Aspectos Psicológicos da Aposentadoria
Aspectos psicológicos da aposentadoria
Pensar nos aspectos psicológicos da aposentadoria é pensar em como o homem se relaciona com o trabalho e com o status proporcionado pela atividade laboral.
Afinal, querendo ou não, passamos a maior parte de nossas vidas focando em nossas atividades laborais, e quando estas se interrompem, algumas questões de autoestima e de saúde mental tendem a surgir.
Neste texto, apresentamos algumas dessas questões, além de elencarmos dicas que podem auxiliar o indivíduo frente à sua aposentadoria.
Aspectos psicológicos da aposentadoria
Inicialmente, elencamos alguns aspectos psicológicos da aposentadoria para que você possa refletir, conosco, sobre os potenciais impactos dessa nova fase que se inicia na vida de muitas pessoas. Veja a seguir.
1. Trabalho como afirmação da autoestima
Ao longo de nossas vidas, o trabalho ocupa uma parcela imensa dos nossos dias. São muitas horas de dedicação, desde o estudo para a área que se deseja trabalhar, até a locomoção para o local de trabalho. Tudo isso sem considerar todas as horas do expediente e horas extras que entram no jogo.
Sendo assim, é muito comum que a satisfação com o trabalho, com o salário que ele proporciona e com as relações de poder que são construídas com ele, fomentem um aumento ou uma redução na nossa autoestima.
É o caso de uma pessoa se sentir bem consigo mesma ao atingir o cargo dos sonhos, pelo qual sempre batalhou, por exemplo. Além disso, pode ser o caso de você ter satisfação de dizer “eu trabalho com X”. Perceba que esse tipo de visão, que fortalece a autoestima por intermédio do trabalho, é muito comum.
Isso significa que a autoestima do indivíduo que se aposenta pode ficar fragilizada. Afinal, agora, diante da interrupção da rotina de trabalho, como ficará a sensação de satisfação? O que responder quando as pessoas perguntam com o que você trabalha? Como fica a satisfação que o status do cargo é capaz de proporcionar?
Essas dúvidas podem assolar a vida do aposentado, que pode se ver, agora, de uma forma fragilizada.
2. Trabalho como significado para a vida
Além de elevar a autoestima em muitos casos, o trabalho também pode ser encarado como um verdadeiro propósito de vida.
Isto é, muitas pessoas atribuem sentido para a sua existência com base no trabalho que executam. Logo, quando há uma interrupção dessa atividade “vocacional”, é possível que a pessoa se sinta vazia e com uma visão de que não há mais novas perspectivas e objetivos para o futuro.
Obviamente, o trabalho pode sim ser um dos alicerces do sentido da nossa vida, mas ele não precisa ser o único. Ele pode ter sido o sentido para determinadas fases de nossa história, mas é importante percorrermos outros significados para a nossa existência, como por exemplo, relacionamentos, sonhos relacionados a hobbies, legado que é deixado mesmo depois de encerrar a vida profissional, etc.
3. Perda do ponto de referência
Pare e pense sobre a sua rotina no trabalho: É ela quem, muitas vezes, dita que horas você vai acordar, em quais momentos fará a sua refeição, quais dias da semana poderá sair à noite, quando poderá viajar com a família, e assim por diante.
Agora, imagine a perda abrupta dessa rotina. Pense em um cenário no qual não há mais a necessidade de respeitar o horário de trabalho, e o almoço não precisa mais acontecer no mesmo lugar e exatamente na mesma hora, todos os dias.
Isso é um exemplo da perda do ponto de referência. Na aposentadoria, o indivíduo pode sentir que perdeu a referência que ele possuía para criar uma rotina estruturada e equilibrada. Agora, sem a obrigação de ir ao trabalho, pode se tornar difícil e confuso estabelecer um horário para dormir e acordar, se alimentar, se banhar, e assim por diante.
Esse tipo de quebra de referência pode levar o sujeito a uma vivência baseada no tédio, na monotonia, na angústia, no baixo estímulo cognitivo, e assim por diante.
Por isso, construir uma nova rotina, com atividades que sirvam de ponto de referência, é extremamente importante na terceira idade.
4. O status perdido ao se aposentar
Muitas pessoas adquirem um status social bastante avantajado graças ao cargo que ocupam. É o caso de grandes líderes e chefes de empresas consolidadas no mercado.
Porém, quando a aposentadoria aparece, há uma interrupção nesse “poder todo” que era colocado em prática até então. Consequentemente, é possível que o indivíduo sinta que perdeu a estima das outras pessoas e a admiração que costumava estar relacionada com o “poder” da liderança.
Esse tipo de questão pode causar uma insatisfação geral com a vida, desesperança, angústia, tristeza, etc.
5. A juventude trocada pelo poder de trabalhar – que é perdido na aposentadoria
No decorrer da carreira profissional, o indivíduo começa a, naturalmente, envelhecer – isso é inevitável. Percebe-se uma mudança na aparência, nos traços, na personalidade, na forma de lidar com certas questões, e assim por diante. O indivíduo percebe que não possui mais a juventude que, há alguns anos, estava em “suas mãos”.
Como forma de suprir a “falta” que a juventude pode ocasionar, é muito comum que as pessoas “mergulhem” no trabalho, crescendo cada vez mais e desenvolvendo carreiras brilhantes e cheias de conquistas.
Isto é, muitas vezes a evolução no trabalho é vista como um substituto para a juventude que foi perdida. É uma forma de manter a admiração alheia e uma imagem mais atraente para as outras pessoas.
Contudo, quando a aposentadoria aparece, todo esse prestígio também começa a desaparecer. A juventude, que não volta, já estava “no passado”. Porém, o que supria a ausência da estima da juventude, que era o sucesso profissional, também pode, agora, ser algo do passado.
Isso pode reduzir a autoestima, causar insegurança, medo, angústia e até mesmo revolta, comuns nos aspectos psicológicos da aposentadoria.
6. Insegurança ao “perder o poder”
Especialmente em cargos elevados hierarquicamente, o indivíduo pode encontrar, no seu trabalho, uma fonte de “poder”.
Ordenar as outras pessoas, dando direcionamentos, feedbacks e instruções, é algo que faz com que a pessoa sinta uma sensação de ter poder sobre os seus colaboradores. Não no sentido negativo, mas no sentido de ser uma pessoa importante, que é referência e direciona os seus liderados.
Porém, a aposentadoria pode trazer uma nova realidade para o indivíduo. Agora, em casa e com a família, ele pode sentir insegurança por não ter o mesmo poder.
Não há quem queira o seu direcionamento, feedback ou instrução. Ele é visto de forma equiparada – e em muitos casos como inferior – às outras pessoas da casa. Isso pode criar uma atmosfera de insegurança.
7. A solidão vivida ao aposentar-se
Durante a nossa rotina de trabalho, é comum construirmos laços de amizade com as outras pessoas. Mesmo aquelas que não são tão próximas de nós, ainda interagem no dia a dia corporativo.
Em contrapartida, a posição de aposentado pode excluir esse tipo de relação do cotidiano da pessoa. Ela pode se ver “sozinha”, vivenciando o problema de isolamento social e solidão na terceira idade.
Obviamente, trata-se de algo que pode ser remanejado, dentro da nova realidade, mas, ainda assim, pode gerar angústia e incertezas no sujeito.
8. Caráter subjetivo do trabalho que altera a perspectiva frente à aposentadoria
Vale ressaltar que embora existam diversos estudos que apontam os principais aspectos psicológicos da aposentadoria, não podemos nos esquecer de que o trabalho é algo subjetivo. Isto é, cada pessoa encara a sua atividade laboral de uma forma diferente.
Algumas pessoas podem enxergar o trabalho como algo insatisfatório, o que torna a aposentadoria algo positivo. Outros podem atribuir o sentido de sua existência ao trabalho, resultando em quadros de depressão na aposentadoria.
Assim sendo, também devemos avaliar cada situação de maneira única, visando elevar a qualidade de vida frente à aposentadoria de acordo com as perspectivas, história de vida e visões de cada um.
9. Fim de um ciclo que provoca um luto
A aposentadoria, querendo ou não, também representa o fim de um ciclo. Embora nasça outro depois da instauração dela, ainda assim o indivíduo se vê diante de um término ou uma perda. E como toda perda, pode resultar em sentimentos relacionados ao processo de luto.
Por isso, é comum haver ambivalência de sentimentos, com alegria de começar uma nova fase e tristeza de perder a antiga; revolta de ter que aceitar uma nova realidade que não se deseja; depressão frente às mudanças; e a aceitação que pode surgir com o passar do tempo.
Por isso, respeitar o tempo de luto é algo muito importante na hora de lidar com os aspectos psicológicos da aposentadoria.
10. Sensação de “inutilidade”
Sem dúvidas, esse é um dos aspectos psicológicos da aposentadoria que mais costumamos ouvir quando damos voz a uma pessoa que acabou de se aposentar. Afinal, o trabalho é atribuído como uma “utilidade social” da pessoa frente à comunidade e ao mundo que vive. Porém, quando essa “utilidade social” é interrompida, a pessoa pode vivenciar sentimentos de inutilidade.
Além disso, essa sensação de ser “inútil” pode abrir caminho para sentimentos de culpa, nos quais a pessoa acredita que não é boa o bastante ou que está incomodando a família com a sua “inutilidade”.
A baixa autoestima pode ser resultado desse tipo de visão deturpada da aposentadoria.
Mas, vale ressaltar que uma pessoa que se aposenta não se torna inútil. Ela possui, agora, um novo papel na sociedade, e que, com certeza, pode ser de grande valia para todos aqueles que a amam.
Uma pessoa aposentada tem experiência, histórias e conhecimentos que podem agregar muito valor. A utilidade de um ser humano não está relacionada apenas à sua capacidade de produzir e gerar renda, como o mercado capitalista pode dar a entender.
Quebrar esse paradigma é um desafio, mas é possível.
Os aspectos psicológicos também podem ser positivos
Também é válido ressaltar que os aspectos psicológicos da aposentadoria não são todos negativos. Algumas pessoas podem experimentar sentimentos e emoções positivas nesses casos.
Alguns indivíduos podem enxergar a possibilidade de aproveitar mais tempo com a família e com os amigos; outros podem ver como uma oportunidade de viajar mais, conhecendo novas culturas e experienciando coisas diferentes.
Além disso, é uma fase em que é possível viver novos amores e romances que trazem autoestima, bem-estar e fortalecem a qualidade de vida do idoso.
Por isso, não podemos associar a aposentadoria apenas como algo ruim, pois ao abrir uma brecha na agenda do indivíduo, ela também pode abrir caminhos para que sonhos antigos se tornem realidade – como escrever um livro, aprender algo novo, conhecer novos países, viver um novo amor, etc.
Como lidar com as questões vividas na aposentadoria?
Sem dúvidas, a aposentadoria pode abrir caminho para grandes reflexões, dúvidas, questionamentos e para uma verdadeira “montanha russa” de emoções.
Por isso, refletir sobre medidas que podem ser tomadas nessa situação é um caminho que pode ser bem interessante.
Pensando nisso, listamos algumas considerações que podem servir de reflexão para esta nova fase da sua vida. Veja:
1. Vivência do luto
Se você sente que os aspectos psicológicos da aposentadoria estão ocasionando uma verdadeira vivência de luto em sua vida, não tenha medo de expressar os seus sentimentos e emoções.
O trabalho fez parte de grande parte da sua história, portanto, viver esse luto é algo digno e que você tem total direito de viver.
Chorar, desabafar, reclamar e elaborar a situação são etapas que podem auxiliar na hora de construir uma nova fase interessante para a história da sua vida.
Dê tempo ao tempo. No começo, pode ser difícil assimilar a ideia de que você não tem mais a obrigação de ir trabalhar. Mas, à medida que o tempo passa e as emoções são respeitadas, esse tipo de sensação negativa começa a dar espaço para algo novo: a elaboração do luto.
Ao elaborá-lo, você verá o trabalho como uma página importante na sua história, mas que, agora, abriu caminho para algo novo e diferente.
2. Ressignificação do trabalho
Ressignificar o que é trabalho para você também é um caminho que pode ser frutífero. Isso porque, muitas vezes, as pessoas encaram o trabalho como o único propósito de suas vidas, mas isso pode resultar em uma sobrecarga emocional na aposentadoria.
Por isso, sugerimos que você comece a refletir sobre a sua concepção de trabalho. Será que ele realmente é tudo na vida de alguém? Será que ele não é apenas mais uma parte da vida, dentre tantas outras peças que vivenciamos? O trabalho realmente é a coisa mais importante do mundo, ou o amor e a família podem ocupar esse lugar?
3. Novos planos para o futuro
Passado o período de luto, é possível começar a projetar novos planos para o futuro. Não é porque você não precisa mais ir à empresa que precisa, necessariamente, parar de produzir planos e objetivos.
Você pode sim pensar em novas metas para a sua vida como um todo!
Quais são os sonhos que você gostaria de atingir? Onde você quer estar daqui um ano? Quais propósitos quer começar a alimentar para a nova fase da sua vida?
No começo, pode ser difícil estabelecer novos planos, mas exercitando a paciência e a reflexão sobre o seu futuro, é possível ter resultados interessantes.
4. Fortalecimento das relações sociais
A aposentadoria abre um leque de possibilidades quando pensamos em tempo disponível para fortalecer as relações sociais, não é mesmo?
Você pode investir em atividades ao ar livre, participar em clubes para idosos da cidade, visitar eventos locais, rever parentes que moram longe, viajar e conhecer pessoas novas, enfim!
Lembre-se de que somos seres sociais, e esse tipo de interação pode ser bastante positiva. Construir boas relações na terceira idade fortalece a autoestima e o bem-estar, além de aumentar a qualidade de vida.
5. Investimento em atividades prazerosas e hobbies
Aproveite o tempo livre para começar a descobrir novas atividades que podem ser prazerosas e divertidas. Você pode investir em novos hobbies, experimentar práticas que não conhecia, viver novas experiências, aprender algo novo que instigue o prazer, e assim por diante.
Mantenha uma vida ativa nesse sentido e usufrua do tempo que há disponível para colocar em prática atividades que tornem os dias mais felizes e agradáveis.
Para isso, considere descobrir o que você ama fazer, experimentando coisas diferentes e, assim, encontrando hobbies que podem, inclusive, estimular a sociabilidade.
6. Reconhecimento do envelhecimento
Saber reconhecer o envelhecimento também é importante. Muitas pessoas ainda têm, em seu imaginário, a ideia de que o envelhecimento é igual a dependência para se locomover, dificuldades emocionais, problemas de saúde, falta de interação social e “fim da vida”.
Porém, é possível reconhecer o envelhecimento como uma etapa do ciclo da vida, assim como qualquer outra, que pode ser encarada como uma fase de novas descobertas, vivências e sensações.
Isto é, embora o destino de todas as pessoas seja a morte, não precisamos enxergar a velhice apenas como algo negativo. Mas, sim, podemos enxergá-la como mais uma etapa de nossas histórias, que ainda tem muito o que oferecer.
Afinal, a vida só acaba quando ela termina. Então por que querer acabá-la enquanto ainda há vida?
7. Psicoterapia
A psicoterapia também pode ser uma excelente ferramenta quando pensamos nos aspectos psicológicos da aposentadoria. Isso porque, devido às mudanças sociais vividas, muitas questões emocionais podem surgir.
A dificuldade para lidar com o futuro, com a rotina e com as atividades cotidianas são fatores que podem ser trabalhados com a ajuda do psicólogo.
Na terapia, torna-se viável falar sobre as angústias, conhecer um pouco mais sobre si mesmo, descobrir novas vertentes para a vida, manejar uma nova rotina, e muito mais.
Por isso, investir nesse tipo de acompanhamento pode ser algo bastante promissor para a qualidade de vida.
Portanto, não descarte a ajuda profissional caso você esteja atravessando questões emocionais e de saúde mental.
8. Construção de novos pontos de referência para a rotina
Por fim, lembre-se de que construir novos pontos de referência para a rotina pode reduzir a sensação de “perdido” que a aposentadoria pode, muitas vezes, provocar.
Assim sendo, investir em compromissos sociais, hobbies que estimulem a construção de uma rotina estruturada, e manter horários para banho, alimentação, sono e exercícios são medidas que minimizam a sensação de monotonia e tédio que podem surgir em alguns casos.
Você não precisa ser uma pessoa sem rotina apenas porque não ter um trabalho, ao menos que esse seja o seu desejo.
Ou seja, você não precisa ter um dia totalmente aleatório se não quiser. Mas, sim, pode montar uma agenda de atividades, que considerem os exercícios, clube de idosos, hobbies e atividades ao ar livre, como oportunidades de construir uma nova agenda saudável.
Assim, quem sabe, os aspectos psicológicos da aposentadoria começam a se equilibrar.
Boa sorte!
Referências
BARROS, S. B. O processo de preparação para a aposentadoria: aspectos psicológicos – estudo de caso – Monografia. Centro Universitário de Brasília – UniCEUB, 2010.
ROMANINI, D. P.; XAVIER, A. A. P.; KOVALESKI, J. L. Aposentadoria: período de transformações e preparação. Revista Gestão Industrial. v. 01, n. 03 : pp.081-100, 2005
ISSN 1808-0448. D.O.I.: 10.3895/S1808-04482005000300009