida.
Exemplificamos alguns fatores que podem ser observados quando pensamos no ato de sair do armário:
1. Estruturação familiar
A estruturação familiar pode impactar expressivamente no processo de sair do armário. Quando o indivíduo está vivendo em um ambiente familiar desestruturado e permeado por violência, por exemplo, ele pode ter mais dificuldade para expressar o seu eu real.
Em contrapartida, um ambiente amoroso, acolhedor e que promove o suporte adequado ao indivíduo tende a ser mais receptivo no momento em que o sujeito assume a sua sexualidade, o que pode encorajá-lo a tomar tal decisão.
2. Religiosidade
A religiosidade também tem um papel importante nessa história. Inevitavelmente, vemos muitas religiões apontando a homossexualidade como algo maligno e ruim, embora, saibamos, que para a ciência, não é.
Sendo assim, a religião que o indivíduo segue também é um fator determinante quando pensamos em como sair do armário.
3. Aspectos sociais
A sociedade, na qual o sujeito está inserido, impacta a forma como ele poderá encarar a sua própria sexualidade. Isso significa que se a sociedade aprova o comportamento homossexual, o indivíduo poderá se sentir mais encorajado na hora de se assumir.
Em contrapartida, se o local em que o indivíduo vive é bastante homofóbico, ele poderá apresentar mais resistência na hora de mostrar a sua real personalidade e sexualidade.
4. Aspectos culturais
A forma como a cultura encara a homossexualidade também impacta o ato de “sair do armário” de uma pessoa. Sendo assim, tudo isso pode ser colocado em pauta quando o sujeito pensa na possibilidade de tomar a decisão de se assumir ou não.
Dificuldades na hora de sair do armário
Além de pensarmos nos pontos que discutimos no decorrer do texto, vejamos quais são algumas das dificuldades vividas na hora de sair do armário. Acompanhe a seguir e reflita conosco.
1. Medo de ser invalidado
Infelizmente, não é de hoje que vemos a sexualidade das pessoas sendo invalidadas por indivíduos em diferentes contextos. É o caso de uma mulher se assumir homossexual e ouvir coisas como “ainda não encontrou o homem certo”, “como você sabe que não gosta de homem?”, “o que te faz acreditar que gosta de mulher?”, entre outros discursos.
Curiosamente, esse tipo de consideração e questionamento só vem à tona quando a pessoa foge da heteronormatividade. Isto é, se uma mulher simplesmente dizer que é hétero, todo mundo aceitará sem questionar “o que te faz acreditar que gosta de homem”, por exemplo.
Sendo assim, esse ato de ficar questionando e invalidando a sexualidade alheia, dando a entender que a pessoa não sabe sobre os próprios desejos, é uma dificuldade que impacta a autoestima, a qualidade de vida e o bem-estar do sujeito.
Afinal, ele é diminuído perante o outro, pois esse outro acredita saber mais sobre os desejos do homossexual do que ele próprio.
2. Medo de sofrer agressões
Sabemos que a nossa sociedade, de maneira geral, é bastante homofóbica. Por conta disso, não é incomum vermos manchetes de notícias que retratam a agressão e o ódio gratuitos aos gays.
Portanto, uma das dificuldades enfrentadas na hora de sair do armário é justamente esta: o medo de sofrer agressões pelo simples fato de ser quem é.
3. Anseio relacionado aos estigmas sociais
Infelizmente, vemos muitos estigmas sendo associados à personalidade das pessoas homossexuais. É muito comum ouvirmos pessoas proferindo discursos como “gay é escandaloso”, “gay é transtornado”, “gay é desequilibrado”, entre outros apontamentos que têm como objetivo criar um rótulo pejorativo para a pessoa com uma sexualidade que escapa da heteronormatividade.
Contudo, sabemos que isso é uma inverdade. Embora a sociedade tente pintar um perfil único e estereotipado para os gays, na realidade não é assim que funciona. Cada pessoa, seja ela gay ou hétero, possui os seus próprios traços de personalidade, de acordo com a sua singularidade, e não de acordo, apenas, com a sexualidade.
4. Homofobia internalizada
A homofobia internalizada também pode promover uma maior dificuldade na hora de sair do armário. Quando o sujeito tem preconceitos enraziados com relação à homossexualidade, mesmo sendo homossexual, ele poderá enfrentar ainda mais desafios no seu processo de autoconhecimento e de autoaceitação.
Essa homofobia internalizada pode estar relacionada à repressão vivida no decorrer da história do sujeito, à visão religiosa que ele possui, etc.
5. Medo de viver perdas significativas nas relações
Como vimos no decorrer deste conteúdo, é fato que ainda existe muito preconceito com relação à ausência da heteronormatividade na vida de algumas pessoas.
Isso quer dizer que o homossexual pode ter, no seu círculo de amigos e familiares, pessoas que são preconceituosas e homofóbicas.
Sendo assim, a dificuldade para sair do armário também pode aparecer quando o sujeito tem medo de perder pessoas importantes por conta da sua sexualidade.
Embora isso possa soar injusto, tendo em vista que é interessante termos, à nossa volta, pessoas que nos respeitam e nos amam como somos, ainda assim sabemos que não é fácil lidar com perdas de relacionamento quando há uma história significativa por trás.
6. Angústia frente à nova identidade
Apesar de o indivíduo já ter consciência de sua sexualidade há algum tempo, ainda assim ele pode ter vivido, durante muitos anos, usando uma verdadeira “máscara social”. Isto é, pode ter aderido a uma identidade que não diz respeito a ele mesmo, apenas para ser aceito na sociedade e minimizar as chances de sofrer preconceitos.
Porém, quando o sujeito resolve sair do armário, pode ser necessária a aquisição de uma nova identidade. Agora, ele poderá ser quem realmente é, mas isso não quer dizer que as mudanças na forma de se portar e de agir sejam fáceis. É tudo um processo, que pode levar um tempo de acordo com as características de cada pessoa.
7. Sentimento de culpa com relação à religiosidade
Como vimos anteriormente, alguns indivíduos podem enfrentar dificuldades para sair do armário ao se deparar com visões religiosas que demonizam a homossexualidade.
Assim sendo, o sentimento de culpa pode ser um verdadeiro desafio para a pessoa que, agora, pode viver uma espécie de “crise existencial”, sentindo-se em um beco para “escolher” entre a religião que sempre seguiu ou a realidade de sua sexualidade.
8. Opressão da heteronormatividade
Sabemos que a opressão de heteronormatividade é bastante intensa. A sociedade julga como correto e aceitável aquelas pessoas que possuem traços padrões. Ou seja, mulheres que têm um jeito feminino e homens que têm um jeito “másculo”. Tudo que escapa dessa situação pode ser considerado errado, diminuído, impuro e até imoral.
Assim sendo, embora existam políticas e ações que lutam contra a homofobia, a heteronormatividade ainda opera com muita força no cotidiano das pessoas, o que promove um desafio para o homossexual na hora de sair do armário.
Como sair do armário?
Sair do armário pode ser um grande desafio, que exige paciência, resiliência e inteligência emocional em muitos casos.
No entanto, isso não quer dizer que existam passos ou fatores “essenciais” para que a saída seja bem-sucedida. Afinal, acima de tudo, estamos falando de algo completamente subjetivo, que envolve muitos fatores emocionais, culturais e contextuais do sujeito.
Sendo assim, convidamos você para refletir conosco, com base nos pontos abaixo, mas sem tentar encará-los como um passo a passo infalível, ok? Respeite a sua singularidade na hora de avaliar o que realmente faz sentido para você. Vejamos:
1. Amadurecimento da autoaceitação
Em algumas situações, aceitar-se não é simples e tampouco fácil, nós sabemos disso. No entanto, se nós mesmos não aceitarmos quem somos e as nossas características intrínsecas, como poderemos esperar que as outras pessoas nos aceitem? Refletir sobre isso pode nos ajudar na hora de perceber que somos a pessoa mais importante de nossas vidas, que merece amor-próprio, consideração e aceitação.
Caso contrário, poderemos sofrer de forma dupla: com a dificuldade para aceitar a nós mesmos e com dificuldade para lidar com a falta de aceitação alheia.
Portanto, considere encarar a sua sexualidade como mais um traço seu, que é um ser único neste mundo. Não há ninguém como você. As suas características são únicas e merecem o seu respeito.
A sua sexualidade não é doença. Não é transtorno. E não é algo demoníaco. Ela é apenas uma característica natural do ser humano.
Contudo, não estamos dizendo que você deve aceitar a si mesmo da noite para o dia ou forçar a barra para que a autoaceitação ocorra. Mas, sim, estamos dizendo que é relevante você começar a amadurecer a ideia de que é uma pessoa saudável, íntegra e inteira, mesmo não estando dentro do que a sociedade quer que você seja – ela não tem o menor direito de ditar quem você deve ser ou deixar de ser, ok?
2. Análise dos prós e contras
Antes de sair do armário, é possível fazer uma reflexão dos prós e contras da situação, de acordo com os contextos nos quais você está inserido.
Isto é, avaliar os prós e contras de se assumir para os seus amigos é diferente dos prós e contras de se assumir para a família.
Coloque na ponta do lápis a liberdade, a possibilidade de ser quem você realmente é e a chance de ter ao seu lado pessoas que te apoiam, na lista de prós, por exemplo.
Essa reflexão pode ajudar a enxergar muitos caminhos positivos ao invés de focar apenas no que pode ser ruim na hora de sair do armário.
Claro que haverá desafios, mas ter a oportunidade de também enxergar o que pode ser bom é algo que instiga novas perspectivas. Experimente.
3. Priorização de si mesmo
Você é a pessoa mais importante da sua vida. É aquela que esteve sempre ao seu lado e que acompanhou cada passo que você deu ao longo da sua trajetória.
Isso quer dizer que o discurso dos outros é… dos outros. Você não tem a obrigação de aceitar o que os outros julgam como certo, mas, sim, deve priorizar o que faz bem a você.
Afinal, o fato de assumir a sua sexualidade não prejudica ninguém, enquanto o ato de não assumir pode ser uma questão que impacta negativamente a sua qualidade de vida.
Sendo assim, considere se colocar acima das ideias alheias que têm como objetivo ser preconceituosas e deturpadas. Foque no que realmente faz você feliz e coloque-se acima dessas situações negativas.
Inclusive, se você estiver próximo de pessoas negativas e que o diminuem por conta da sua sexualidade, sinta-se livre para se afastar. Não somos obrigados a permanecer em ambientes que não aceitam quem somos e que diminuem as nossas qualidades.
Por respeito a nós mesmos, podemos caminhar para outros locais, outras interações e construir outros laços sociais.
4. Autoconhecimento
Será que você realmente conhece a si mesmo? Às vezes, uma das dificuldades para sair do armário é a baixa autoestima, por acreditar ser uma pessoa ruim por conta da sexualidade.
Sendo assim, buscar o autoconhecimento pode ser uma forma de enxergar em si mesmo muitas qualidades que o tornam uma pessoa única.
Lembrando, ainda, que nós não somos perfeitos. Não existe um ser humano perfeito. Mas existem seres humanos com qualidades, atributos e pontos fortes que são capazes, inclusive, de mudar o mundo.
Partindo dessa ideia, considere analisar quais são os seus reais pontos fortes e foque neles. Deixe de lado a diminuição feita pelos discursos alheios e conheça o seu valor. Se você mergulhar em si mesmo e perceber todos os atributos que possui, poderá encontrar novas armas para enfrentar os insultos dos homofóbicos – e para ignorá-los.
5. Considere analisar para quem você irá falar
Você não tem a obrigação de esclarecer a sua sexualidade para todas as pessoas que conhece. Se existem pessoas com quem você não tem interesse de falar sobre o assunto, não se sinta obrigado a fazer isso.
Quem deve avaliar a situação é você. Quem realmente importa nessa história? Para quem você acredita que o ato de “se assumir” será realmente importante na sua vida? Será que todas as pessoas precisam saber de sua vida privada? Afinal, será que você sabe da vida privada dessas pessoas?
A escolha é sua: assumir a sexualidade publicamente, por exemplo, nas redes sociais, ou apenas conversar com quem você quer que saiba da situação.
6. Reserve um tempo tranquilo para conversar
Se você optar por contar para a sua família, considere conversar em um momento tranquilo. Isto é, evite momentos nos quais as pessoas não estão focadas em conversas difíceis, como em festas de Ano Novo e Natal. Mas, sim, considere reservar um momento para que todo mundo possa conversar com calma e sem interrupções.
Desse modo, você poderá ser escutado com mais clareza, além de ter a oportunidade de ouvir o que a família tem a dizer. Se preferir, converse reservadamente com cada pessoa, uma de cada vez, caso isso o faça se sentir mais seguro.
7. Cerque-se de pessoas que aceitam quem você é
Possivelmente você terá que lidar com pessoas homofóbicas que fazem parte do seu atual círculo social. Porém, isso não quer dizer que você deverá mantê-las na sua rotina cotidiana.
Você pode – e recomenda-se que faça isso – se cercar de pessoas que realmente aceitam quem você é. Quando permitimos que pessoas que nos amam permaneçam em nossas vidas, enquanto cortamos aquelas que podem ser tóxicas, tendencialmente criamos um contexto social mais saudável para nós mesmos.
E aqui vale um adendo: não é porque uma pessoa é da sua família que você deve mantê-la por perto, caso ela esteja fazendo mal a você. Família não é prisão. Embora ela seja importante, a família deve ser fonte de amor, carinho e cuidado, e não de julgamentos, preconceitos e violência.
Família é quem ama e aceita como é. Não quem tenta mudar o outro. Inclusive, existem muitas famílias que não são de sangue, mas são famílias. Pense nisso.
8. Dê um tempo para que os outros entendam a situação
Embora a família possa não ser homofóbica, ainda assim ela pode se deparar com um choque ao receber a notícia. Afinal, a visão que eles tinham de você poderia ser totalmente outra, o que exige um tempo para que assimilem o que aconteceu.
Isso não quer dizer que você deva aceitar ofensas e preconceitos, mas, sim, quer dizer que pode ser que a sua família ou os seus amigos precisem de um tempo para compreender tudo.
9. Busque ajuda psicológica
A ajuda psicológica pode ser uma grande aliada nessas situações. Durante a psicoterapia você poderá conversar sobre o que causa angústia e medo com relação ao ato de sair do armário. Além disso, a ajuda psicológica contribui para o autoconhecimento, fortalecimento da autoestima, desenvolvimento de relações saudáveis, e assim por diante.
Portanto, cogitar essa possibilidade é priorizar a própria saúde mental e promover uma atmosfera mais qualificada para atravessar essa nova vivência.
10. Esteja pronto para as angústias deste momento importante
Apesar de haver algumas considerações que podem ajudar na hora de sair do armário, isso não quer dizer que o momento será simples, leve e fácil. A angústia poderá aparecer, pois ela faz parte das decisões importantes de nossas vidas.
Sendo assim, prepare-se para viver sensações de angústia, dúvida e medo, que são bem comuns nessas situações. Não tente forçar a barra para apagar esses sentimentos e emoções, pois eles fazem parte do seu processo de elaborar a nova fase da sua vida.
Respeitar o que sentimos nessas horas pode nos ajudar a atravessar o momento com mais tranquilidade.
Esperamos que este conteúdo possa ter auxiliado de alguma forma. Que tudo dê certo para você!
Referências
MACHADO, Rosicléia; GONÇALVES, Josiane Peres. Homens casados que resolvem “sair do armário”: Conflitos vivenciados por homossexuais das classes sociais baixa, média e alta. Caderno Espaço Feminino, v. 31, n. 2, 2018.
SILVA, P. C. B. Narrativas de um gay sobre o processo de “saída do armário”. Porto Velho, 2017. 111 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia) – Fundação Universidade Federal de Rondônia, Porto Velho, 2017.