Aspectos psicológicos na lesão medular
Os aspectos psicológicos na lesão medular, apesar de serem singulares, ou seja, apesar de se diferenciarem entre um indivíduo e outro, ainda assim podem apresentar semelhanças em alguns casos.
Afinal, a lesão medular promove mudanças significativas no estilo de vida e na identidade do sujeito, independentemente de sua história de vida, ocasionando impactos em sua qualidade de vida e forma de lidar com as mais diversas situações cotidianas.
Seja em casos irreversíveis ou passíveis de reabilitação, a lesão na medula pode ocasionar uma série de efeitos na vida de qualquer pessoa. Por isso, pensar nos fatores psicológicos é uma maneira de aprender a lidar com eles.
Neste texto, elencamos algumas informações pertinentes sobre essa temática, visando discuti-la e proporcionar caminhos positivos para indivíduos que tenham sofrido algum tipo de lesão medular. Acompanhe.
Aspectos psicológicos na lesão medular
São diversos os aspectos psicológicos na lesão medular que podemos citar neste conteúdo. Inclusive, é válido destacar que cada indivíduo pode enfrentar esses aspectos de formas diferentes.
Isso quer dizer que há quem possa ter mais resiliência, enquanto outros sujeitos podem ter uma visão mais negativa da situação. Porém, isso não quer dizer que haja alguém mais forte ou mais fraco, pois é impossível medir força psicológica dessa forma.
Partindo desses dois pressupostos, desenvolvemos a lista abaixo para que possamos refletir, de uma forma geral, sobre quais impactos a lesão medular pode proporcionar no psicológico do indivíduo. Veja:
1. Vivência do luto
A vivência do luto faz parte dos aspectos psicológicos na lesão medular. Embora as pessoas acreditem que o luto faça parte apenas da perda de um ente querido, na realidade não é exatamente assim que ele funciona.
O luto está presente em qualquer perda significativa em nossas vidas, que requer que tenhamos que remodelar o sentido de nossa existência e nossa maneira de vivenciar o cotidiano.
Por isso, uma perda de emprego gera luto; a perda de um relacionamento gera luto; um diagnóstico gera luto; e uma lesão medular gera luto.
O indivíduo, frente ao seu luto, vivenciará as etapas de negação, raiva, barganha, depressão e aceitação. Todo esse processo pode levar algum tempo. Inclusive, cada pessoa pode ter o seu modo e o seu tempo de enfrentar o seu luto.
Haverá as fases de choro, de revolta frente ao que aconteceu, de tentar “barganhar” uma cura, sentir-se depressivo por não ter como mudar a situação e, depois disso tudo, novas perspectivas começam a surgir e é quando a aceitação ocorre.
Inclusive, esse processo de luto pode ser trabalhado na psicoterapia (psicologia clínica), a fim de auxiliar o desenvolvimento sadio do sujeito.
2. Reorganização da identidade
A reorganização da identidade do indivíduo é um dos aspectos psicológicos na lesão medular. Pois pare e pense: se a pessoa tinha uma vida ativa, por exemplo, sendo um atleta de alto nível, isso significa que os movimentos da prática esportiva faziam parte de sua identidade.
Logo, quando a lesão medular é uma realidade, essa identidade é transformada e deve, agora, ser remodelada.
O sujeito se vê diante da necessidade de encontrar novas atividades e caminhos para a sua situação atual. Se vê refém de uma necessidade de transformar a sua maneira de ver e viver a vida.
Consequentemente, sua identidade passa por mudanças: quem eu sou agora? O que eu posso fazer agora? Quais serão os meus hobbies? Qual será a minha rotina? Como irei cuidar de mim? Quem eu serei para os outros?
Esses e outros questionamentos podem surgir.
3. Aspectos sexuais
É sabido que a vida sexual das pessoas não está relacionada apenas com à reprodução humana. Isso quer dizer que uma lesão medular pode impactar alguns aspectos sexuais do sujeito, que vão além da reprodução.
Ou seja, a pessoa pode começar a ter uma visão diferente de si mesma, que pode ser negativa ou não, que impactará a maneira como ela se aproximará de potenciais parceiros, por exemplo.
Aprender a lidar com o novo corpo, com as novas sensações e com a nova maneira de viver a sexualidade é um dos aspectos psicológicos na lesão medular.
4. Sensação de impotência
A sensação de impotência também tende a ser uma realidade. Ao perceber que não há nada que esteja ao seu alcance, para resolver a situação, a impotência pode surgir.
Essa impotência, inclusive, pode ser a mola propulsora de crises de raiva e de revolta, já que a pessoa pode se sentir injustiçada por Deus, pelo universo ou pela vida, por exemplo.
Atravessar essa sensação de impotência nem sempre é fácil, e a psicoterapia pode auxiliar o sujeito a compreender melhor o que sente e de que forma pode lidar com o que está sob seu controle. Afinal, é necessário aprender que nem todas as coisas estão sob o nosso controle e que devemos lidar com aquelas que podemos, de fato, lidar.
5. Sintomas depressivos
A vida se transforma quando a lesão medular ocorre em um indivíduo. Muitas vezes, enfrentar a nova realidade pode ser bem doloroso. Isso quer dizer que a pessoa pode vir a desenvolver sintomas depressivos à medida que vai se dando conta do que aconteceu.
É muito comum haver tristeza excessiva, choro recorrente, desesperança, falta de prazer em viver, etc.
Nesses casos, a intervenção psicológica deve ocorrer o quanto antes, para prevenir que a situação evolua para um caso de depressão, de fato. Mas, caso a depressão já esteja instaurada, o atendimento adequado também deve ser procurado.
6. Mudanças na autoimagem
As mudanças na autoimagem é outro ponto que faz parte dos aspectos psicológicos na lesão medular. A pessoa começa a se enxergar diferente depois do que aconteceu. Ela pode não se ver mais, exatamente, como a mesma pessoa que era antes.
Como a sua rotina, suas prioridades e sua forma de viver têm mudado, ela pode passar a ter uma visão diferente sobre si mesma.
Muitas vezes, essa visão pode ser negativa. A pessoa pode se sentir “problemática” ou até mesmo um “incômodo” na vida daqueles que precisam cuidar dela a partir de agora. Pode haver, ainda, uma visão deturpada da própria existência, vendo-se como um peso.
A psicoterapia é importante para lidar com essa visão e projetar novas perspectivas sobre si.
Isso tudo é válido tanto para lesões permanentes e lesões que podem ser revertidas com o processo de reabilitação, afinal, o indivíduo, de qualquer maneira, enfrenta mudanças significativas no modo de se enxergar.
7. Mudanças na autoestima
A autoestima, assim como a autoimagem, também pode ser impactada pela lesão medular. Seja em casos irreversíveis ou naqueles que são passíveis de recuperação, a autoestima da pessoa pode ficar abalada por conta da sua mudança na funcionalidade.
Antes, o indivíduo tinha autonomia para fazer as suas atividades cotidianas, até mesmo simples, como se higienizar, por exemplo. Porém, ao vivenciar uma lesão medular, pode ser que essa funcionalidade fique comprometida, ocasionando impactos na autoestima.
Afinal, a pessoa pode se sentir “menos capaz” devido às impossibilidades causadas pelo trauma na medula, enxergando, assim, que não tem mais “qualidade” ou “utilidade”.
A psicoterapia também pode ser acionada nesses casos para que a pessoa comece a enfrentar a situação sob uma nova ótica.
8. Mudanças nos papéis sociais
Especialmente em casos irreversíveis, as mudanças nos papéis sociais fazem parte dos aspectos psicológicos na lesão medular. A pessoa começará a ter outro papel.
Por exemplo, dentro de casa pode se tornar o indivíduo que necessita de auxílio para algumas tarefas cotidianas, coisa que antes não fazia parte da sua rotina.
Essas mudanças exigem adaptação e tempo de aceitação, pois mexem diretamente com a forma como a pessoa se enxerga e quais projeções ela faz sobre a sua história de vida, referente ao seu futuro.
9. Dificuldades para estabelecer perspectivas para o futuro
E por falar em futuro, muitos indivíduos podem o temer a ponto de sequer conseguir projetar algo positivo.
Pensando nos casos que podem ser reabilitados, a pessoa pode ainda temer não conseguir a reabilitação, ou temer que tenha muitas sequelas e precise, ainda assim, mudar a sua vida drasticamente.
Já em casos irreversíveis, as dificuldades podem estar associadas aos impeditivos que o problema tende a criar na funcionalidade do indivíduo. Afinal, muitos dos planos que a pessoa tinha podem ser ancorados no fato de que ela teria os movimentos de todos os membros para trabalhar, viajar, cuidar da casa, enfim. Agora, com a lesão medular grave, esse futuro deixa de existir e precisa ser ressignificado, mas essa ressignificação nem sempre é fácil de ser feita.
10. Nova rotina que assusta
Especialmente em casos de lesão medular grave, uma nova rotina precisa ser criada para o sujeito seguir com a sua vida.
Agora, é possível que não seja mais cabível fazer tudo sozinho. A exigência de um cuidador pode fazer parte da história da pessoa.
Essa nova rotina, de ter que contar com a ajuda de alguém, pode ser assustadora, causando medo e angústia no paciente.
Nesses casos, o amparo psicológico é crucial para o enfrentamento da situação com mais resiliência e saúde mental.
Afinal, muito da funcionalidade cotidiana do sujeito pode ser ressignificada, construindo uma nova maneira de lidar com as situações diárias.
Como lidar com os aspectos psicológicos na lesão medular
Apesar de não haver um método infalível de como lidar com os aspectos psicológicos na lesão medular, algumas orientações podem contribuir para que esta fase da vida seja enfrentada com maior equilíbrio emocional.
Apenas lembre-se de que o apoio profissional não deve ser descartado, uma vez que o psicólogo poderá auxiliá-lo de modo mais alinhado às suas singularidades, ou seja, de acordo com a sua realidade.
Dito isso, vejamos alguns pontos que podem ser válidos em nossa reflexão:
1. Vivência das etapas do luto
Como mencionamos anteriormente, o indivíduo tende a atravessar um tipo de luto ao ser detectado com uma lesão medular, seja ela irreversível ou não.
Afinal, muitas coisas podem mudar, seja no curto ou no longo prazo, a ponto de impactar a maneira como a pessoa vê e vive a própria vida.
Sendo assim, respeitar o tempo de luto é fundamental. Tentar se “mostrar forte” e “inabalável” pode apenas prejudicar o emocional.
Por isso, conversar sobre o assunto, chorar quando necessário, desabafar, pensar sobre isso e viver o seu próprio luto é extremamente saudável e válido neste momento tão impactante.
2. Busca da reabilitação
Mesmo em casos nos quais a lesão seja considerada grave, a busca por reabilitação é válida. Isso porque o indivíduo pode, por meio do acompanhamento da equipe médica, recuperar certas mobilidades que podem fazer toda a diferença no dia a dia.
Além disso, o tratamento médico visa preservar a saúde do sujeito, aumentando a sua qualidade de vida e promovendo mais bem-estar, mesmo com as limitações.
Por isso, ir adiante na busca por tratamento ideal é indispensável.
3. Construção da rede de apoio
Construir uma rede de apoio também é importante para enfrentar os aspectos psicológicos negativos na lesão medular.
Isso porque somos seres sociais e necessitamos dessa interação com os outros para lidarmos melhor com a vida, com o mundo e com o cotidiano.
Além disso, é nessas relações que podemos compreender nosso valor, fortalecer a autoestima e encontrar novas maneiras de enxergar a vida.
Por isso, busque se cercar de pessoas que querem o seu bem e que são significativas em sua vida, evitando o comportamento de isolamento social que pode acontecer em situações de lesão medular.
4. Psicoterapia
O processo psicoterapêutico também pode contribuir na hora de lidar com todas as adversidades provocadas pela lesão medular.
O psicólogo, que escutará ativamente o paciente, poderá intervir de modo que propicie reflexões que ajudem a pessoa a:
- Vivenciar o próprio luto.
- Ressignificar a sua identidade.
- Traçar planos para o futuro.
- Aprender a lidar com as próprias emoções.
- Entre outros pontos.
Tudo isso de um modo que sempre respeite a singularidade e a vivência de cada indivíduo.
5. Ressignificação da identidade
Ressignificar a própria identidade também é muito importante. Antes, a pessoa tinha uma visão de si mesma, com base na rotina que havia construído. Porém, com a realidade da lesão medular, muita coisa pode ter mudado.
O trabalho da pessoa pode ser outro. A sua forma de lidar com as suas funcionalidades também. Por isso, saber ressignificar quem você é, olhando para dentro de si e projetando ao mundo o que passa a fazer sentido a partir de agora, é um caminho para lidar com as mudanças sofridas.
Obviamente, esse processo não é prático e tampouco fácil. Por conta disso, buscar apoio psicológico para enfrentar essa nova ressignificação da própria vida é essencial para poder seguir adiante.
6. Ressignificação dos planos para o futuro
Antes de acontecer o acidente que causou a lesão medular, ou qualquer outra situação (como o desenvolvimento da patologia), a pessoa pode ter construído os planos para o futuro com base nas vivências que tinha até então.
Porém, a lesão medular pode provocar a necessidade de ressignificar esses planos, descartando aqueles que não fazem mais sentido, remodelando aqueles que ainda fazem sentido e encontrando novos para trazer mais positividade para a própria vida.
Assim sendo, o processo de avaliar e ressignificar os planos para o futuro fazem parte desse enfrentamento. Buscar analisar quais serão as novas maneiras de seguir adiante, quais serão os novos objetivos, que considerem os limites pessoais, entre outros aspectos nesse sentido, são fatores que podem proporcionar uma maior motivação para enfrentar as dificuldades e seguir adiante.
Novamente reiteramos que o acompanhamento psicológico, nesse tipo de análise pessoal, é relevante e pode ajudar a pessoa a ter insights sobre o seu futuro.
7. Atividades e recursos que promovam a adaptação
Investir em novas atividades e recursos que promovam a adaptação ao novo também é um caminho promissor.
Por exemplo, adaptar os móveis e espaços da casa, buscar novos hobbies dentro dos limites do indivíduo, desenvolver estratégias que possam ser usadas para adaptar-se à nova realidade são formas de enfrentar as mudanças de um modo mais resiliente.
Isso não quer dizer que essas atividades e recursos serão “incríveis” e infalíveis. Mas, sim, quer dizer que existem possibilidades para ressignificar a vida e as atividades diárias, adaptando-se aos próprios limites e respeitando quem se é diante da vida.
Contar com o apoio dos profissionais da saúde para implementar esses recursos de modo mais efetivo é ainda mais interessante, pois esses profissionais possuem experiência e podem orientar quanto às medidas que tendem a funcionar mais e quais são menos válidas.
Sabemos que enfrentar os aspectos psicológicos na lesão medular não é fácil. Por isso, além de ler este conteúdo, não deixe de buscar a ajuda de profissionais qualificados. Afinal, as dicas e sugestões aqui presentes são informativas, e não prescritivas. Busque ajuda de quem tem experiência e é qualificado nestes casos. Você merece esse cuidado!
Referências
DA SILVA MARTINS, Maria Eloá Moreira et al. Enfrentamento e reabilitação de portadores de lesão medular e seus cuidadores. Psico, v. 37, n. 1, 2006.
DE LIMA, Carla Guimarães; TORRES, Ivanoelly Patrícia Fortunato; RACHID FILHO, Nazid. Aspectos psicológicos associados à sexualidade do lesado medular. 2014.
FECHIO, Maíra Baldan et al. A repercussão da lesão medular na identidade do sujeito. Acta fisiátrica, v. 16, n. 1, p. 38-42, 2009.