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Nutrição para o Bailarino

Qual a importância da nutrição para o bailarino?

Desde o sucesso da encenação de La Sylphide, no século XIX, por Marie Taglioni, a personagem Sílfide iniciou o que veio a se tornar a representação do estereótipo da bailarina: magra, longilínea, leve e sem curvas. Para a bailarina, o corpo nunca está tão magro que não tenha o que ser perdido. A alta expectativa – interna e externa – pode levar à instabilidade emocional e, ao longo do tempo, à distorção da imagem corporal.

O nutricionista esportivo precisa compreender que seus pacientes bailarinos via de regra precisam de um corpo magro para potencializar suas performances, e deve prover os meios para que isso seja obtido de uma forma saudável. Ao mesmo tempo, o bailarino precisa compreender que a perda de peso tem um limite e que ultrapassar estes limites será prejudicial não apenas para a saúde, mas também para a performance no ballet.

Os limites entre o emagrecimento saudável e aquele que se torna prejudicial à saúde é bastante tênue e nem sempre fácil de identificar, ainda mais em um meio onde os padrões de normalidade já estão habitualmente distorcidos.

Qual o peso ideal para o bailarino?

O peso ideal para a maior parte dos bailarinos em busca de performance é o mínimo possível antes que a saúde e o rendimento comecem a ser prejudicados.

Os valores de referência para a população em geral indicam um baixo peso quando o Índice de Massa Corporal é inferior a 18,5, mas outros sinais e sintomas devem ser levados em consideração na avaliação do bailarino com suspeita de deficiência energética, como fadiga, dor de cabeça, irritabilidade excessiva, distúrbios gastrointestinais e distúrbios menstruais.

Como deve ser a alimentação do bailarino?

A alimentação do bailarino deve buscar um equilíbrio na ingestão de carboidratos, proteínas, gordura e micronutrientes (vitaminas e sais minerais). Carboidratos e gordura são as principais fontes energéticas na dança, a proteína é necessária para o reparo e construção muscular e gordura, vitaminas e sais minerais são fundamentais para o bom funcionamento celular e de diversas funções do nosso organismo.

A dieta do bailarino deve consistir em cerca de 55–60% de carboidratos, 12–15% de proteína e 20–30% de gordura. Quantidade ligeiramente maior de carboidrato pode ser indicado para o bailarino com rotina muito intensa de ensaios e apresentações.

Demanda de carboidrato para o bailarino

Carboidrato e gordura são as principais fontes energéticas para o bailarino, sendo a dependência do carboidrato maior quanto mais intensa a atividade. Ao contrário da gordura, porém, os estoques de carboidrato são limitados e facilmente esgotáveis durante a prática de ballet.

Ainda que seja comum vermos pessoas recomendando a prática o exercício em jejum como forma de estimular o corpo a aumentar o consumo de gordura durante o exercício, isso não é recomendável no ballet, já que a gordura tende a ser insuficiente para oferecer toda a energia necessária para a dança.

Dietas pobres em carboidrato, muito usadas para quem quer perder peso, também não costumam ser indicadas para os bailarinos, que já possuem peso habitualmente próximo dos limites inferiores da normalidade. Ainda assim, caso se opte por este tipo de dieta, o consumo do carboidrato nas refeições antes e após o ensaio deverá ser priorizado.

Alimentos ricos em carboidratos refinados, como pães e massas tradicionais, arroz branco e salgadinhos, bem como os doces com grande quantidade de açúcar devem ser evitados na maior parte do tempo, especialmente quando o ganho de peso é uma preocupação. Ao invés disso, deve-se dar preferência para os carboidratos complexos e ricos em fibra, como arroz, pão e massa integrais, frutas e legumes.

Demanda de proteína pelo bailarino

A proteína é fundamental para o reparo muscular e para a recuperação após um ensaio. Muitos bailarinos temem o ganho de massa muscular, que daria uma aparência estética considerada ruim. Isso pode ser evitado por meio de um treino com foco no ganho de força sem hipertrofia muscular e nunca através da redução na ingestão de proteína.

O bailarino que restringe excessivamente o consumo de proteína não será capaz de recuperar completamente a musculatura desgastada após um ensaio. Caso esta alimentação seja mantida, o desgaste passa a se acumular treino após treino até que ele passe a apresentar dores e lesões.

A recomendação é que o consumo diário de proteína seja de 1,2 a 1,6 grama de proteína por quilo de peso corporal, dividido em três a quatro refeições, o que pode ser obtido por meio do consumo de carnes, ovos e leite, mas também pode vir de uma dieta vegetariana equilibrada.

Demanda de gordura pelo bailarino

Antes considerada a grande vilã das dietas, a gordura tem um papel fundamental na alimentação do bailarino. Ela faz parte da estrutura das membranas celulares e tem função importante na produção de diversos hormônios e para a absorção de vitaminas solúveis em gordura.

Ainda que a gordura seja uma fonte importante de energia, os estoques corporais, por mais magro que seja o bailarino, são muito superiores ao gasto durante o exercício. Assim, a disponibilidade de gordura não é afetada pelo consumo imediatamente antes do ensaio.

Por outro lado, dietas ricas em gordura demoram para serem digeridas, o que pode aumentar o desconforto abdominal. Assim, a gordura deve ser priorizada nas refeições afastadas dos horários de ensaio.

O foco deve ser sempre na gordura insaturada, presente em alimentos como nozes, abacate, azeite de oliva, gergelim, linhaça, abóbora, girassol e castanhas. Deve-se evitar o consumo de alimentos ricos em gordura trans (presentes em bolachas, sorvetes, salgadinhos, massas instantâneas, manteiga e outros produtos industrializados) e limitar o consumo da gordura saturada, presente em alimentos de origem animal, como carnes, leites e seus derivados.

Vegetarianismo e veganismo

Vegetarianismo e veganismo são práticas alimentares muito comuns entre bailarinos. De fato, uma dieta muito bem equilibrada é capaz de suprir praticamente toda a demanda nutricional do bailarino sem a necessidade de produtos de origem animal, ainda que a disciplina com a alimentação tenha que ser maior.

O bailarino vegetariano precisa não apenas se preocupar em consumir todos os nutrientes e com os horários das refeições da mesma forma que os não vegetarianos, como precisa se preocupar com a absorção destes nutrientes, especialmente das proteínas e alguns minerais, que podem se comportar de forma diferente no vegetariano. Para maiores informações, sugiro a leitura do nosso artigo sobre vegetarianismo e veganismo no esporte.

Distúrbios nutricionais no ballet

Quando a bailarina se propõe uma meta de emagrecimento irreal e nada saudável e leva isso às últimas consequências, isso pode resultar em dois transtornos alimentares bastante sérios: a anorexia e a bulimia, sendo que a anorexia com episódios eventuais de bulimia é o mais comum.

  • A anorexia é caracterizada pela severa restrição alimentar, levando a um peso corporal significativamente baixo quando considerados os padrões internacionalmente estabelecidos para a idade e a altura.
  • A bulimia acontece quando há episódios de compulsão alimentar seguidos de ações para expulsão do alimento ingerido, mais notadamente o vômito induzido, o uso de laxantes e até de diuréticos. Nesse caso, os indivíduos possuem peso normal ou até um leve sobrepeso.

É importante alertar que raramente a bailarina (sim, as mulheres são as maiores vítimas destes transtornos) tem consciência do que está adoecendo. Como é bastante comum ela ter uma visão distorcida de sua imagem, ela se vê como estando acima do peso e sua autoestima cai ainda mais.

E entra então em ciclo de baixa autoestima, autocrítica duríssima, ansiedade, mais empenho no emagrecimento que parece não vir, sentimento de solidão e isolamento, baixa autoestima… e o ciclo se repete, com mais gravidade.

Infelizmente, além de nocivo, este ciclo é também improdutivo, pois o corpo vai perdendo a força, a energia e a agilidade tão necessárias ao ballet. Outros problemas de saúde passam a aparecer em decorrência do baixo consumo energético:

  • O sistema imunológico fica deprimido e o paciente passa a adoecer com maior facilidade; quadros como gripes ou resfriados passam a ser mais frequentes e o paciente sofre mais com eles;
  • Os ciclos menstruais ficam irregulares e, em situações extremas, a bailarina pode parar de menstruar;
  • A bailarina pode desenvolver osteoporose, que é uma redução na densidade do osso, típico de pessoas idosas e inativas. Podem ocorrer fraturas por estresse, que são fraturas por esforços repetitivos em um osso que é mais fraco do que o normal;
  • Pode-se desenvolver anemia, e o paciente sente-se mais fraco, sem energia;
  • Dores de cabeça tornam-se mais frequentes e a paciente fica irritada mais facilmente;
  • As proteínas dos músculos passam a ser utilizadas como substrato energético para manter as funções do organismo. A perda de musculatura leva a sobrecarga articular, lesões e piora no rendimento dos ensaios.

Todos estes sintomas fazem parte de uma síndrome conhecida como Deficiência energética relativa no esporte (RED-S). O problema não é exclusivo de bailarinas, mas estas estão entre os atletas mais vulneráveis.
Qualquer bailarino, familiar ou pessoas que trabalham com o ballet devem saber reconhecer e ficar atentos aos sinais característicos da deficiência energética no esporte.

Bailarinas adolescentes, que referem frequentemente preocupação com o peso e que demonstram interesse em dietas pouco ortodóxicas para controle de peso são especialmente vulneráveis para desenvolverem transtornos alimentares. Na dúvida, é fundamental que se procure ajuda especializada.