Como lidar com o câncer na família?
Como lidar com o câncer na família?
Sabemos que lidar com o câncer na família não é algo simples. A dor de ver uma pessoa querida em sofrimento pode resultar no abalo emocional de todos os membros de um determinado grupo familiar.
Por isso, conhecer as principais questões psicológicas e compreender algumas medidas que podem contribuir para esses casos são fatores bem interessantes. A seguir, apresentamos diversas informações nesse sentido, com o propósito de oferecer a você um apoio frente às dificuldades vividas nesse caso. Confira.
Aspectos psicológicos nos casos de câncer na família
Antes de pensarmos em como lidar com o câncer na família, talvez seja coerente refletirmos sobre as questões emocionais dos familiares frente ao diagnóstico de câncer.
Assim, torna-se possível começar a esclarecer algumas das principais angústias e dúvidas vividas nesta fase.
Afinal, não podemos nos esquecer de que receber o diagnóstico de câncer é, também, atravessar um luto. Um luto envolvido com a perda da saúde plena, que acreditava-se ter até então. Esse luto percorre as mesmas fases que um luto vivido no caso da morte de um ente querido. Por isso, respeitar as emoções e o tempo de assimilação é importante.
Além disso, conhecer os aspectos psicológicos da família também é um bom caminho. Isso porque, conhecer as nossas emoções, entendê-las, escutá-las e colocá-las para fora são formas de reorganizá-las dentro de nós, minimizando as possibilidades de ficarmos diante de sobrecargas emocionais.
Dito isso, vamos às considerações sobre as emoções e os aspectos psicológicos da família:
1. Reajuste da rotina
Sem dúvidas, o diagnóstico de câncer resulta em uma mudança significativa na rotina da família. Essas mudanças podem ser difíceis de assimilar, projetando medo, angústia, revolta e outros sentimentos equivalentes.
Antes, tinha-se uma dinâmica familiar bastante específica. Hoje, a sensação pode ser a de ter que reorganizar tudo o que vinha sendo feito, como se fosse necessário mudar a vida “da água para o vinho”.
De maneira geral e em qualquer contexto, as mudanças bruscas assustam, causam angústia e quebram com algumas harmonias – mesmo que depois nos levem a caminhos positivos. Isso quer dizer que durante o tratamento contra o câncer, o reajuste da rotina da família pode impactar o bem-estar mental do grupo.
2. Reorganização de planos e objetivos
Além de a rotina sofrer impactos, os planos de vida e objetivos podem ser interrompidos devido ao diagnóstico.
Se os indivíduos tinham planos traçados em conjunto, poderão se ver diante da necessidade de reajustamentos inesperados, que podem provocar revolta, tristeza, angústia, sentimento de impotência, etc.
Os novos planos de vida podem ser difíceis de serem elaborados no começo, o que é normal. Primeiro, o ideal é lidar com o que está acontecendo, reajustando as emoções frente às interrupções que o diagnóstico provocou. Depois de elaborar essa etapa, pensar nos planos para o futuro pode ser um caminho relevante.
Nesses casos, o acompanhamento de um psicólogo pode ser bem rico e interessante. Assim, a família poderá pensar nos planos sem negligenciar as suas emoções e aprendendo a lidar com elas.
3. Medo da morte e da perda
O medo da morte e da perda do ente querido também é bem presente no seio familiar. A angústia de saber como será o prognóstico, se a pessoa será curada ou não, entre outros questionamentos, pode surgir durante o processo de tratamento.
É muito comum esse medo fazer parte da família, e ter a possibilidade de expressá-lo, elaborando o que se sente e buscando mecanismos emocionais para enfrentar essas angústias, são caminhos relevantes.
Novamente, a psicoterapia pode servir de base nessas situações.
4. Preocupação constante e medo das mudanças
A preocupação constante também costuma fazer parte do cotidiano de quem precisa lidar com o câncer na família. E não é para menos.
Vemos notícias e informações sobre o câncer em diversas mídias sociais. Muitas delas podem ser bem negativas. Isso pode resultar em uma angústia frente ao diagnóstico, por temer as mudanças.
O medo do agravamento, do sofrimento, das mudanças no corpo e no emocional, das mudanças na rotina, entre tantas outras questões podem causar uma preocupação excessiva.
Inclusive, essa preocupação pode se tornar um caso de ansiedade, que exige acompanhamento profissional.
5. Angústia com relação à estrutura financeira
Infelizmente, um diagnóstico de câncer também pode abalar a estrutura financeira da família. Os gastos com internação, medicamento, tratamento e exames podem ser muito pesados para uma parcela dos familiares com parentes que têm câncer.
Além disso, quando o indivíduo enfermo é o que provinha o sustento da família, esse desequilíbrio financeiro tende a ficar ainda mais assustador.
Toda essa fragilidade financeira pode causar medo, tristeza, desamparo, angústia, ansiedade e estresse.
6. Dificuldade para acreditar no diagnóstico
Dentre os aspectos psicológicos da família, não podemos deixar de citar a descrença inicial no diagnóstico. Isso é muito comum e pode ser um resultado do processo de luto vivido pelos familiares. Afinal, diante do diagnóstico, a família pode descrer que aquilo é realidade. A negação, que é uma das fases comuns do luto, surge com força como uma forma de proteger a saúde mental que, diante do diagnóstico, ficou abalada.
Porém, à medida que o tempo passa e que é dado voz às emoções, estas começam a se organizar, permitindo que a família, pouco a pouco, aceite a situação e busque formas mais equilibradas de enfrentá-la.
7. Sentimento de injustiça, tristeza e raiva
Sem dúvidas, o diagnóstico de câncer pode ocasionar uma série de efeitos na saúde mental e emocional da família. Dentre eles, existe o sentimento de injustiça. Especialmente no caso de famílias religiosas, em algumas situações os familiares podem questionar a própria fé e o próprio deus no qual acreditam.
Isso se deve ao fato de que o sentimento de revolta e injustiça pode ser muito forte nesse momento, seguido por uma tristeza que acompanha a família no processo de assimilação de tudo o que está acontecendo.
Como lidar com o câncer na família?
O diagnóstico de câncer na família não é algo simples e nem fácil de assimilar. Mas sim, é uma situação que exige paciência, tempo e escuta das emoções.
O processo pode ser doloroso, difícil de lidar, mas também pode ser mais brando com algumas medidas que priorizem a qualidade de vida de todos os envolvidos.
Contudo, é importante termos em mente que cada família possui a sua própria história e a sua própria maneira de lidar com o que está acontecendo. Isso quer dizer que não existe uma única forma de lidar com as emoções e com esse diagnóstico no seio familiar. O que existem são medidas que podem contribuir para um maior equilíbrio emocional, mas sem serem usadas como ações infalíveis.
Cabe a família buscar apoio profissional e saber reconhecer os seus pontos de vulnerabilidade, buscando o suporte mais adequado para a própria dinâmica.
De todo modo, a seguir apresentamos algumas considerações pertinentes sobre essa temática:
1. Psicoterapia para a família
A psicoterapia pode ser uma peça-chave na hora de lidar com o câncer na família. Isso porque o psicoterapeuta é uma pessoa neutra dentro do contexto familiar, que poderá escutar, acolher e direcionar a família de acordo com os objetivos, limites e questões que ela possa possuir.
Além disso, a psicoterapia também pode acontecer de modo individual, na qual cada indivíduo irá a um psicólogo para falar das suas questões pessoais, medos, angústias, ansiedades e tudo o que possa estar abalando-o emocionalmente.
O processo terapêutico pode elevar a inteligência emocional, auxiliar na organização de planos e metas, estabelecer um ambiente de escuta das emoções, ajudar a lidar com as adversidades vividas, entre outros benefícios.
O psicólogo, que é preparado para escutar sem julgar e sem minimizar o problema trazido pelo paciente, poderá ajudar na desmistificação de algumas fantasias, bem como dará o apoio emocional para atravessar os momentos difíceis. Por isso, essa prática é muito recomendada nesses casos.
2. Conhecimento sobre o quadro clínico do paciente
Buscar conhecimentos sobre o quadro clínico do familiar também é algo interessante. Às vezes, criamos expectativas e fantasias em nossa mente, imaginando que o pior está acontecendo ou está prestes a acontecer.
Porém, quando “colocamos os pés no chão” e olhamos com mais clareza para as situações, aprendendo sobre elas, podemos reduzir esses pensamentos intrusivos que criam enredos catastróficos em nossa mente.
Por isso, buscar aprender mais sobre o caso, entender o prognóstico, encontrar formas de auxiliar o paciente e compreender pontos importantes sobre a enfermidade, são atitudes bem positivas. O conhecimento pode fazer toda a diferença nesses casos, evitando, inclusive, frustrações e surpresas inesperadas.
3. Cuidados com a sobrecarga de um cuidador
Outro ponto importante que deve ser considerado quando o assunto é lidar com o câncer na família, é o fato de que os familiares devem ter um olhar atento para com o cuidador.
Se uma pessoa é “eleita” a cuidadora do paciente, é preciso ficar atento para que ela não se sobrecarregue. Isso porque, se ela continuar praticando todas as atividades que praticava antes, mais as obrigações para com o paciente, como ficará a rotina dessa pessoa?
Da mesma forma, mesmo que ela abra mão de algumas atividades, se o foco for todo no paciente, é possível que ela acabe se anulando em prol do acompanhamento do outro.
Obviamente, não estamos dizendo para a pessoa abrir mão e deixar o paciente de lado. Mas sim, estamos falando de criar uma rotina equilibrada, contando com a ajuda de mais de um familiar, e não fazendo com que apenas uma pessoa venha arcar com tudo.
Afinal, esse excesso sobre um único indivíduo pode levá-lo à exaustão mental e física.
4. Planejamento financeiro
Sentar e pensar sobre as finanças também é um caminho que pode, pouco a pouco, contribuir para a redução da angústia frente ao tratamento.
Sabemos que nem sempre é fácil equilibrar as contas, e que grupos vulneráveis podem sentir esses impactos financeiros ainda mais profundamente.
Contudo, iniciar um planejamento, mesmo que mínimo, pode começar a criar uma luz no fim do túnel. Inclusive, buscar ajuda de familiares e amigos também pode ser um caminho. O importante é refletir sobre a vida financeira e tentar, pouco a pouco, ajeitá-la, com base em planejamentos feitos na ponta do lápis.
5. Planejamento da rotina
Assim como é importante começar um planejamento financeiro familiar, um planejamento para a rotina também se faz necessário.
Afinal, o diagnóstico de câncer pode resultar em uma série de mudanças no contexto familiar. A rotina de trabalho, estudo, cuidados com a casa, compras e de demais necessidades, pode sofrer impactos intensos.
Por isso, a família pode sentar e conversar sobre quais caminhos serão seguidos de agora em diante. É possível que alguns papéis se alterem dentro do seio familiar, e quem antes tinha a responsabilidade X, pode passar a ter a Y.
Esse planejamento, quando feito aos poucos e respeitando os limites de cada indivíduo, pode começar a oferecer uma atmosfera um pouco menos assustadora. Isso porque, pouco a pouco, a família pode criar a sensação de ter algo sob o seu controle novamente, criando uma dinâmica que minimize aquela sensação de que tudo está acontecendo de forma bagunçada e inesperada.
Embora não possamos prever tudo o que irá acontecer em seguida, ter uma rotina minimamente viável pode ser bem positivo.
6. Busca por hábitos e atividades saudáveis
Investir em hábitos saudáveis é uma das formas de lidar com o câncer na família com mais bem-estar e qualidade de vida.
Sabemos que, inicialmente, o abalo na família pode levá-la a uma negligência para com a própria saúde. Porém, esse tipo de postura não contribui para a construção de uma dinâmica familiar equilibrada.
Obviamente, deve-se respeitar o tempo de assimilação e luto com relação ao que foi descoberto. No entanto, à medida que o tempo passa e que as coisas podem começar a se ajeitar, é interessante implementar hábitos e medidas que sejam saudáveis para todos os membros da família.
Isso inclui cuidados com a alimentação, com o sono, com hobbies, entre outros. Além disso, as visitas de rotina feitas aos médicos da família também devem ser mantidas. Isto é, os cuidados com a saúde física e mental não devem ser ignorados.
7. Priorizar momentos de descanso e descontração para cada membro da família
Não podemos nos esquecer de que não somos uma máquina, mas sim, somos seres orgânicos e vivos. E como tais, temos limitações para o corpo e para a mente. Por isso, precisamos incluir em nossa rotina os momentos de descanso e descontração, para elevar o bem-estar e reduzir os níveis de estresse, por exemplo.
Portanto, o ideal é que haja uma divisão de tarefas que permita que cada membro da família possa sair, passear, se divertir, praticar algum hobby e, também, descansar, sem necessariamente ter a companhia de um amigo ou familiar.
Ou seja, é interessante promover momentos para que cada membro familiar possa usufruir da sua própria companhia, colocando em prática atividades que geram prazer.
Inclusive, o próprio paciente que luta contra o câncer tem o direito de viver momentos sozinho, com as suas atividades preferidas.
Ao cuidar da saúde mental dessa forma, poderemos lidar melhor com o que vem acontecendo, além de que aumentamos as chances de sermos um suporte emocional mais sadio para o paciente.
Cada família constrói a sua própria dinâmica
Lembre-se de que não existe uma receita infalível de como lidar com o câncer na família. Cada família possui uma história, uma forma de encarar a situação, uma fé, uma religiosidade, suas angústias e sonhos.
Respeitar essas limitações e buscar apoio profissional para encontrar medidas que se encaixem na harmonia que a sua família possui são medidas importantes, e que promovem o respeito pela história de vocês.
Lembre-se de que vocês não precisam enfrentar tudo sozinhos. Existem profissionais qualificados para este fim.
Cuidem-se!
Referências
VISONÁ, F.; PREVEDELLO, M.; SOUZA, E. N. de. Câncer na família: percepções de familiares. Revista de Enfermagem da UFSM, [S. l.], v. 2, n. 1, p. 145–155, 2012. DOI: 10.5902/217976923943. Disponível em: https://periodicos.ufsm.br/reufsm/article/view/3943. Acesso em: 27 out. 2022.